sábado, 31 de julho de 2021

Novo Museu da Língua Portuguesa

 





Cerimónia de inauguração do novo Museu da Língua Portuguesa, situado em S. Paulo, Brasil.


quinta-feira, 29 de julho de 2021

Sugestão de Leitura para este Verão

 



QUIZ PARA MIÚDOS CURIOSOS
Júlio Alves
Manuscrito
2021
Nº de Páginas: 264
10 a 14 anos



Sinopse

Que osso tem o mesmo nome de um elemento químico radioativo?
Qual é o peso máximo de uma bola de futebol?
Por que alcunha ficou mais conhecida a heroína portuguesa Brites de Almeida?
Como se chama o meridiano que marca os 0 graus de longitude?
Bem-vindo ao incrível mundo do quiz!
Neste livro, encontras 30 jogos, cada um com 25 perguntas e 4 hipóteses de resposta. Vais testar os teus conhecimentos e aprender mais sobre temas tão diversos como cultura geral, História de Portugal e do mundo, geografia, corpo humano, desporto, ciência e tecnologia, jogos e passatempos, mundo animal, banda desenhada e animação, cinema e televisão, música, ambiente e ecologia.
Este passatempo nasceu nos pubs, em Inglaterra, mas rapidamente ganhou adeptos em Portugal, onde já são muitos os que aderem a esta forma divertida de testar conhecimentos. Júlio Alves, pioneiro em Portugal na organização de quizzes, traz-te agora a oportunidade de te juntares à diversão.
Reúne os teus amigos ou põe-te à prova a solo. Este desafio vai garantir-te horas de diversão!





segunda-feira, 26 de julho de 2021

Quarto com vista

 



Cartoon de GlenLeLivre




Práticas de ensino e tecnologias digitais

 




Muñoz ViñAranha, Simone Dália de Gusmão, y Fábio Marques de Souza. Práticas de ensino e tecnologias digitais. EDUEPB, 2018.




O livro Práticas de ensino e tecnologias digitais reitera o compromisso de fazer do ensino um campo de reflexão científica e de dar um novo sentido ao ensino, no ensino superior ou no ensino básico, a partir de metodologias ou propostas de ensino diferenciadas. Nesse processo, a par de experiências pedagógicas relevantes no contexto da formação de professores, é importante apontar o diferencial deste volume: a inserção das tecnologias digitais como contraponto às práticas tradicionais de ensino e formação de professores e, consequentemente, como espaço. que se destaca no desenvolvimento de competências básicas (falar, ouvir, ler e escrever, não só na língua materna mas também na língua estrangeira / complementar).

Arévalo, J. (2021). Prácticas docentes y tecnologías digitales. Retrieved 26 July 2021, from https://universoabierto.org/2021/07/21/practicas-docentes-y-tecnologias-digitales/



A Vez das Deusas. Cartazes da Índia no Museu do Oriente

 






A partir do final do século XIX, com a introdução das prensas para litografia na Índia, pela mão dos colonos britânicos, os cartazes com divindades hindus tornam-se amplamente populares. O interesse generalizado por estes cartazes fez crescer o seu mercado: às representações de divindades hindus como imagens de devoção e imagens para devoção juntam-se imagens com propósitos políticos e comerciais. 

O estudo e apresentação pública do núcleo de cartazes da Índia, presentes na Coleção Kwok On do Museu do Oriente, contribuem para o conhecimento e divulgação da história visual popular deste país. Estes cartazes ilustram práticas rituais e religiosas e dão conta de mudanças sociais e políticas, revelando parte da fascinante história da Índia, desde o final do século XIX. 

A exposição "A Vez das Deusas. Cartazes da Índia no Museu do Oriente" reflete sobre a representação do género feminino nestes objetos, procurando explorar a sua intersecção com questões sociais contemporâneas. Sob o olhar das deusas, exploramos as suas qualidades humanas e divinas, mundanas e sobrehumanas, refletindo sobre conceitos e paradoxos que falam sobre o que significa ser deusa e mulher nos nossos dias, em diferentes contextos geográficos, incluindo o nosso.

O simulador simulado

 

A ANOMALIA
Hervé Le Tellier
Editorial Presença, 2021
276 págs




T

alvez a vida comece quando sabemos que não a temos.” A afirmação pertence a uma das personagens do livro “A Anomalia” e, se tal fosse necessário, poderia resumi-lo: o que acontece à vida perante a possibilidade da sua negação? Como seria viver suspeitando que a vida não passa de uma simulação virtual e que cada um de nós é apenas um programa que “deseja, ama e sofre”, idealizado por “outros seres igualmente simulados numa simulação ainda maior, em que todos os universos simulados se encaixam uns nos outros, como mesas de empilhar”?

O romance, que há um ano venceu o Prémio Goncourt e vendeu um milhão de exemplares em França — por cá vai na quarta edição em pouco mais de um mês —, é feito de perguntas destas. Feito de personagens que formulam perguntas destas. Feito da ausência de respostas a que este tipo de perguntas conduz. E feito da mestria de um escritor, Hervé Le Tellier, que, do início ao fim das escassas 276 páginas, coloca sobre a mesa a mais alta, última e primeira, questão filosófica, sociológica, técnica, matemática, lógica, antropológica, psicológica e física, a única questão que nos ocupa desde os tempos mais antigos e aquela cuja abordagem deu origem a milhares de páginas e de teorias: a questão sobre o que somos.

Dividido em três partes, cada uma delas contém os capítulos que, a pouco e pouco, nos fazem penetrar na história. E esta é aparentemente simples: um avião aterra com duas centenas de pessoas a bordo e, descobre-se, é a duplicação exata de um outro voo que fizera a mesma travessia 106 dias antes. A complexidade da trama deriva da identificação das personagens e do que cada uma faz com a circunstância de se ver confrontada com o seu duplo. Os sentimentos variam, do ódio profundo ao ciúme, do assassínio à solidariedade e ao sacrifício. Há um homem velho que tentará ajudar o seu segundo ‘eu’ a não cometer os mesmos erros na relação com uma mulher. Um assassino profissional que vê no seu duplo a pior das ameaças. A mãe que se recusa a partilhar tal estatuto perante o filho. A mulher que prefere “desaparecer” a destruir um casal. O homem que morre de cancro e tem uma segunda chance. O cantor que sente o duplo como um irmão. O escritor que não chega a conhecer o seu duplo porque este se suicida depois de ter escrito um livro intitulado “A Anomalia”.

Além de escritor e jornalista, Hervé Le Tellier tem formação em matemática e em linguística. Isso permite-lhe estruturar o romance de modo a que não resvale para o terreno da distopia: não há, aqui, um futuro a ser retratado, mas um presente a decorrer hoje, em pleno 2021. O autor recorre a diversas hipóteses científicas para justificar a ideia da duplicação e acaba por escolher a teoria da simulação de Nick Bostrom, que serve de alicerce ao livro. Resolvido o assunto da verosimilhança (o ser humano acede à verdade sobre a sua situação graças a uma ‘anomalia’, isto é, a duplicação dos aviões), Le Tellier parte para uma digressão sobre o que aconteceria se, de repente, descobríssemos que tudo aquilo em que acreditamos e no qual a nossa vida assenta é virtual, sendo o real por nós desconhecido ou irreconhecível. “De que serve saber?”, pergunta alguém a dada altura, condensando a mensagem do romance: se não fôssemos o que somos, se o mundo fosse o interior penumbroso da Caverna de Platão, isso faria alguma diferença?

E, se resulta impossível não pensar no “sonhador sonhado” de um dos mais célebres contos de Jorge Luis Borges, ou no Calvino de “Se numa Noite de Inverno um Viajante”, Le Tellier vai revelando as suas referências — Tolstoi, Coetzee, Adam C. Clarke, Gary, Perec, Carroll, Shakespeare, Nietzsche —, que farão sorrir alguns, embora isso seja o menos importante.

Luciana Leiderfarb. E - Revista Expresso, Semanário#2543, 23 de julho de 2021 



A arte de não compreender

 






1.

“Pela primeira vez, um implante cerebral transformou pensamentos em discurso”, diz a notícia.

Uma máquina que é uma tradutora entre duas línguas: a língua do pensamento e a língua do discurso.

Mas, de imediato, pensar no bom e no mau tradutor e ainda no tradutor que intencionalmente deturpa a mensagem. Escolhe bem o tradutor, escolhe bem a máquina — eis um conselho.

2.

No limite, podemos pensar numa nova espécie humana que dispensasse o discurso oral e comunicasse por pensamentos.

Desta experiência em particular, diz-se: o indivíduo pensava em verbalizar cerca de 50 palavras e o computador transformava-as em som.

“Ensaios clínicos com um voluntário paralisado há 15 anos, na sequência de um acidente vascular cerebral, são promissores, defendem os cientistas, que apontam inúmeros caminhos possíveis para melhorias no dispositivo — possíveis através do treino do computador e da antecipação do discurso da pessoa.”

Com treino da máquina essas 50 palavras passarão para 500 e depois para 5000.

3.

É necessário colocar um microfone junto ao cérebro, e as simples cordas vocais são isso — e muito mais, claro.

Alguém que pensa, mas não tem cordas vocais nem outros meios de expressão — por exemplo, não consegue escrever, etc. —, eis a mais extrema definição de prisão. O pensamento preso na caixa craniana — está ali, e está vivo, mexe-se, relaciona e inventa, mas não consegue sair para o exterior. Está mudo o pensamento, mas não quieto. Uma prisão inventada pelo pior dos diabos.

4.

Imaginar prisões cerebrais em vez de concretos isolamentos do corpo em celas feitas de cimento e distância.

Imagino a pena de um Estado totalitário e perverso: desligar, no acusado, o pensamento da fala e da escrita.

O pensamento estará durante anos apenas na tua cabeça. E não conseguirás tirá-lo cá para fora.

Nem escrita, nem desenho, nem fala; cá fora nada.


5.

Sobre os animais.

O que os estudiosos dizem sobre o chimpanzé: pensa, mas as cordas vocais humanas e o sistema da fala estão ausentes.

Percebemos que pensa pelo que faz com as mãos.

Quem faz muito com as mãos pensa muito com a cabeça.

6.

Há um dito popular, absurdo e divertido, mas talvez bem mais sensato do que parece:

Macaco só não fala porque tem preguiça de remar.

7.

Não entender a linguagem traz também isto: ser incapaz de obedecer. Se o macaco percebesse claramente a fala humana, há muito tinha sido adestrado para remar e para outros trabalhos pesados.

A esperteza do macaco é esta.

Macaco só não fala porque tem preguiça de remar.

8.

— Não percebo.A frase “Sim, compreendo o que dizes” é uma frase usada desde os inícios da história humana, pelo poder violento, como a frase que inaugura os trabalhos forçados.

Os loucos há muito perceberam instintivamente essa relação directa entre não compreender e liberdade.

Um dos caminhos da liberdade é este: não percebo nada do que dizes.

— Faz isto.

— Vou espancar-te.

— Não percebo.

— Estou a espancar-te.

— Não percebo.

No limite, eis a grande defesa: imaginar um corpo que não compreende a própria dor, não a sente e não a decifra.

9.

O que tens para te defenderes do mundo violento? Tenho a minha falta de compreensão, a minha estupefacção.

Uma ordem verbal inútil é, em termos de linguagem, uma frase extraterrestre.

Diante de uma ordem rude fico estupefacto como diante de uma aparição ovni.

10.

Eis o louco que sai para o mundo hostil equipadíssimo com uma única frase:

peço desculpa, mas não percebo.

O louco só não entende porque tem preguiça de remar.


Gonçalo M. Tavares. Revista E, Semanário Expresso #2543, de 23 de julho de 2021

Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia


segunda-feira, 19 de julho de 2021

Afonso Reis Cabral: Pão de Açúcar

 






Este é o podcast do Encontro de Leituras, o clube conjunto do PÚBLICO e do jornal brasileiro Folha de S. Paulo, que junta online leitores de língua portuguesa todas as segundas terças-feiras de cada mês.

O convidado do sétimo Encontro do Leituras, a 8 de junho, foi o escritor português Afonso Reis Cabral, para falar sobre o seu segundo romance Pão de Açúcar, editado em Portugal pela D. Quixote e no Brasil pela HarperCollins.

O Encontro de Leituras é moderado pelas jornalistas Isabel Coutinho, responsável pelo site do PÚBLICO dedicado aos livros, o Leituras, e por Úrsula Passos, editora-assistente de Cultura do jornal paulista.

Pão de Açúcar, de Afonso Reis Cabral, está disponível na Biblioteca.


domingo, 18 de julho de 2021

Arte, a quietude entre o caos

 

“Só a arte penetra… as aparentes realidades deste mundo. Existe outra realidade, a genuína, que perdemos de vista. Essa outra realidade está sempre a enviar-nos pistas, que sem arte não podemos receber. ” - Saul Bellow


 

Juan Miró, Cavalo, cachimbo e flor vermelha (1920)


“A arte tem algo a ver com a obtenção da quietude no meio ao caos”, Saul Bellow disse a um entrevistador em 1966, “uma quietude que caracteriza a oração”. Poucos artistas captaram essa imobilidade de maneira mais comovente do que o pintor e escultor espanhol Joan Miró (20 de abril de 1893 a 25 de dezembro de 1983), cujas obras-primas revolucionaram as convenções da arte visual ao dar vida a uma nova estética de imobilidade vibrante.

Popova, M. (2015). I Work Like a Gardener: Joan Miró on Art, Motionless Movement, and the Proper Pace of Creative Labor. Retrieved 18 July 2021, from https://www.brainpickings.org/2015/09/17/i-work-like-a-gardener-joan-miro/



quinta-feira, 15 de julho de 2021

Edgar Morin, um pensador da contemporaneidade

 


A DIVERSIDADE HUMANA É UM PRECIOSO PATRIMÓNIO DA SUA UNIDADE E A UNIDADE HUMANA É UM BEM INALIENÁVEL DA DIVERSIDADE QUE NOS CARACTERIZA

P

or estes dias fará cem anos Edgar Morin. É curioso que um dos pensadores decisivos da contemporaneidade se tenha, desde sempre, considerado um “autodidata”. Os seus pais desembarcaram como emigrantes em França, provenientes de uma cidade do império otomano. Eram judeus, de tradição sefardita, mas sem prática religiosa, que se exprimiam num espanhol antigo e em francês, sem nunca haver recebido a cidadania turca. Refletindo sobre as suas origens, Morin individua uma multiplicidade de raízes mediterrâneas, mas não propriamente um país, uma particular herança cultural ou uma tradição. Este facto, tornou-o disponível, até do ponto de vista biográfico, para procurar a verdade nas fontes mais diversas, sem nenhum tipo de reserva. Como ele conta, nunca sentiu operativo dentro de si um sistema imunitário de defesa. 

Ao dez anos de idade, a morte da mãe fá-lo mergulhar numa experiência de luto, que de certa maneira moldará o que se torna um posicionamento mental, oscilante entre uma inquietação sem fim e uma esperança irreprimível. Ele viverá toda a vida tentando transformar esse contraditório balanço num movimento complementar, convicto de que cada polaridade transporta afinal consigo uma verdade: de um lado a dúvida sistemática e do outro a busca incessante de uma fé; de uma parte, o exercício metódico da racionalidade e, doutra, por exemplo, a abertura ao indizível entrevisto pela mística. Edgar Morin resume assim o seu itinerário: “Senti-me sempre chamado a construir um pensamento que me permitisse reconhecer e acolher as contradições, lá onde o pensamento dito normal não vê senão alternativas, e a descobrir as minhas verdades em pensadores que se nutrem de contradições.” Efetivamente, a sua ampla cartografia intelectual é marcada por uma heterogeneidade de referências que vão da literatura (Dostoievski, Tolstoi, Tchekhov, Proust...) à ciência (Heinz von Foerster, Niels Bohr...), da espiritualidade (Jesus, Lao Tsé ou Buda) à filosofia (Heráclito, Pascal, Hegel, Marx ou Kierkegaard), do estrito campo científico à poesia (foi muito importante para Morin a convivência com alguns expoentes do movimento surrealista). Esta sua “fome omnívora de pensamento” forjou nele uma invulgar competência transdisciplinar que o conduziu àquele que constitui certamente um dos seus contributos centrais para o debate contemporâneo: a noção de complexidade.


Edgar Morin. Fonte da imagem.


E a complexidade é não só aquela verdade que nos forma, mas também aquela de que mais precisamos ganhar consciência. Por isso, segundo ele, o futuro obriga-nos a aprender a pensar dialogicamente, pois o que parece separado reenvia-nos, no fundo, à experiência da inseparabilidade. O mistério do humano constitui uma espécie de anel ininterrupto em que cada elemento reclama o outro: “O humano faz parte da vida e a vida faz parte do humano; o humano integra o mundo físico e este, por sua vez, o integra; o humano é indissociável da história do cosmos e esta não se conta sem o humano.” Do mesmo modo, cada um de nós é uma individualidade concreta, mas transporta em si a forma da inteira condição humana. Somos um só e somos todos. Porém, devemos saber, que esta compreensão da complexidade não é um automatismo, mas uma escolha ética. O planeta mundializado pelo atual regime da globalização, por si só, não nos torna mais unidos, solidários e fraternos. Temos de ser nós a fazer valer eticamente as implicações da diversidade e da unidade, reconhecendo, como sugere Morin, que a diversidade humana é um precioso património da sua unidade e a unidade humana é um bem inalienável da diversidade que nos caracteriza. O humanismo que Edgar Morin propõe é, assim, uma lição de inclusão e de esperança.

José Tolentino Mendonça. Que coisa são as nuvens - Edgar Morin, in Revista Expresso, Semanário # 2540, de 2 de julho de 2021


Bullying nas redes sociais

 



Cartoon de Fahd (Alemanha)



O país e o tempo

 


E

duardo Lourenço, que morreu em 2020 aos 97 anos, foi o maior ensaísta português do seu tempo. A quantidade de honras oficiais que recebeu nas últimas décadas arrisca-se a criar em quem não o conhece a impressão de uma figura institucional e entediante. O presente volume desmente isso além de qualquer dúvida. Lourenço não só pensava como escrevia muito bem, com uma cultura verdadeiramente superior e uma lucidez tranquila. A generalidade das suas ideias são hoje tão relevantes como quando as formulou. Organizada por Guilherme d’Oliveira Martins (com prefácio de José Tolentino Mendonça), esta antologia reúne textos publicados a partir de 1949 — embora apenas sejam referidas as datas de edição na Gradiva, com frequência posterior à original em décadas, o que pode gerar confusões.




Ver e ser visto
Eduardo Lourenço
Gradiva, 2021, 284 págs




O espírito de heterodoxia (pelo qual houve quem se irritasse com o autor) e a relação com a Europa (que levaria décadas a assumir expressão visível, quando Portugal teve de se virar para ela após perder as suas colónias) são temas seus desde o início. “Todos os povos vivem 
mais ou menos confinados no amor de si próprios. Mas a maneira como os Portugueses se comprazem nessa adoração é verdadeiramente singular”, escreve Lourenço. As complexidades da nossa própria relação com o país, que têm muito menos a ver com identidade do que com imagem, seriam exploradas ao longo da sua escrita, muitas vezes através da obra de escritores como Camões, Antero de Quental e, sobretudo, Fernando Pessoa. Que há aspetos fortemente contraditórios no assunto vê-se em passagens como esta, no prólogo a “Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista”: “Não conhecemos Cultura nenhuma em que o descaso pelas ‘nossas coisas’, tão bem nomeadas por José Régio, seja mais visceral do que na cultura portuguesa (...). Essa eterna revelação que messianicamente não desistimos de esperar, com facilidade a admitimos na mais insípida banalidade estrangeira e com fervor a achamos nas grandes obras dos outros.” Em “Ver É Ser Visto” só faltam textos ligados ao presente em sentido estrito, como alguns escritos a seguir ao 25 de Abril e anos subsequentes. Mas talvez esses não sejam verdadeiramente ‘essenciais’. Lourenço é um autor de temas grandes, e falar sobre política corrente, sendo às vezes um imperativo moral, é a forma mais segura de alguém se condenar ao erro, ou à derrota, com que nessa área ele tende a confundir-se. 

Luís M. Faria. Culturas. O país e o tempo in Revista Expresso, Semanário#2540, de 2 de julho de 2021

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Velhos em prédios de quatro andares sem elevador

 




1.

Escadas como prisão.
Sem elevador, a altitude — mesmo que na cidade — é feita de betão e distância; exige atletas, não senhoritas e senhoritos de bengala de locomoção lentíssima.
Os velhos; colocados lá em cima, nos andares mais baratos. Anos antes, a falta de elevador era uma proposta para as pernas, difícil e incómoda, mas aceitável. No entanto, a idade faz isto, e há muito: enfraquece músculos, cansa os que antes não se cansavam.
Agora, tens 80 anos e estás preso sem crime nem culpa alguma, sem participação da lei ou da polícia. Ou seja: tens muitas escadas para descer e, no regresso, cinco vezes mais escadas para subir — que a subida, já se sabe, multiplica por cinco a distância — uma multiplicação de esforço cardíaco e mental;
(é evidente que devíamos ter pelo menos duas réguas, a que mede as subidas e a que mede as descidas; ter apenas uma e usar os mesmos critérios para falar de distâncias não apenas diferentes, mas inimigas, é pura falcatrua; descer e subir são verbos adversários.)
Faltam, pois, instrumentos para a ciência (duas réguas diferentes, pelo menos) e ainda elevador para os velhos das cidades europeias que vivem em edifícios de quatro andares sem elevador nenhum.

2.

Imagino uma cidade onde todos os velhos vivem em prédios de quatro andares sem elevador. Velhos que não cometeram crimes estão presos nos pisos altos, quase ao nível das nuvens. Sem elevador, não conseguem descer. As escadas tornaram-se uma pena de prisão em forma de degrau. A pena é tanto mais alta quanto mais numerosos são os degraus. O segundo andar sem elevador remete para um castigo ligeiramente menor, e assim sucessivamente.
Mas o Estado não quer que os velhos morram porque muitos deles são avós e ser avô é colocar um excessivo peso afectivo no coração dos outros. Recebem, por isso, na minha imaginação, comida por cestos e sistemas de cordas que levam até lá acima o essencial para o organismo sobreviver. E de lá de cima trazem o lixo — aquilo que, se ficar em casa, sufoca os vivos aos poucos, maltrata narinas e respiração e, por fim, contamina e mata. Comida em direcção ao céu, lixo em direcção à terra. As nuvens não comem, os mais velhos sim.

3.

Uma casa é muitas coisas — sono, afectividade e por vezes desespero — mas na sua base está um simples sistema de troca: entra comida, sai porcaria.

4.

Ou em vez de sistemas de roldanas e cestos em dois sentidos — o que cheira bem sobe e é comestível; o que sobrou do dia e fede, desce — em vez de sistemas manuais e antigos, imaginar, então, a partir da realidade, mas no mundo da ficção, helicópteros que vão aos quartos andares sem elevador, das cidades, levar comida aos bem velhos que mal podem andar.
Helicópteros que salvam, mas todos os dias e no mesmo sítio à mesma hora. Helicópteros que salvam como quem cumpre um horário, salvam ao fim da tarde, pelas 18 horas, trazendo comida e medicamentos e tudo o que um corpo exige para continuar orgânico e humano. Funcionários públicos da salvação diária em helicópteros como se em dia de tragédia, de terramoto ou calamidade súbita, mas afinal não: amanhã e depois, e depois ainda, voltam porque a calamidade e o tremor da terra são diários e não se vêem ou sentem no solo da cidade, mas sim lá em cima, estranhamente. Os velhos estão no quarto andar sem elevador e de lá, das janelas, abanam a mão e diariamente pedem ajuda — como um náufrago diário em vias de afogamento.
Quem, de entre eles, não tiver família — ou empatia em volta — morrerá a meio das escadas. A subir ou a descer, pouco importa, quando se morre a fita métrica é só uma.

Gonçalo M. Tavares. Os cadernos e os dias - História fragmentada do mundo in Revista Expresso Semanário #2540, de 2 de julho de 2021

Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia


Os novos parolos digitais

 





Ironicamente, nada mais somos que um hamster preso numa roda, um rato que percorre quilómetros sem sair do lugar, na ânsia de superar a imagem postada há segundos.


Uma sala de espera que se preze tem sempre meia dúzia de revistas do ano passado, uma Hola e um exemplar de capa dura das melhores paisagens do Tibete. Na parede, sobrevive uma cópia murcha do Guernica que desafia teimosamente as maleitas dos pacientes. Isto era uma sala de espera para quem realmente esperava.

Hoje, só vejo um corredor de cabeças curvadas sobre uma janela que se segura entre as mãos. Ninguém tem a ousadia de conversar, não se fazem considerações sobre o tempo nem elogios ao bebé que nos sorri da cadeira em frente, mas trocamos furiosamente trezentos caracteres com um desconhecido que está do outro lado do Atlântico. Já não damos pela demora nem pulamos da cadeira quando chamam o nosso nome. Causa-nos até um certo aborrecimento, porque têm a ousadia de interromper o momento em que estávamos a participar no mundo com gostos e bonequinhos coloridos, que expressam sentimentos e dão rosto às nossas emoções.

Somos seres digitais, modernos e tecnologicamente emancipados. Temos orgulho no feed alinhado com o melhor da nossa suposta vida, onde as escolhas são refinadas, as opiniões têm superlativo valor, onde estamos sempre mais magros e mais altos, vivemos de comida saudável e colorida, em casas imaculadas que realçam o nosso charme mesmo em pijama e cara lavada de ontem. Ironicamente, nada mais somos que um hamster preso numa roda, um rato que percorre quilómetros sem sair do lugar, na ânsia de superar a imagem postada há segundos.

Vivemos presunçosos numa linha trendy, boho-chic, onde uma lixeira pode ser sinónimo de estilo dependendo do enquadramento. Mas não passamos de uns parolos, uns pacóvios à mercê de um algoritmo, num plano desfigurado da realidade. Uma rede de contactos alimentados a toques no ecrã, que é mais vasta e mais vistosa do que os três amigos verdadeiros que nos ligam no aniversário, porque se lembraram mesmo de nós e não precisam de alertas para saberem quando estamos desamparados e sós.

Inevitavelmente estamos quase todos lá. A assumir o nosso papel num paralelo fictício, mais fácil, frenético, no qual recebemos como verdadeiro o que nos é oferecido, inevitavelmente mais propício a exageros, uma vertigem alimentada por uma paleta de filtros impossíveis de replicar. Subimos ao palco numa tela aos quadradinhos onde as personagens sabem o seu lugar: o protagonista influenciador, o interveniente por uma causa, o crítico descrente, voyeur mudo, artista despretensioso, partidário do contra… o que quisermos ser, dependendo do talento, do descaramento e da coragem de cada um.

Passamos horas no beiral desta janela portátil como vizinhas curiosas. Debruçados sobre tudo sem absorver quase nada. Atentos e cautelosos para não nos deixarmos cair. A minha avó dizia que a cabeça é mais pesada que o corpo. Concordo com ela mais do que nunca, porque se há tempo em que nos esvaziamos de matéria e nos poluímos com informação inútil, esse tempo é este

Fernandes, P. (2021). Os novos parolos digitais. Retrieved 6 June 2021, from https://observador.pt/opiniao/os-novos-parolos-digitais/



Dependência digital

 



Cartoon de Oguz Gurel (Turquia)



segunda-feira, 12 de julho de 2021

A Prática de Recuperação | «Estudo a 100%»

 



Queres aprender melhor? 
Testa-te a ti próprio! Depois de estudar tens a impressão de que sabes a matéria. Isto acontece porque a informação fica na tua memória recente. Quando revês, consegues reconhecer o que estudaste. 
Mas, atenção: reconhecer não é o mesmo que saber!


«Estudo a 100%» é uma série de vídeos curtos de animação dedicados às melhores estratégias de estudo que a psicologia tem para oferecer.




sexta-feira, 9 de julho de 2021

Audiolivro: Estes Ventos Negros, de João Narciso

 


Leitura de Ivo Canelas




Estes ventos negros, de João Narciso, é um relato ficcional da solidão, murmurado pela voz sombria dos tempos que vivemos; um relance possível daquilo que nos está a acontecer.



7 capítulos interpretados com a sensibilidade e o fôlego únicos do ator Ivo Canelas.




Recursos tecnológicos na educação: moda ou necessidade?

 




quinta-feira, 8 de julho de 2021

Ideias de escrita para o mês de julho

 





Partilha os teus textos neste padlet do PNL2027.


Ideias de leitura para o mês de julho

 





Partilha neste padlet do PNL2027 as capas dos livros que escolheste.




Plano 21|23 Escola+

 






Com vista à recuperação das aprendizagens e procurando garantir que ninguém fica para trás, foi aprovado o Plano 21|23 Escola+. Este Plano apresenta um conjunto de medidas que se alicerça em políticas educativas com eficácia demonstrada ao nível do reforço da autonomia das escolas e das estratégias educativas diferenciadas dirigidas à promoção do sucesso escolar e, sobretudo, ao combate às desigualdades através da educação.

Este Plano integrado para a recuperação das aprendizagens dos alunos dos ensinos básico e secundário incide em três eixos estruturantes de atuação:

1. ensinar e aprender
2. apoiar as comunidades educativas
3. conhecer e avaliar – desenvolvendo-se em domínios de atuação, correspondentes a áreas de incidência prioritária, e em ações específicas, que constituem o portefólio de medidas propostas às comunidades educativas, por um lado, e os meios e recursos disponibilizados, por outro lado.

Cada eixo é composto por vários domínios com propostas de ações que visam apresentar caminhos em várias áreas de aprendizagem.






"O lançamento do Plano 21|23 Escola+ poderá ser a oportunidade para:

  • diagnosticar de forma clara os problemas existentes em cada uma das áreas disciplinares (não basta fazer uma listagem de aprendizagens essenciais para que o diagnóstico seja eficaz);
  • ouvir os especialistas, aqueles que conhecem a realidade dos seus alunos, os professores (o que precisam ou o que é preciso para que os seus alunos aprendam mais e melhor);
  • delinear O Plano, isto é aquele que responde ao diagnóstico e que tem em conta, nas linhas de atuação, as sugestões dos professores;
  • envolver todos os atores educativos na implementação, monitorização e avaliação deste Plano."
     Biblio Tubers. (2021). Retrieved 8 July 2021, from https://bibliotubers.blogs.sapo.pt/


Aceda aqui à Resolução do Conselho de Ministros n.º 90/2021, que aprova o Plano 21|23 Escola+, plano integrado para a recuperação das aprendizagens.


terça-feira, 6 de julho de 2021

Mãe, quero ser você











A mãe perguntou como se chamavam os amigos. O miúdo, primeiro calou-se e depois, a medo, disse:
“Têm todos o mesmo nome”


Não tenho quase nenhuma experiência em psiquiatria infantil. Limitei-me a fazer um estágio há muitos anos, no tempo em que tudo o que acontecia às crianças era culpa das mães. Os pais eram umas não-pessoas, que se passeavam lá por casa, sem terem nada a ver com os problemas psicológicos dos filhos. Bons tempos para os homens, que quase nunca eram “incomodados” pelos técnicos de saúde mental. Desde então muita coisa foi mudando, e a família nuclear já é vista como um todo, ainda que as mães continuem a ser, para alguns técnicos, as más da fita e, frequentemente culpabilizadas. Mas também aqui estaremos a caminho da igualdade.

Esta história surgiu no meio de uma terapia de casal, cujo pedido não tinha nada a ver com o que vos vou contar. E também não tem nada a ver com psicologia infantil, mas sim com sociologia de adultos. Um casal com alguns problemas de expressão de afetos. As queixas habituais de género. Que ele era pouco meigo, não conversava, não contava o seu dia à dia, que ela estava sempre a chateá-lo porque passava muito tempo com os amigos e não tinha paciência para as amigas dela. Nada de muito especial nem muito grave. Apenas a habitual falta de perceção masculina que os tempos mudaram e o casamento já não é para toda a vida, se não for ‘adubado’ com frequência.

Divertidos, com muito sentido de humor, contavam histórias deliciosas dos seus encontros e desencontros, daqueles casais de quem apetece ser-se amigo e por isso tenho de ter mais cuidado com a minha neutralidade e distância. Tinham dois filhos, uma rapariga com oito anos e um rapaz com cinco. A vida profissional estava a correr-lhes bem, tinham-se mudado há pouco tempo para uma vivenda, fora de Lisboa, numa zona tida como rica. Naturalmente, os miúdos adoraram e começaram a conhecer os vizinhos. A miúda mais introvertida demorou mais tempo a criar proximidade com as famílias próximas, mas o miúdo, completamente extrovertido, ao fim de pouco tempo já era muito popular na zona.

O jardim permitia grandes futeboladas, rapidamente os amigos começaram a aparecer e a fazerem vários Benfica-Sporting em mini-infantis... Não demorou muito tempo até a bola ir para a casa ao lado, num remate mais alto, que passava por cima da sebe. Simples, trepavam ao muro e iam buscar o esférico. Assim começaram a conhecer os miúdos do lado, com idades semelhantes. Daqui até aos convites mútuos para lanchar e jogarem PlayStation foi um ápice.

Os pais iam acompanhando estas aventuras satisfeitos porque finalmente não viviam metidos num andar e as crianças tinham muito espaço e não passavam a vida a ver televisão. Foi num jantar que a mãe perguntou como se chamavam os amigos do lado. O miúdo, primeiro calou-se e depois, a medo, disse:

— Têm todos o mesmo nome.

Não pode ser, disse a mãe. Os filhos têm sempre nomes diferentes.

— É verdade, a mãe deles chama-os todos por você. Você isto, você aquilo, você venha cá, agora você pare de brincar e vá tomar banho, não seja porco...

Os pais olharam um para o outro, sem saberem o que dizer. Não era fácil explicar a uma criança de cinco anos as idiossincrasias de algumas famílias. Mas o mais difícil estava para vir e deixou-os sem resposta.

— Posso mudar de nome? Também quero ser você, como os meus amigos.

José Gameiro. Diário de um psiquiatra in Expresso Semanário#2539, de 25 de junho de 2021