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O espírito de heterodoxia (pelo qual houve quem se irritasse com o autor) e a relação com a Europa (que levaria décadas a assumir expressão visível, quando Portugal teve de se virar para ela após perder as suas colónias) são temas seus desde o início. “Todos os povos vivem mais ou menos confinados no amor de si próprios. Mas a maneira como os Portugueses se comprazem nessa adoração é verdadeiramente singular”, escreve Lourenço. As complexidades da nossa própria relação com o país, que têm muito menos a ver com identidade do que com imagem, seriam exploradas ao longo da sua escrita, muitas vezes através da obra de escritores como Camões, Antero de Quental e, sobretudo, Fernando Pessoa. Que há aspetos fortemente contraditórios no assunto vê-se em passagens como esta, no prólogo a “Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista”: “Não conhecemos Cultura nenhuma em que o descaso pelas ‘nossas coisas’, tão bem nomeadas por José Régio, seja mais visceral do que na cultura portuguesa (...). Essa eterna revelação que messianicamente não desistimos de esperar, com facilidade a admitimos na mais insípida banalidade estrangeira e com fervor a achamos nas grandes obras dos outros.” Em “Ver É Ser Visto” só faltam textos ligados ao presente em sentido estrito, como alguns escritos a seguir ao 25 de Abril e anos subsequentes. Mas talvez esses não sejam verdadeiramente ‘essenciais’. Lourenço é um autor de temas grandes, e falar sobre política corrente, sendo às vezes um imperativo moral, é a forma mais segura de alguém se condenar ao erro, ou à derrota, com que nessa área ele tende a confundir-se.
Luís M. Faria. Culturas. O país e o tempo in Revista Expresso, Semanário#2540, de 2 de julho de 2021
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