“Deixa-te disso! O único sítio onde eu quero ser traduzido é na Galiza...”
F
Não foi fácil encontrar uma editora interessada, até porque muitos argumentavam que a tradução não fazia sentido, uma vez que a elite cultural galega lia sem dificuldade em português. Mas não era essa elite que o Fernando tinha em mente: pensava no povo, aquele povo a que pertencia o seu avô, que viera para Portugal vender panos nas feiras.
Acabou por ser Américo Augusto Areal, o dono da ASA, a encontrar uma solução. Uma editora de Vigo, a Ir Indo, imprimia na nossa gráfica muitos dos seus livros, e ele convenceu o editor, Antón Mascato, a traduzir a obra, prometendo-lhe que a imprimiria a um preço quase simbólico.
O Fernando ficou radiante — e mais radiante ainda quando Mascato o convidou a passar uns tempos na Galiza para trabalhar com o tradutor. Instalou-os em Vilagarcia de Arousa, no Hotel Balneario de Paco Feixó, à época um dos mais famosos chefes galegos. Entre o escritor e o cozinheiro iniciou-se uma amizade profunda e, por influência do Fernando, o Balneario e o seu restaurante passaram a ser destino frequente de muita gente do jornalismo e da cultura portuguesa.
Quando a tradução foi publicada, em 1994, fizemos um périplo por várias cidades galegas, para a promoção do livro, mas à noite regressávamos sempre a Vilagarcia de Arousa. Aí, o poeta sentia-se em casa e permitia-se até, quando estava cansado da comida “moderna” de Paco Feixó, ir para a cozinha fazer... ovos mexidos com chouriço.
Creio que foi um período feliz para Fernando Assis Pacheco. Hoje, o Balneario está praticamente em ruínas e o poeta há muito nos deixou. Mas “Trabalhos e Paixões de Benito Prada” (agora no catálogo da Assírio & Alvim) continua a ser um grande romance daquele que foi um dos mais importantes poetas da sua geração. E, claro, um grande amigo.
Manuel Alberto Valente. O outro lado dos livros in Expresso Semanário#2539, de 25 de junho de 2021
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