sábado, 31 de agosto de 2019

Os barcos




Barcos Ancorados, de Silva Porto (1850-1893). Óleo s/ tela




Dormem na praia os barcos pescadores
Imóveis mas abrindo
Os seus olhos de estátua

E a curva do seu bico
Rói a solidão.





Sophia de Mello Breyner Andresen - Antologia, Círculo de Poesia Moraes Editores, 3ª. edição, 1975, pág. 112  



Lee Krasner



Pedro Mexia
E-Revista Expresso 






LEE É UMA DAS GRANDES ARTISTAS AMERICANAS CONTEMPORÂNEAS, QUERO DIZER, UM DOS GRANDES ARTISTAS, SEM GÉNERO GRAMATICAL
N
uma monografia sobre o expressionismo abstracto americano descubro que houve dezenas de pintoras associadas ao movimento. Tinha uma vaga ideia de algumas, vagos nomes, vagas imagens, talvez Helen Frankenthaler ou Joan Mitchell, certamente Elaine de Kooning, “mulher de Willem de Kooning”, ou Lee Krasner, “mulher de Jackson Pollock”. Faz parte da tradicional invisibilidade das mulheres no mundo das artes serem mulheres de, amantes de, musas de, “deusas e capachos”, como dizia o encantador Picasso. No caso do muito masculino expressionismo abstracto, e da “mulher de Pollock” em especial, o esquecimento é flagrante e injusto, sobretudo para quem, como é o meu caso, tem até pouco interesse em Pollock e na action painting como culto do gesto.


Krasner (1908-1984), uma nova-iorquina descendente de imigrantes russos, foi agora objecto de uma óptima retrospectiva em Londres, no Barbican. A exposição lembra a dificuldade do seu percurso enquanto artista autónoma e reconhecida. Quando a jovem Lena estudou com o célebre Hans Hofmann, os seus desenhos anatómicos já fugindo para o “cubismo analítico” que a escola favorecia, o professor disse que o trabalho dela era “tão bom que não adivinharíamos que era de uma mulher”. Lena passou a assinar com o mais ambíguo “Lee” também por causa dessas ideias feitas. Antes de ver esta exposição, já sabia que Pollock lhe devia bastante em termos pessoais e artísticos; depois da exposição, fiquei a achar Lee tão boa ou até melhor do que ele. E confesso que me impressionou que as obras mais fortes dela sejam imediatamente anteriores ou imediatamente posteriores à morte dele num acidente de viação, como se fossem um augúrio ou uma catarse.

“Desert Moon” (1955), de Lee Krasner




Umas dessas obras, “Desert Moon” (1955), é um portento de não conseguirmos seguir em frente. Ainda que não represente propriamente nada, nem sequer uma lua vista no deserto, significa muito em termos de intensidade, um fundo laranja escuro coberto de formas alongadas, algumas estreitas, talvez estacas ou paliçadas, outras redondas e ovais, formas que parecem artefactos em pedra ou detritos, uns pretos, outros roxos, outros de um lilás que se transforma em encarnado. Do mesmo ano é “Blue Level”, com o fundo azul escuro, traços azuis e laranja esporádicos, quadrados brancos, formas castanhas de alto a baixo e grandes massas negras que enchem a tela como meteoritos. Posso investigar a circunstância destes quadros, a sua intenção e significado, mas não sinto essa necessidade, “Desert Moon” e “Blue Level” já me interpelam suficientemente como enquanto espectador, já têm suficientes emoções inquietantes, emoções formais e cromáticas, com uma força quase psicanalítica. E o mesmo acontece com as obras que a artista definiu como “imagens assustadoras”, entre as quais “Courtship” (1966), um fundo laranja com uns traços vigorosos que sugerem formas orgânicas, órgãos internos, ou serão nuvens, ventanias? Do cubismo, escreveu o crítico Robert Hughes, Lee Krasner trouxe para a abstracção a ideia de que um quadro é um todo, sem centro nem margens. Ou todo centro e todo margens.
A retrospectiva do Barbican acompanha os vários estilos e fases da irrequieta Lee, das suas “pequenas imagens” de quinquilharia colorida aos magníficos e ominosos hieróglifos, das obras de propaganda de guerra às colagens, das escuras e oníricas “viagens nocturas” à pigmentação exuberante e táctil das homenagens a Matisse, dos quadros cerebrais e geométricos aos palimpsestos de obras anteriores, cortadas, coladas, acopladas. Lee Krasner, uma mulher decidida e combativa, disse que ter podido trabalhar à vontade, sem grande atenção dos críticos e coleccionadores, foi “uma bênção”. Mas foi também uma injustiça. No seu auge, com os rasgões cromáticos de 1950 e as imagens convulsivas de 1960, Lee é uma das grandes artistas americanas contemporâneas, quero dizer, um dos grandes artistas, sem género gramatical.
Expresso, 24 de agosto de 2019

Trinta Clássicos das Letras | 28. As Aventuras de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll




Alice, por Dagmara Gaska



As Aventuras de Alice no País das Maravilhas é uma novela de 1865 escrita por Charles Lutwidge Dogson (1832-1898), sob o pseudónimo de Lewis Carroll. Apesar do autor sempre tê-lo negado, a personagem parece identificar-se com Alice Pleasance Lidell (1852-1934), jovem que o autor largamente retratou, filha do Decano de Christ Church da Universidade de Oxford, Henry Lidell.
Trata-se de uma narrativa fantasiosa, com figuras antropomórficas, em que prevalece o raciocínio lógico e a sua crítica, típicos de um professor de matemática. Nesse sentido, a popularidade do livro, nas suas duas partes (País das Maravilhas e Do Outro Lado do Espelho) deveu-se ao alcance multifacetado dos episódios que relata, que podem ser apreendidos por crianças e adultos, já que o humor pode ser visto na simplicidade infantil ou na apresentação de paradoxos lógicos só compreensíveis por leitores maduros. Trata-se, porém, de um exemplo que reúne o “non-sense”, a fantasia, o absurdo, o cómico e os jogos da lógica, ao alcance de todos… Lewis Carroll foi diácono anglicano, professor, fotógrafo, matemático e escritor, tendo-se celebrizado sobretudo pelo romance de Alice, mas igualmente pelas suas descobertas no campo da lógica matemática.
Alice, num passeio em 4 de julho de 1862, começa por seguir um estranho coelho branco de colete e relógio de bolso para a sua toca e cai num poço cheio de prateleiras com objetos estranhos e livros. No fundo, descobre uma chave dourada sobre uma mesa de vidro, que abre uma porta que dá para um belo jardim, demasiado pequena para que Alice possa entrar. Encontra uma pequena garrafa com uma etiqueta “Bebe-me”. Alice cumpre o pedido, diminui de tamanho e consegue entrar. Mas esquece-se de trazer consigo a chave e o que a salva é um bolo, que a convida a comê-lo, o que lhe permite crescer. O encadeamento das peripécias não pára. Alice chora porque cresceu de mais e cria um lago de lágrimas. O coelho deixa cair as luvas e o leque e Alice consegue diminuir de tamanho ao refrescar-se com o leque, mas cai no lago cheio pelas suas próprias lágrimas, mas um rato ajuda-a a não se afogar e a atravessar o lago… Tudo é, porém, demasiado complicado. Um bizarro dodô (caricatura do autor, Dogson) promove uma corrida eleitoral, em que todos ganham. Alice volta a crescer desmesuradamente. Há os conselhos da lagarta-azul. O Gato Chessire revela o seu misterioso sorriso. E os números matemáticos podem ser vistos como são: duas ou três maçãs ou os algarismos 2 e 3, considerados em abstrato, da mesma maneira que o sorriso do gato, que a certa altura, deixa de fazer parte dele… E chegamos ao Chá dos Loucos, com a Lebre de Março e o Chapeleiro, condenado a beber sempre chá porque o seu relógio ficou parado nas seis horas, “post meridium”. E Carroll tem razão ao falar da loucura como doença profissional dos chapeleiros – pela inalação dos gases do mercúrio, indispensáveis na fabricação dos chapéus de feltro. E nesse mundo perturbado, encontramos referência à mais assisada das lições de Lógica: «afinal, podemos dizer "Vejo o que como", ou de outro modo, "Como o que vejo"!» Cuidamos assim de uma relação inversa… Por sua vez, a Rainha de Copas revela-se irrascível e intolerável. Uma tartaruga falsa (alusão à sopa assim chamada, feita com carne e caldo verde; daí a cabeça de bezerro da ilustração), a quadrilha da lagosta, o julgamento do valete de copas (pelo “terrível” roubo de uma torta), o decisivo depoimento de Alice – e a final demonstração de que a rainha de copas nada pode, para além do mundo da fantasia contra Alice, regressada à realidade… 
A aparente loucura, que perpassa em todo o sonho, corresponde, afinal, a uma mistura de paradoxos lógicos, de doenças reais, como a do chapeleiro, e de pequenas referências a hábitos e costumes britânicos. E assim, ainda hoje, a obra de Lewis Carroll continua a revelar muitos enigmas, a que a maior parte dos leitores continua indiferente…

Agostinho de Morais
Raíz e Utopia, Centro Nacional de Cultura, 28 de agosto de 2019


Ensinar a ler é sempre ensinar a transpor o imediato










“Ensinar a ler é sempre ensinar a transpor o imediato. É ensinar a escolher entre sentimentos visíveis e invisíveis. É ensinar a pensar no sentido original da palavra «pensar» que significa «curar» ou «tratar» um ferimento. Temos de repensar o mundo no sentido terapêutico de o salvar das doenças pelas quais padece.” 

Mia Couto



Novo sítio dedicado à Cidadania e Desenvolvimento




Recurso para promover e apoiar o sucesso da Cidadania e Desenvolvimento nas escolas.




 https://cidadania.dge.mec.pt




A educação para a cidadania visa contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelos outros, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo, tendo como referência os valores dos direitos humanos.



Com o objetivo de apoiar as escolas e de prestar informação a todos os parceiros que têm colaborado na construção de documentos de apoio à concretização dos dezassete domínios que constituem a componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento – sociedade civil, organizações não governamentais, organismos e institutos públicos –, apresenta-se um novo sítio dedicado à Educação para a Cidadania.

O novo sítio vem dar corpo a sete princípios que se encontram no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e que presidem igualmente à Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania: uma base humanista centrada na pessoa, na dignidade humana e na ação sobre o mundo enquanto bem comum a preservar; o conhecimento como base para uma participação informada e crítica; a aprendizagem como forma de educação ao longo da vida; a inclusão como acesso à participação de modo pleno e efetivo em todos os contextos educativos; coerência e flexibilidade na gestão do currículo para se adequar a cada contexto de aprendizagem; a sustentabilidade como base para uma ação duradoura; a estabilidade porque, para se educar para um perfil de competências alargado, é necessário tempo e persistência.

Direção-Geral da Educação


quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Apps em família




Guia para os pais












Quando pensamos em aplicativos para crianças, geralmente pensamos em duas opções: jogos divertidos ou educativos. Mas os aplicativos não são apenas jogos ou livros; eles também podem trazer importantes experiências sociais, emocionais e físicas. 

O Family Time With Apps foi desenvolvido para ajudar os pais a entender melhor a variedade de formas pelas quais os aplicativos podem apoiar o desenvolvimento saudável dos filhos e a aprendizagem, a comunicação e os laços familiares. Este guia tem como objetivo mostrar aos pais como encontrar os melhores aplicativos para as necessidades de seus filhos, dar dicas de como (e por quê) usar aplicativos juntos e destacar mais recursos que tornam o processo de seleção de aplicativos menos confuso e divertido.



quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Trinta Clássicos das Letras|27. O Poder e a Glória, de Graham Greene




Graham Greene





O Poder e a Glória foi publicado em 1940 e constitui uma reflexão muito séria sobre o compromisso cristão.
No final dos anos trinta, Graham Greene (1904-1991), então jornalista, foi enviado ao México para avaliar naquele país a situação das perseguições religiosas na região central, derivadas da “guerra cristera”, especialmente nos estados de Tabasco e de Chiapas e em Laredo. Dessa viagem resultou um relato intitulado The Lawless Road e depois este extraordinário romance. Aqui se narra a perseguição a um padre fugitivo feita por um tenente fanático que deseja capturá-lo sob a pressão do governador da província.
O relato remete-nos para a lembrança das perseguições dos primeiros cristãos e tem como paradigma nas suas duas faces a figura de Paulo de Tarso, como perseguidor e como perseguido, na Estrada de Damasco. O perseguidor, o tenente, qual fariseu intolerante, consegue a autorização para matar o padre que protagoniza o romance. Finalmente preso, após percorrer fazendas e povoados, o sacerdote é executado para a satisfação do tenente. Mas este clérigo é um pobre homem que vive dominado pelo álcool e que tem um filho para cuidar. Ele tenta fugir, mas o dever e a misericórdia chamam-no sempre que alguém pede o seu auxílio.
Como afirmou François Mauriac, que não poupou elogios ao romance, que considerou ser uma obra-prima: “mesmo quando crê que a sua ajuda é vã, e não ignora que é de uma emboscada que se trata e que aquele que o chama já o traiu, este padre bêbedo, impuro, que treme perante a morte, dá a sua vida sem perder em nenhum momento o sentimento da sua baixeza e da sua vergonha”. O drama de O Poder e a Glória corresponde, assim, a um relato dramático em que a Graça e o Pecado se encontram e desencontram – uma vez que o romancista britânico nos diz que é na situação limite e no afrontamento do mal que a Graça se manifesta. Muitos não o compreenderam, porém, mas o tempo veio a revelar que o livro se tornou uma referência do nosso tempo – colocando-nos no centro da dúvida e da fé.
De que vale ficarmo-nos apenas na comum normalidade? É preciso interrogarmo-nos sobre a essência das coisas, o que obriga a ir até às fronteiras onde os sentimentos, as virtudes e o pecado se encontram. A samaritana surpreende-se por encontrar Cristo àquela hora na fonte. Muitos se escandalizam… Tal como no drama do México, perante a perseguição e a incerteza, devemos lembrar, por exemplo, o caso de Thérèse Desqueiroux, em que François Mauriac também afronta a humanidade pelo lado da presença constante de um confronto de resultado incerto entre o bem e o mal. A Graça e a liberdade encontram-se e não se anulam. Como disse Paul Henri Simon: «Mauriac engendra um outro trágico, mais complexo e mais moderno, do homem que age e que luta, suspenso entre duas eternidades, do nada e da salvação, entre o infinito deserto e a plenitude infinita do amor, sem que saibamos por que lado se deixará levar…».
Greene sentiu a atração emocional pelo catolicismo no México, perante uma Igreja proscrita com os seus crentes perseguidos. “Vi os índios descerem das montanhas e entrarem nas igrejas, onde tentavam recordar os velhos ritos”. Além do culto do paradoxo, é a recusa do tédio que o levou a escrever, do mesmo modo que as injustiças lhe trouxeram os temas. “As injustiças de que me apercebo não me encolerizam (repetia tantas vezes); antes melhoram os meus poderes de observação. A distância é um dos requisitos da boa literatura”. E é a melhor literatura que encontramos neste romance muito intenso e duro, imortalizado por Henry Fonda em “The Fugitive”, de John Ford (1947), que transpôs para a tela o extraordinário romance de Graham Greene. Se nos lembrarmos de novo de Steinbeck e de As Vinhas da Ira, é um outro lado da paixão bíblica que encontramos…

Agostinho de Morais
Raíz e Utopia, Centro Nacional de Cultura, 27 de agosto de 2019



📹 Veja extratos da adaptação do romance ao cinema, por John Ford:


Tributo a John Ford, o protagonista de O Fugitivo (1947).
A música/hino é do CD de Gordon Berry, "The Potters House - Broken Pieces".




Please draw me, oh Lamb
(Frail as I am)
Lead me to Calvary

You laid down your life,
In all of your strife
Your love revealed at Calvary

Please draw me, oh Lamb
(Frail as I am)
Lead me to Calvary

On the cross, broken breath
Shimmering cup, filled with dread
Your communion at Calvary

Please draw me, oh Lamb
(Frail as I am)
Lead me to Calvary

Take His body, eat the bread
Drink the wine that He's bled
He lives now in you and me

Redeemed by the Lamb
Precious Saviour, great I am
I am the child of the lion and the lamb

I come, precious Lamb
(Frail as I am)
Transform me at Calvary

I come, precious Lamb
(Frail as I am)
Transform me at Calvary

Please draw me, oh Lamb
(Frail as I am)
Lead me to Calvary

I come, precious Lamb
(Frail as I am)
Transform me at Calvary


Acabou. O plástico já cobre o polo norte



Luís Pedro Nunes
Há homem | E-Revista Expresso




FOTO GETTY IMAGES




Dê um sorvo na palhinha e estique-se na espreguiçadeira que vai demorar 500 anos a decompor-se. Tenho novidades
O
quarto de hotel, espaçoso, já tinha aquela onda de plastic free, que agora os mais carotes querem dar-se ares. Não há cá garrafas de água de plástico, e as de vidro têm o timbre da unidade hoteleira, para dar mais sainete. Em cima da cama, uma tartaruga de pano e uma nota escrita a tentar sacar-me mais dois dólares de diária para um fundo ecológico. Ao lavar os dentes, percebi que me esquecera da minha escova no outro hotel e lá saquei do pacote (em papel) em que disponibilizam uma com um minidentífrico. O cabo era de plástico. Tive um pequeno momento de “apanhei-vos!”. À noite percebi que tinham vindo abrir a cama e — olha... — deram uma arrumadela na casa de banho. Quando fui lavar a dentuça, não encontrei a escova nem o tubinho de pasta. Procurei e nada. Abri a gavetinha e lá estava outra à espera de ser encetada. Estranho. No dia seguinte tive o cuidado de colocar a escova e a minipasta dentro do copo. Quando regressei, ao fim do dia, os meus pertences estavam imaculadamente organizados — perfume, desodorizante, hidratante em parada militar —, mas o copo estava vazio. Tinham atirado para o lixo — deduzo — a escova de dentes e a pasta “que lhes pertenciam”. Lá estava uma nova à minha espera. E na cama um novo penduricalho a pedir à minha moral ambientalista dois dólares para salvar as tartarugas. Não tive tempo nem pachorra para criar um caso, pois ia-me embora nesse dia. Mas juro por tudo o que me é sagrado que me lembrei do momento em que li a descrição da ilha deserta do Pacífico que tinha inspirado Darwin e que nunca tinha sido habitada que foi “encontrada” submersa em plástico. Ao decidirem limpá-la, contabilizaram 373 mil escovas de dentes e 975 mil chinelos. As duas escovas que me “desapareceram” terão ido dar à costa a um desses lugares.


O meu instinto de sobrevivência como cronista diz-me que em agosto devia manter os temas levinhos e sillys. Ninguém quer angústias em férias, pá. Tentei ignorar Trump, o perigo nuclear da contenda indopaquistanesa em Caxemira e até os desmandos do capitão motosserra na Amazónia. Mas cometi o erro de ligar a BBC World numa tarde de chuva tropical onde a água do mar está sempre a 29 graus e as praias ainda não foram atacadas pela epidemia do sargaço, que está a matar o turismo nas Caraíbas. Vi um jornalista prostrado nas neves “eternas” do Ártico canadiano a contar-me uma história que também não me apetecia ter visto: há plástico, em abundância, em colunas de gelo de dois metros, arrancadas do coração mais puro do nosso planeta. Foi um murro no estômago. O local da Terra que temos por imaculado... Há plástico nas tempestades de areia do Sara, nos cumes dos Alpes e nas profundezas inexploradas dos oceanos. Não há como não o respirar. Vamos sufocar tudo antes de morrermos envenenados na nossa arrogância.
Algo se passou. Parece que a situação se agudizou de forma exponencial em pouco tempo. Para início de conversa, há dois anos, a China deixou de receber plástico de países industrializados. Não é que não deitasse parte para o oceano. E o Ocidente, em vez de aproveitar a oportunidade para alterar comportamentos e refazer políticas de reciclagem, basicamente começou a atirar o seu plástico para o mar. Os EUA usavam a China como seu caixote do lixo. Portugal também exportava plástico para lá. Curioso: desde que os chineses decidiram banir as importações de lixo, as notícias sobre plástico inundaram os feeds.
Estou para aqui a falar e sei que só cortei nos sacos das compras e que por vezes me servem a bebida com uma palhinha de papel. Se optar por um qualquer mecanismo de desculpabilização, sinto que “estou a fazer a minha parte”. Que treta. Nos últimos meses, a quantidade de plástico multiplicou-se à minha volta. Basta um fim de semana de Uber Eats fechado em casa. Olhe-se para as prateleiras dos hipermercados. É fruta e mais fruta descascada e cortada em caixas de plástico — a decompor-se rapidamente —, porque chegámos a um ponto civilizacional em que já não queremos separar bagos de uvas e morangos e cortar melão e achamos que o plástico é uma proteção e um transporte muito melhor do que aquilo que a natureza lhes deu. Sim, uma casca de melancia vs.uma caixa de plástico... como não optar por esta última?
Estamos a perder a sensibilidade para estes temas. A neve do Ártico está coberta de plástico? Que chatice... e passa à frente. Li esta semana um texto muito triste. Um habitante da Islândia a despedir-se de um glaciar dado oficialmente como morto (derreteu): “Como se faz a elegia de um glaciar? Pensem nisso. Cresci com os glaciares como sendo um símbolo da eternidade. Como se diz adeus a algo que era suposto estar aqui para sempre?” Fotos de satélite mostram que a mancha branca de 1986 foi substituída por terra árida em 2019. A Gronelândia também está a ficar sem glaciares. Há quem diga que imensas riquezas minerais estão agora por explorar. O Presidente Trump mandou inquirir se os EUA podem comprar a Gronelândia. Estava a falar a sério. É uma boa oportunidade de negócio, acredita. E nada disto já nos revolta durante muitos minutos, pois não? A capacidade de nos indignar está plastificada, como aqueles sofás, para não se estragarem. É que é tanto o uso que não queremos carcomer e ruçar o nosso tecido emocional.

Expresso, 24 de agosto de 2019



Conversem uns com os outros



José Tolentino Mendonça
Que cousa são as nuvens | E-Revista Expresso 





É EVIDENTE QUE HOJE CONTINUAMOS A CONVERSAR, MAS PARECE QUE CONTAMOS MENOS COM O QUE DAÍ PODE PROVIR
V
i uma vez, à entrada de um café, este aviso gentil impresso em tamanho garrafal, impossível de passar despercebido: “Não temos Wi-Fi. Conversem uns com os outros”. E, como tudo na vida, há quem o lesse e entrasse no estabelecimento a sorrir e há quem, com visível desconforto, procurasse outro poiso. Conversar com os outros — ainda o saberemos fazer? Penso em algumas pinturas que representam a história humana como uma conversa. No célebre fresco de Rafael, intitulado “Escola de Atenas”, onde a emergência do pensamento filosófico é contada como uma sucessão interminável de conversas: a de Platão e Aristóteles no centro, mas também a de Sócrates, Epicuro, Heraclito, Euclides, Pitágoras ou a da única mulher ali citada, Hipácia, uma importante matemática e astrónoma de Alexandria. Mas penso também nas conversas dos ceifeiros de Bruegel, onde se vê, sob a tortura da fadiga imposta, como a palavra partilhada é um reduto e um alimento. Ou nesse autorretrato de Matisse, conversando com a mulher, ele de pijama azul às riscas, ela de robe verde, a mesma cor da janela aberta sobre uma manhã despreocupada de verão, há mais de cem anos atrás. Não seríamos o que somos sem a conversa.

É evidente que hoje continuamos a conversar (e a cavaquear, a confabular, a conferenciar, a grulhar, a parlamentar, a prosear, etc.), mas parece que contamos menos com o que daí pode provir. Mesmo se não o reconhecemos, à custa de recorrermos a um conhecimento prefabricado que nos é servido num ecrã, tornámo-nos menos curiosos pelo mundo do outro que temos diante de nós. Neste afã por conectar com o distante, empobrecemos a relação com o que está próximo. O nosso discurso povoa-se de intermitências. Estamos e não estamos. A concentração dura o instante de um relâmpago. O tempo real de escuta cai. O baraço que permitimos ao desenvolvimento da palavra é sempre mais curto, porque nesta nossa época o que não for imediato não existe.

Neste afã por conectar com o distante, empobrecemos a relação com o que está próximo. O nosso discurso povoa-se de intermitências. Estamos e não estamos.

As conversas, porém, precisam de tempo. São as deambulações, as digressões e as derivas que nos conduzem à ciência do encontro, que nos desarmam enquanto falamos ou escutamos, que nos sobressaltam ou comovem, que nos deslocam interiormente, que nos interligam. Montaigne definiu a conversa como “um falar franco que abre caminho a um outro falar”. É um belo modo de descrever aquilo que numa conversa verdadeira acontece, quando a confiança oferecida pela palavra e sustentada pela escuta autorizam a expressão desse “outro falar” que está submerso em nós, que espera uma oportunidade de ser dito, e já não se manifesta apenas em palavras, mas numa experiência plena do tempo. Frequentar os outros capacita-nos para o encontro connosco mesmos e o conhecimento próprio dá-nos chaves para viver a aventura da alteridade. A conversa serve-nos de caminho para essas grandes viagens. Ela ensina-nos aquilo que Montaigne observava: que “a palavra pertence em parte àquele que fala e em parte àquele que escuta”. A vida é, de facto, essa circularidade, essa procura do quinhão que nos falta, essa entrega ao outro da metade que nos coube trazer até aqui, e que ele poderá continuar de uma forma imprevista, talvez ainda mais límpida do que aquela de que fomos capazes. Por isso, persiste sempre uma tensão na experiência da conversa. O autor dos “Essais” compara-a ao que acontece numa partida de ténis. Os interlocutores não estão estáticos. Mesmo parados movem-se, segundo a geometria da bola que voa de campo a campo. E o importante, por fim, não é fazer vencer as minhas ideias, nem se adequar às do outro, mas reagir em sintonia, compassar, cadenciar, aprender a alegria da troca.
Expresso, 24 de agosto de 2019

Há festa na aldeia!




Músicos em dia de festa, de José Malhoa (1855-1933)






Guarda-Chuvas






"The Colors,” por Zarni Myo Win, Myanmar. Sony World Photography Awards




"Três trabalhadoras a pintar guarda-chuvas tradicionais de Mianmar. Esta imagem foi tirada para criar as cores vermelho, verde, azul e amarelo. Montei esta fotografia com essas cores deliberadamente. Os guarda-chuvas são tradicionais em Mianmar e as trabalhadoras pintam-nos diariamente. Quando vi esses lindos guarda-chuvas, fui inspirado pelas cores e padrões. Filmei essa cena quatro vezes e levou quatro meses. Inclui um guarda-chuva colorido especial que é diferente dos guarda-chuvas normais, sem linhas pretas. Acabei montando todas as coisas - os guarda-chuvas, as mulheres trabalhadoras usando cores primárias e incluindo os belos padrões."


Dinnertime




“Dinnertime”, por Zhiyuan Shen, China. Menção honrosa. Categoria Documentary & Street.



Coleção de fotografias a preto e branco que captam a magia da infância em todo o mundo. A competição internacional de fotografia B&W Child Photo Competition de 2019 escolheu as imagens vencedoras em quatro categorias: Portrait, Lifestyle, Fine Art e Documentary & Street.


📷Pode ver AQUI mais fotos premiadas na 2019 B&W Child Photo Competition.


Os ossos do arroz









Os ossos do arroz.
O Grande Perónio.
Ou por exemplo os Músculos do arroz.
O externocleidomastoideu alojado no arroz, no centro do arroz.
Questão:
o arroz, assim, no geral,
a areia, por exemplo,
terão estes elementos, que são exércitos, um centro?
Os soldados têm centro?
Não pode ser o general porque o general não é soldado;
o centro dos soldados tem de ser um deles: soldado, mas se for escolhido, de entre eles, um centro, então esse deixa de ser soldado, porque este por definição é igual aos outros, e assim não, passa a ser centro.
Portanto: os soldados não têm centro, tal como o arroz.
A não ser que o centro seja algo que não é MATÉRIA, mas espaço--entre, no meio.
Deus, por exemplo, seria um bom centro para o arroz e para os soldados.
Principalmente para o arroz.
Deus como Centro Exacto dos Iguais.
Se o arroz tem centro, este é o Pão Grande, isto é: Deus.


Gonçalo M. Tavares, Investigações. Novalis, Difel, Algés, 2002.



Trinta Clássicos das Letras|26. A Invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares




Jorge Luís Borges e Adolfo Bioy Casares






A Invenção de Morel (1940) é uma obra que ombreia com os grandes clássicos que temos vindo a analisar, com uma característica muito singular, a de ligar dois geniais autores. Tendo sido escrita por Adolfo Bioy Casares (1914-1999), um dos grandes nomes da literatura argentina, associa outro nome fundamental, que é Jorge Luís Borges (1899-1986), companheiro fraterno de Casares, a quem não podemos deixar de associar as duas irmãs Ocampo, Victória (1890-1979) e Silvina (1903-1993), ligadas a ambos (Silvina era mulher de Bioy) e grandes animadoras da revista Sur. Borges tantas vezes lembrou a simbiose entre dois grandes autores britânicos, Chesterton e Belloc, e podemos dizer que há uma semelhante relação entre Casares e Borges e até inventaram um pseudónimo comum: Bustos Domecq.
Para eles, o romance tinha tudo de prazer, de jogo, de enigma, de labirinto e de caleidoscópio. Leia-se Aleph (1949) de J. L. Borges, compreenda-se o diálogo dos teólogos com Deus ou o significado do labirinto do deserto, para o qual nenhum Teseu poderia encontrar um fio de Ariadne… Eis por que associamos os dois – explicando o sentido destas trinta obras-primas das letras, que, todas elas, faziam parte da Biblioteca de Buenos Aires, de que Borges era guardião, e que Umberto Eco retratou em O Nome da Rosa, que poderia ter sido integrada nesta biblioteca mágica. E também explicamos que os textos que apresentamos não constituem resumos, contra os quais vimos combatendo com denodo. Há apenas pistas, pontos em branco, para que o leitor se possa aventurar, como Borges e Casares sempre desejaram.
O que é a Biblioteca senão a representação do mundo? Que é um livro senão um caminho que tem de ser trilhado. Oiçamos Borges sobre o livro de Casares: "Discuti com o autor os pormenores do enredo, reli-o; não me pareceu uma imprecisão ou uma hipérbole classificá-lo de perfeito (…). Casares desdobra uma odisseia de prodígio, que não parece admitir outra chave senão a alucinação ou o símbolo, e acaba por os decifrar completamente por meio de um único postulado, fantástico mas não sobrenatural". E Bioy Casares disse: "Sempre tentei fugir do fantástico, mas ele agarrava-me de imediato". Mais do que a literatura mágica, o que encontramos aqui é paradoxo e ironia, dando à literatura a força de se tornar mais real que a própria vida.
É uma história de amor destituída de personagens. É uma história de amor numa ilha supostamente deserta, que corresponde à construção alucinada de uma figura feminina, mitificada num jogo de espelhos, uma paixão inatingível e ao mesmo tempo uma história de aventuras que se situa na fronteira da realidade. O fantástico corresponde à definição da própria vida e do concreto que nos cerca. Vem à lembrança Chesterton, a dizer-nos que os fantasmas dos castelos da Escócia desapareceram quando morreram as pessoas que com eles conviviam.
Um fugitivo condenado na Venezuela chega a uma ilha aparentemente deserta do Pacífico (porventura Tuvalu) e sente-se invisível. A ilha parece estar afetada por uma perigosa e doentia radiação. Morel é um cientista e jogador de ténis que fala com uma mulher bela, a que chama Faustine, que se parece tremendamente com Louise Brooks, heroína do cinema mudo. O fugitivo apaixona-se por essa mulher fatal que todos os dias olha o pôr-do-sol na costa oeste da ilha. Entretanto, descobre que Morel inventou uma máquina capaz de reproduzir a realidade, e aí está a explicação para o mistério com que o fugitivo se confronta. Dalmácio Ombrellieri, Alec, Dora, Irene, a Senhora Idosa, Haynes ou Stoever povoam um mundo dividido entre a ilusão e a realidade, o mundo é duplicado. E aos poucos, descobre-se a verdade sobre essas estranhas personagens que têm a ver com os náufragos do navio fantasma descoberto perto da ilha e cujos espíritos são reanimados pela máquina de Morel. Mas à imagem falta a consciência, e é essa a limitação da invenção de Morel. E ouvimos o fugitivo: «A minha alma ainda não passou para a imagem senão eu teria morrido, teria porventura deixado de ver Faustine, numa visão que ninguém recolherá». E há o apelo a quem inventar uma máquina capaz de reunir imagem e consciência: «Procure-nos, a Faustine e mim, faça-me penetrar no céu da consciência dela. Seria um ato piedoso!»…

Agostinho de Morais
Raíz e Utopia, Centro Nacional de Cultura, 26 de agosto de 2019



O Eco





Crédito: @ MAUSA Vauban / Seth







O menino pergunta ao eco
Onde é que ele se esconde.
Mas o eco só responde: Onde? Onde?

O menino também lhe pede:
Eco, vem passear comigo!

Mas não sabe se o eco é amigo
ou inimigo.

Pois só lhe ouve dizer: Migo!


Cecília Meireles





Bibliotecas | Literacia Visual : Guia prático




Quando pensamos em como situar a literacia visual no contexto da biblioteca, a palavra crítico(a) surge de imediato: pensamento crítico, visualização crítica, uso crítico, criação crítica... E a lista continua... Para entender esta abordagem, comece com a sua própria prática, adicione imagens e veja onde isso o(a)leva.



 https://drive.google.com/open?id=1z4ulVi1ekbmbx2j4vGpGNIgtJ5QstIyo
Visual Literacy for Libraries: A Practical, Standards-Based Guide by Nicole E. Brown, Kaila Bussert, Denise Hattwig, and Ann Medaille (Chicago: American Library Association, 2016). © 2016 







"A literacia visual tem uma longa história e significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Como trabalhámos com a literacia visual na última década (alguns de nós mais, outros menos), ouvimos muitas opiniões sobre diferentes. Ouvimos que é apenas para historiadores de arte ou designers gráficos e que os bibliotecários não deveriam estar envolvidos. Vimos apresentações que equiparam a literacia visual à apreciação da arte. Encontrámos bibliotecários que nos perguntam sobre o que estamos a falar . .. e porquê?"





ACRL’s Visual Literacy Standards by D. Hattwig, K. Bussert, and A. Medaille. Copyright 2013, Johns Hopkins University Press. 
Esta imagem surgiu inicialmente no portal: Libraries and the Academy, Volume 13,Issue 1, January 2013, p. 75.






📍 Esta publicação ajuda-o(a) a refletir e a encontrar algumas respostas para as seguintes questões:

Encoraja os seus alunos a pensar criticamente quando fazem trabalho de pesquisa?

Como pode alargar esta experiência às imagens?

Defende de forma entusiástica a literacia crítica da informação? 

É capaz de utilizar conteúdos visuais para enriquecer essa experiência? 

Ensina os seus alunos a avaliar criticamente as fontes?

De que modo pode alargar essa prática às imagens?





terça-feira, 27 de agosto de 2019

Ler o passado, escrever o futuro







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A presente publicação faz um balanço das iniciativas de alfabetização em todo o mundo nas últimas cinco décadas e analisa como as campanhas de alfabetização, os programas e as políticas mudaram para refletir a evolução da nossa compreensão concetual da literacia.




ODS4 | Dados para estimular a aprendizagem











A educação é um dos maiores patrimónios de um país e a base para sociedades fortes e pacíficas. No entanto, o analfabetismo e a baixa escolaridade são desafios persistentes para muitos países em desenvolvimento, para agências internacionais, programas educacionais e para a realização dos objetivos de educação do mundo. 

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODMs) adotados pelos líderes mundiais em 2000 criaram uma maior consciência do estado da educação nos países em desenvolvimento e os esforços maciços necessários para alcançar os ODMs de acesso universal ao ensino fundamental, como bem como a alfabetização global e numeracia. 

Em 2015, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definiram novas ambições para a educação, com o SDG 4 a exigir uma educação de qualidade desde a pré-primária até ao ensino secundário para todas as crianças até 2030. 

O compromisso global de melhorar a educação (ODS 4) visa abordar uma crise educacional, com mais de 617 milhões de crianças e adolescentes incapazes de ler uma frase simples ou de lidar com um cálculo matemático básico. 

Hoje, deparamo-nos com três grandes questões: há muitas crianças que ainda estão fora da escola e que têm poucas possibilidades de adquirir habilidades básicas em leitura e matemática; há crianças que estão matriculadas na escola, mas em risco de sair antes que adquirirem estas habilidades; é o problema contínuo e generalizado da educação de baixa qualidade. É por isso que o ODS 4 inclui metas para garantir melhorias na qualidade do ensino, a inclusão de competências para um ensino moderno e uma sociedade cada vez mais digital e garantir que as crianças e os jovens não estão apenas na sala de aula, mas também estão a aprender. 

Tal como a agência de custódia dos indicadores do ODS 4, o Instituto de Estatística da UNESCO (UIS) está a liderar o desenvolvimento de metodologias e padrões necessários para produzir indicadores comparáveis ​​internacionalmente. Baseado neste princípio, o UIS está a trabalhar com os institutos nacionais de estatística, ministérios setoriais e organizações internacionais em todo o mundo para rastrear o progresso global em educação e a criar  estruturas e ferramentas para a monitorização efetiva a nível nacional, regional e global.

A edição de 2018 do SDG 4 Data Digest: Data to Nurture Learning, baseia-se no relatório do ano passado, que propôs uma estrutura concetual e ferramentas para ajudar os países a melhorar a qualidade dos seus dados e a cumprir oa requisitos dos relatórios. 

Neste relatório, apresentamos a vasta gama de avaliações de aprendizagens nacionais e transnacionais em curso e a avaliação de experiências de praticantes no campo. O relatório baseia-se nessas experiências para apresentar abordagens pragmáticas que podem ajudar os países a monitorar os seus progressos e fazer o melhor uso possível dos dados obtidos para fins de formulação de políticas. 

Como este relatório mostra, não precisamos de criar mecanismos de monitorização inteiramente novos: podemos construir a partir do que já está instalado no terreno. Por exemplo, estamos a fazer grandes avanços no relato do Indicador 4.1.1. sobre a proporção de crianças e jovens em três diferentes fases de sua educação que têm um nível mínimo de proficiência em leitura e matemática, graças aos sistemas de avaliação nacionais, regionais e transnacionais. 

Através da Aliança Global para Monitorizar a Aprendizagem (GAML), estamos a trabalhar com países, agências de avaliação, doadores e grupos da sociedade civil para uma abordagem harmonizada da recolha de dados e pontos de referência e para melhorar o controle de qualidade de modo a garantir o uso eficaz dos resultados para melhorar a aprendizagem. 

Este é um processo técnico e político que precisa de tempo e dinheiro para ser aperfeiçoado. Conforme mostrado no Digest, os dados sobre resultados de aprendizagem são uma necessidade, não um luxo, necessários a todos os países. Em média, países de baixo e médio rendimento requerem cerca de 60 milhões de dólares por ano para avaliar a aprendizagem. Esses custos são realmente investimentos que trarão benefícios exponenciais para a atual geração e para a que está para vir.

Silvia Montoya, Diretora do UNESCO Institute for Statistics
(tradução da nossa responsabilidade. AJ)