quinta-feira, 30 de julho de 2020

Educação Literária no Ensino Básico e no Ensino Secundário | Estudo






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O Plano Nacional de Leitura 2017-2027 (PNL2027), o Instituto de Avaliação Educativa, I.P. (IAVE), o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE) e a Direção Geral de Educação (DGE) vão realizar um estudo sobre o desempenho dos alunos portugueses em provas internacionais e nacionais, a fim de apresentar propostas fundamentadas para a melhoria da Educação Literária no quadro do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, das Aprendizagens Essenciais e da missão do PNL2027.

É função da escola criar leitores autónomos, que façam da leitura um gosto e um hábito para a avida, encontrando nos livros a motivação para ler e continuar a aprender. Para gerar motivação pela leitura literária é fundamental respeitar a individualidade de cada leitor e dar-lhe liberdade de escolha, oferecendo-lhe um amplo leque de livros de qualidade que sejam significativos e vão ao encontro das suas capacidades leitoras e das suas expectativas.

É, deste modo, importante que, além da atenção dada às leituras escolares, canónicas e iguais para todos, sejam criadas oportunidades de mudança das práticas de mediação dos docentes, de modo a que os alunos valorizem e exercitem as suas competências e atividades de leitura literária e estas se enraízem como um hábito cultural, convertendo a Educação Literária, numa verdadeira via de capacitação para a receção de qualquer texto, com criatividade e sentido crítico próprios.

O estudo do PNL2027, IAVE, PNPSE e DGE pretende contribuir com soluções para este fim, devendo concretizar-se no seguinte calendário: 

- ano 1 (2020) – Descrição do estudo e realização do retrato da educação literária do ponto de vista dos estudos internacionais e dos resultados da avaliação externa nacional;
- ano 2 (2021) – Trabalho de campo com monitorização e acompanhamento de um conjunto de escolas e professores com vista ao levantamento e caracterização das práticas escolares no âmbito da Educação Literária;

- ano 3 (2022) – Análise dos resultados do estudo, produção de recomendações e divulgação de boas práticas.

O Ensino Secundário será objeto de atenção numa 2ª fase do estudo.


domingo, 26 de julho de 2020

A carta da Harper's



Texto de Pedro Mexia




AS INCOMODIDADES QUE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO TRAZ DEVEM SER CONTRARIADAS COM MAIS LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Q

uem me dera aquele enfado cínico que qualifica tudo, incluindo a carta aberta da revista “Harper’s”, como um tédio ou uma banalidade, ou uma resposta escusada a uma ameaça imaginária. Quem me dera que não fosse crescentemente notória, como se escreve nesse texto publicado há dias, “uma intolerância face a opiniões discordantes, uma onda de humilhação pública e ostracismo, a tendência para dissolver questões políticas complexas numa certeza moral ofuscante”. Quem me dera que o iliberalismo fosse apenas o dos iliberais, e não o de tantos progressistas, herdeiros das Luzes e do pensamento crítico. Quem me dera que não houvesse, na academia, no jornalismo, nas artes, uma apetência pelo dogma, a coerção, a substituição de indesejáveis consensos por outros consensos igualmente nefastos. Quem me dera que esta passagem da carta fosse uma inventona dos signatários: “Editores são despedidos por publicarem artigos controversos; livros são retirados por suposta inautenticidade; jornalistas são impedidos de escrever sobre certos assuntos; professores são investigados por citar obras literárias nas aulas; um investigador é demitido por fazer circular um estudo académico com peer-reviewing; e responsáveis de organizações são afastados muitas por vezes por causa de equívocos ou inabilidades.”

É preciso dizer, e a carta dos 153 da “Harper’s” diz, que não estão em causa as reivindicações de justiça e igualdade, étnica ou de género, nem a denúncia e a sanção judicial de actos criminosos, nem a reforma das instituições. É preciso dizer, e a carta da “Harper’s” diz, que em alguns países, nomeadamente na América, há líderes eleitos que têm contribuído muitíssimo para a degradação do espaço público. Mas também é urgente não combater o fogo com o fogo. As incomodidades que a liberdade de expressão traz devem ser contrariadas com mais liberdade de expressão, “robusta” e “cáustica”, em vez de passarmos a aceitar como normais as ameaças, agressões, demissões por discordância, interdições. Opor ao iliberalismo político e à “democracia iliberal” um catálogo cada vez mais vigiado daquilo que se pode defender, e como, e porquê, e por quem, é autodestrutivo.
Os 153 da “Harper’s”, lembre-se, são intelectuais e artistas de diversas latitudes, alguns dos quais elogiados como paradigmas da liberdade até anteontem. Escritores como Salman Rushdie, condenado à morte por causa de um romance; Margaret Atwood, crítica do patriarcado e ídolo de tantas mulheres e de tantos leitores e espectadores; Kamel Daoud, que enfrenta o fundamentalismo islâmico in loco. Académicos, críticos e historiadores como Anne Applebaum, especialista do Gulag soviético; Noam Chomsky, linguista emérito e activista anti-imperialista e anticapitalista; Gloria Steinem, uma das mais influentes feministas da sua geração. Ideologicamente, e além dos já citados, os 153 vão de conhecidos militantes da esquerda americana, como Katha Pollitt, a Francis Fukuyama, guru dos neoconservadores. E o elenco inclui o católico progressista Garry Wills; a linha da frente da esquerda liberal, com Michael Ignatieff, Paul Berman, Ian Buruma, Mark Lilla ou Michael Walzer; centristas como Fareed Zakaria; conservadores como David Frum ou David Brooks. E Garry Kasparov, destacado adversário do comunismo e depois do putinismo. Alguns já foram, nos últimos anos, boicotados, cancelados, desconvidados e afastados de instituições, ou seja, não reagem a um horizonte longínquo mas ao estado actual das coisas.
Desde que a carta foi publicada, apareceram numerosos artigos criticando ferozmente, e algumas vezes inteligentemente, o texto e a atitude dos 153, o que é saudável e desejável. Mas também assistimos ao lamentável pânico intelectual que levou alguns dos signatários a retirar a assinatura, geralmente porque descobriram que havia outros signatários dos quais discordavam. O jornalista canadiano Malcolm Gladwell, que assinou a carta e mantém aquilo que assinou, comentou assim o gesto dos desistentes: “Assinei a carta da ‘Harper’s’ porque havia muitas pessoas que assinaram a carta da ‘Harper’s’ de quem eu discordava. Julguei que era mesmo isso que a carta da ‘Harper’s’ defendia.”
Pedro Mexia, E-Revista Expresso, Expresso, Semanário #2490, 18 de julho de 2020

quarta-feira, 22 de julho de 2020

+ Leitur@s | Em todos os sentidos





Ao reunir em livro um conjunto de cerca de quarenta crónicas radiofónicas, Lídia Jorge apresenta Em Todos os Sentidos (Dom Quixote, 2020) reflexões que prendem o leitor da primeira à última página num encadeamento notável, no qual se manifestam as qualidades há muito reconhecidas da autora.








CRÓNICAS E ENSAIOS
Começando pela designação de crónicas, devo dizer que muitas vezes estamos perante verdadeiros ensaios, género em que Lídia Jorge muito bem se evidencia há muito. Basta lembrarmo-nos de Contrato Sentimental (2009) para ficar claro como a romancista sabe muito bem lidar com a reflexão, não apenas na construção romanesca, mas também na consideração dos problemas mais relevantes da vida contemporânea e na busca de um sentido ético, cívico e existencial para a humanidade. Partindo do quotidiano, chegamos depressa à essência das coisas. Se durante a crise financeira de 2008, a autora deixou-nos considerações extremamente pertinentes sobre as ilusões do curto prazo, sobre a idolatria dos bezerros de ouro e sobre a tentação de oscilarmos entre considerarmo-nos “heróis do mar” ou ser lixo no perverso julgamento das agências de rating, encontramos a preocupação essencial de ir ao encontro da compreensão de que o tem mais valor não tem preço. E, ao contar uma história passada consigo, quando procurava desesperadamente uma capa para o modelo já desatualizado de telemóvel (com apenas três anos de idade), lá descobriu graças a uma balconista zelosa um utensílio de aspeto rebarbativo mas no essencial útil, ainda por cima com um inesperado desconto por se estar num Black Friday… Mas porquê uma tal designação tão estranha? Ao que parece (num tempo de tantos pruridos e más consciências) a explicação parece ser esta: na cidade do Cabo, na África do Sul, “diz quem, mostra as gaiolas da escravatura que antigamente, em certos dias de sexta-feira, antes do fim-de-semana, os escravos mais franzinos, os mais velhos, os que não tinham dentes, eram vendidos ao desbarato…”. A explicação é bizarra, mas convincente. O seu uso nos dias de hoje revela-se absurdo, pois a expressão esclavagista não poderia ser mais evidente, quando temos necessidade do mais elementar bom senso, em especial no respeito efetivo dos direitos fundamentais, em lugar de ressentimentos e complexos. E Lídia Jorge termina a reflexão, dizendo: “enganemo-nos uns aos outros, compremos inutilidades sem fim. Mas, na dúvida, não lhe chamem Black Friday”…


MONTAIGNE E O AMIGO
E se falo do tom ensaístico, não posso deixar de apontar um verdadeiro ensaio testemunhal intitulado “Montaigne e o Amigo”, a propósito da oferta que Pierre Léglise-Costa, um amigo comum, lhe fez e do avisado conselho que deu a Lídia – “Relê o capítulo sobre a amizade, e lê este livro, o do amigo desaparecido, que Montaigne fez publicar”. Devo acrescentar que estava em causa La Boétie, o autor do magistral “Discurso da Servidão Voluntária”, que não teria chegado até nós se não fosse Montaigne, não apenas pela amizade, mas pelo reconhecimento do génio do seu amigo. “Si on me presse de dire pourquoi je l’aimais, je sens que cela ne se peut exprimer, qu’en répondant: ‘Parce que c’était lui, parce que c’était moi’”. É uma das mais belas referências à amizade na literatura de sempre. E Lídia e Pierre conversaram sobre isso. E falaram do “fruto da clarividência que sobressai nas grandes épocas de perda e de ameaça…” e no que acontece “quando um olhar inteligente abrange de relance o passado e o futuro, percebendo que o tempo histórico se desloca por ondas de avanço e recuo, e dessa inquietação surge uma proposta nova”. Ainda no registo do ensaio, somos levados a um poema de Emily Dickinson, com tradução de Ana Luísa Amaral, na exposição sobre o Cérebro, na Gulbenkian. “O poema de Emily Dickinson promete, além da vastidão, uma fusão entre matéria e espírito, e um sentido”… “Mais vasto o Cérebro – que o Céu - / Pois – lado a lado os põe - / E um facilmente conterá / O outro – e a Ti – também. / Mais fundo o cérebro que o mar - / Pois – mede-os – Azul a Azul - / E aquele o outro absorverá / Tal como – o Balde – à Esponja - / Um peso igual, Cérebro e Deus - / Pois – Pesa-os – Libra a Libra / E a distinção – se tal houver - / É como o som da sílaba”. A relação entre a Arte e a Ciência torna-se avassaladora, sendo biunívoca, como a criatividade e o paradoxo dos pequenos robôs. E, num momento, a ensaísta, pronta a perceber a liberdade e a determinação, vê-se impedida de voltar atrás, ao princípio, pela lógica do espaço e do tempo…



COMO AMAREMOS A EUROPA?
Os temas sucedem-se. Numa tentativa de definição da Europa, partindo de um poema do mexicano José Emílio Pacheco, diz-nos: “talvez nós não amemos a Europa, mas se fosse necessário, ainda que soasse mal, talvez déssemos a nossa vida para preservar alguns dos seus incunábulos, algumas das suas catedrais, algumas das suas sinfonias, ou o estado social que nos aproxima uns dos outros. Depois de tanta batalha sangrenta, tantas fonteiras de ferro, cidades vizinhas inimigas de morte, a proposta de uma moeda única e de livre circulação de pessoas e bens é uma oferenda de paz que se faz aos mortos”… E, falando do mais nobre dos conceitos de dignidade e de identidade, lemos o testemunho do encontro da jovem Lídia com o avô José Jorge Júnior. “A casa já cá não está, porque tudo se transformou num espaço raso onde os tomilhos vão crescer, mas contrariando o descampado aberto, onde nada ficou, eu vejo a entrada da casa do Aroal como ela era, ouço uma voz e vejo a silhueta de um homem idoso sentado, de perfil, como se o ultimo encontro com o meu avô Jorge tivesse acontecido ontem. Foi há muito tempo”… É a marca da memória que aí está bem expressa. Mas também no exemplo sublime da Maria Inácia, que eu conheci bem de toda a vida, e que pôde defender heroicamente o órgão de Boliqueime – num extraordinário paralelo com a memória de Leipzig, das igrejas de S. Nicolau e de S. Tomé… É verdade que não era a memória de Bach a estar em causa, mas sim a opus 24 de 1789 construída por António Xavier Machado e Cerveira, irmão de Machado de Castro… E que há de mais importante senão uma memória viva?

O encontro com Agustina neste conjunto de crónicas é fantástico, no sentido literal do termo. Não vou, obviamente, contar a peripécia, mas posso dizer que é digna de um mistério romanesco, mais de Edgar A. Poe do que de Simenon – o pobre, coitado. Tudo começou numa viagem de comboio, e na descoberta por Agustina de um português, sem que Lídia Jorge pudesse suspeitar. Ninguém se parecia com a típica imagem de um português emigrante. Mas, a verdade é que Agustina tinha toda a razão, era mesmo um português, que ali apareceu com grande prosápia literária. A autora de Sibila identificara-o pelo mover dos lábios. Foi surpreendente o acerto… “Curiosamente, é um homem de compleição germânica, que já se levanta, já se aproxima, curva-se na direção do nosso assento e começa a falar português”. Nada devo dizer mais, porque o que se vai passar só é relevante se for descoberto pelo leitor, na descrição minuciosa de Lídia Jorge e no carácter inimaginável de Maria Agustina…

Guilherme d'Oliveira Martins. A vida dos livros, Centro Nacional de Cultura, 20 de julho de 2020


segunda-feira, 20 de julho de 2020

As capas da lua





 
Diário Popular, 17 de julho de 1969








Na semana da missão Apollo 11, o mundo parou para ver três homens pisar a Lua — não só na televisão, mas também nas primeiras páginas dos jornais. “Os astronautas dormem na Lua” ou “Viemos em paz por toda a humanidade” são alguns dos exemplos do que se leu em 1969. 

O PÚBLICO selecionou algumas das primeiras páginas dos jornais escritos em português que acompanharam esta missão histórica. Pode lê-las AQUI.



Prioridades para as Bibliotecas Escolares 2020/2021









Na programação do ano letivo de 2020/ 2021, perante o aumento da imprevisibilidade de funcionamento das escolas e, consequentemente, das bibliotecas, é necessário encarar a possível existência de diferentes cenários, devendo acautelar-se a flexibilização na transição entre trabalho presencial, misto e não presencial, pelo que as bibliotecas devem adaptar os seus regulamentos de funcionamento a estes diferentes cenários e tipos de trabalho.



domingo, 19 de julho de 2020

Centenário | Clepsidra



No centenário da publicação de “Clepsidra” de Camilo Pessanha (1867-1926), temos de recordar a história misteriosa de uma das obras mais importantes da literatura portuguesa do último século. Fernando Pessoa reconheceu-o. Não é possível, de facto, entender a rica placa giratória que constituiu “Orpheu” sem considerarmos a influência deste poeta.


Camilo Pessanha


UMA INICIATIVA DE RECONHECIMENTO

A história de “Clepsidra” é de talento e de amor, de estoicismo e de inteligência. Sem a iniciativa de Ana de Castro Osório não teríamos essa obra-prima das letras portuguesas. Passaria despercebida ou esquecida, como os poemas de Cesário Verde, sem a intervenção de Silva Pinto… A história é mais do que comovente, como tantas vezes mo tem lembrado o meu querido amigo António Osório. E quando celebramos os cem anos, é bom que ao ouvirmos o poeta nos lembremos de um amor, que apesar de impossível, não impediu a generosa iniciativa que tornou grande um poeta grande. “A sete chaves – a carta encantada! / E um lenço bordado… Esse hei de o levar / Que é para molhar na água salgada / No dia em que enfim deixar de chorar”… O livro “O Amor de Camilo Pessanha” de António Osório (Elo, 2005) conta, aliás, como tudo se passou, revelando as cartas de amor que Ana não destruiu. Arnaldo Saraiva afirmou que se Camilo Pessanha fosse de um outro país, certamente que abundariam traduções e estudos sobre a sua obra. No entanto, estamos longe do justo reconhecimento, apesar da opinião de Fernando Pessoa, que constitui uma importante referência. Tudo começa pela paixão de Pessanha por Ana de Castro Osório, a que esta não correspondeu. Pessanha era amigo íntimo do seu colega de curso em Direito Alberto Osório de Castro, irmão de Ana, com quem passava férias em Mangualde em casa do Pai, João Baptista de Castro, que tratava por “primo”. Ana não podia, porém, corresponder ao amor de Camilo Pessanha, por namorar o jornalista e político republicano Paulino de Oliveira, com quem casará em 1898, cinco anos depois da tentativa. A jovem exprime, porém, o desejo «de que Camilo lhe perdoe o desgosto que lhe causa e que seja seu amigo…». E se é certo que autoriza Camilo a destruir a sua carta, tal não acontece, prevalecendo uma «atitude de estoica nobreza». Camilo “restitui” a carta de Ana, e esta guarda essa correspondência, que virá a ser revelada pelo poeta António Osório. Anos depois, em fins de 1915, reata-se o convívio entre Ana e Camilo – que “jantava e seroava em nossa casa invariavelmente duas vezes por semana”, segundo o testemunho de João de Castro Osório, filho de Ana. E é este que se vai encarregar da recolha da poesia: «Comoveu-o ver que um rapaz de dezassete anos lhe pedia para repetir os seus versos de modo a poder escrevê-los, e que, ao fim da noite, lhe mostrava dois ou três dos seus Poemas para ele emendar qualquer erro de interpretação. Prometeu então Camilo Pessanha escrever em cada noite dos nossos serões de família um ou dois dos seus Poemas, até juntar todas as suas obras poéticas». E assim Ana assume o encargo da publicação dos poemas que recolhera «e dos outros que deveria enviar e se esperaram durante quatro anos, sempre em vão». Ana de Castro Osório toma a iniciativa de publicar, há exatamente cem anos, em 1920, nas Edições Lusitânia, de que era proprietária, a Clepsidra.



UM VERDADEIRO SONHADOR
Em entrevista a Fernanda de Castro no “Diário de Lisboa” dirá: «De há muito conheço Camilo Pessanha. É um verdadeiro poeta e um verdadeiro sonhador. Mas é também um tímido e um misantropo». Não encontrava nele qualquer desejo de glória. E aí confessa como nasceu “Clepsidra”. “Sem dizer ao poeta os meus planos, pedi-lhe que fosse ditando versos seus, pois queria guardá-los num caderno. Camilo Pessanha ditou-me algumas belas poesias. (De facto foi seu filho o verdadeiro artífice). E foi assim que nasceu a sua Clepsidra”. Na última carta de Pessanha para Ana, de 3 de junho de 1921, o poeta agradece, aliás, tudo o que foi feito pela sua obra: «Acredite que foi das mais doces comoções da minha vida e da minha surpresa, ao ver assim evocada e acarinhada diante dos meus olhos a minha pobre alma – há tantos anos morta». Através de seu sobrinho António (seu pajem) é que Ana de Castro Osório reatou o contacto com Camilo Pessanha, numa ida deste ao Hotel Francoforte no Rossio, em 1915. No testemunho de António, temos recordação dos grânulos de ópio, que tomava nas deambulações de Lisboa e de como o poeta recitava nas ruas da cidade… «Camilo Pessanha possuía a musicalidade dos seus versos, como em estado natural. Da sua poesia, era ela a música essencial e suplicada. Recitando, dir-se-ia que acordara de uma abstrata melancolia para ser ele o choro, a tristeza, a emotividade e a dor dos seus próprios versos». Mas foi o ópio a danação do poeta. Ele fala mesmo de “tormento dessa horrível angústia fisiológica”. «O demónio da deceção foi realmente o demónio da sua vida, e não apenas o dos seus sonhos em Macau, com Ana próximo de si, em vez da pequenina Águia de Prata, que o enganava (e ele saberia?) e do “desgraçado filho”». José Régio disse que o poeta «da sua derrota fez o seu triunfo»… E António Osório afirma ainda que das histórias de amor contidas na Histórias Maravilhosas de Ana nenhuma é tão impressionante como esta – de que apenas há uma carta encantada e o silêncio sereno da nobreza íntima. E assim continuaremos a ouvi-lo: “Eu vi a luz em um país perdido / A minha alma é languida e inerme. / Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído! No chão sumir-se, como faz um verme”… Ou “Temo de regressar… / E mata-me a saudade… / - Mas de me recordar / Não sei que dor me invade”… Na expressão de António Quadros este discípulo de Verlaine vive no íntimo a força musical da poesia: “Uma vida inteira de angústia e sofrimento para um minuto de luz, fora do tempo e do espaço? Tal a humana condição, tal a fortuna de um homem infeliz, tocado pelo génio da poesia”.


Guilherme d'Oliveira Martins. A vida dos livros. Centro Nacional de Cultura.13 de julho de 2020


Cesário visto / lido por Alberto Caeiro






















 

Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente.
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.

Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas coisas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos...

Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...

s.d.
“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993). - 25.

Cesário visto / lido por Álvaro de Campos






Imagem: Praça da Figueira no século XIX. O mercado de ferro foi demolido em 1949. 
Ilustração do 2º capítulo do 1º volume de Lisboa Desaparecida, de Marina Tavares Dias. 1988. 
— em Praça da Figueira.



Cesário, que conseguiu
Ver claro, ver simples ver puro,
Ver o mundo nas suas coisas,
Ser um olhar com uma alma por trás, e que vida tão breve!
Criança alfacinha do Universo.
Bendita sejas com tudo quanto está à vista!
Enfeito, no meu coração, a Praça da Figueira para ti
E não há recanto que não veja para ti, nos recantos de seus recantos.


6-4-1930
Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. - 120.



In memoriam






Cesário Verde, um dos precursores do modernismo português, morreu no dia 19 de julho de 1886, com apenas 31 anos.


sábado, 18 de julho de 2020

Ensinar e aprender no tempo do (pós)confinamento




O que aprendemos entre março e junho de 2020?







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Nota de apresentação 

Em meados de junho de 2020, enviamos para cerca de 25 autores o seguinte desafio: 

Na sequência do livro que editamos em maio de 2020 – Ensinar e Aprender em Tempo de COVID – 19: entre o caos e a redenção, queremos agora reunir um conjunto de textos que reflitam sobre as peripécias deste tempo de ensino e aprendizagem online e a distância, identifiquem pontos críticos e pontos eventualmente positivos que devam ser considerados na organização do ano letivo de 2020-21 e perspetivem como deverá ser a vida das escolas, dos professores, dos alunos e das famílias no próximo ano letivo. 

A partir desta referência genérica, recolhemos mais de duas dezenas de textos que nos dão conta das visões, vivências, perceções, alegrias, tristezas e das expetativas organizacionais e pedagógicas para o próximo ano letivo. 

E aqui está o resultado. São textos implicados e comprometidos. Gerados à flor da pele e expressando um pulsar dolorido sobre o presente e o futuro da escola que não pode deixar de ser presencial. Uma escola outra, diferente da que formos obrigados compulsivamente a seguir entre março e junho de 2020. 

Aqui encontraremos, certamente, motivos de inspiração para também criarmos o futuro próximo. Para sermos autores de vida e de esperança. Pois rejeitamos a condição de simples operários que executam o que nos mandam. Este livro é a prova desta possibilidade. Um obrigado a todos os que o tornaram possível. 

José Matias Alves 
Ilídia Cabral




+Leitur@s | Os cimentos do tempo, de José Viale Moutinho



Recensão crítica, por Pedro Mexia







Os Cimentos da Noite reúne quase todos os poemas que José Viale Moutinho pretende preservar de vinte e tantos títulos publicados entre 1975 (Atento Como Um Lobo) e 2018 (A Pessoa Indicada), muitos em pequenas chancelas, acrescidos agora de dispersos e inéditos. 

A melhor introdução a esta poesia continua a ser a antologia Sombra de Cavaleiro Andante (2004), mas Os Cimentos da Noite tem a vantagem de reforçar uma ideia de consistência. Desde logo, formal: poemas bem medidos, decantados, sóbrios, eufónicos, hábeis em “concreções experienciais” (Vasco Graça Moura), quer dizer, em amálgamas do biográfico com o não-biográfico, da citação culta com o coloquialismo, da melancolia com o sarcasmo. Do primeiro ao último conjunto de poemas, notamos as constantes temáticas: o bucolismo intranquilo que rememora terras e gentes de um país antigo; a evocação de lugares saudosos ou sofridos (Almendra, o Porto, o Funchal); os diálogos com a pintura portuguesa; as homenagens ou elegias (de Júlio Resende a Manuel António Pina, de Óscar Lopes a Ângelo de Sousa); as revisitações do universo dramático de Camilo; os amigos castelhanos e galegos; ou a consciência daquilo a que um livro de 1985 chama “o rude tempo”. 

Por volta de 2001, com Poemas Tristes, e depois num livro maior como Anjos Cobertos de Pó (2013), vai-se impondo um quotidiano disfórico, com o poeta no café a ler os jornais e a lamentar a morte dos outros, o envelhecimento, os males da pátria. É já “demasiado tarde para esquecer”, e Viale escreve sobre “o adiantado da hora”, sobre a velhice como “janela das traseiras”, sobre as fidelidades de sempre e as indignidades da idade. 

Do primeiro ao último livro, mantêm-se ainda dois hábitos formais e como que programáticos: os pontos de interrogação, para marcar o pouco que sabemos; e os poemas que acabam numa vírgula, indicando que um texto, mesmo quando acaba, continua.

Pedro Mexia. E-Expresso Revista. Edição 2488, de 4 de julho de 2020


domingo, 12 de julho de 2020

O tempo é parado por aquilo que colocamos no que estamos a fazer





Em “Humains — La Roya Est un Fleuve” há um momento em que se diz: “O desenho trava o tempo.” Acredita realmente nessa capacidade?

Talvez não apenas o desenho. Talvez seja a presença que tenha essa capacidade, a intensidade da presença. Alguém que procura a palavra certa para um texto, a sonoridade adequada para uma música, o traço justo para um desenho, o tempo é parado pela presença, pela nossa presença e por aquilo que colocamos no que estamos a fazer. É a essência da criação, esse instante. Todos procuramos isso. Se o encontro, o leitor também o vai ler e levá-lo para o seu próprio espaço. É isso a humanidade.

Edmond Baudoin* (França, 1942), em entrevista a Sara Figueiredo Costa, E-Revista Expresso, de 4 de julho de 2020


Fille / BAUDOIN par Edmond Baudoin - Illustration
Ilustração de Edmond Baudoin. Tinta da china



* autor de banda desenhada e ilustrador; os seus álbuns são, maioritariamente, a preto e branco. 

Música nas trincheiras




OS CADERNOS E OS DIAS
HISTÓRIA FRAGMENTADA DO MUNDO
POR GONÇALO M. TAVARES



Música nas trincheiras
1.
Animais periódicos, diários, que têm apetite súbito
quando a presa está fraca,
fazem da fotografia de um falhanço banquete
para a enorme pançarra dos muitos sujeitos de saliva na boca.
Notícias com rostos apanhados em descalabro
são vendidas no mundo a peso e metro,
régua que mede em dólares e não em centímetros.
O dólar como medida internacional da fotografia
e do espaço.
Quantos dólares tem esta largura e este comprimento?
Uma hipótese: medir o espaço assim, de forma literal.
Em vez de régua de carpinteiro, notas de 50 e 100,
umas à frente de outras ou sobrepostas como soldados mudos;
e assim se mede o espaço: quantas notas deitadas
ao sol e sombra tem cada lugar e objecto do mundo?
2.
Largura e comprimento em dólares ou euros, sim,
mas a altura, essa, vem em distância a esse Deus
que não se sabe exactamente onde está; uma altura indecisa
e hesitante que balança entre o muitíssimo
e o muito pouco.
Diferença entre crente e não crente, medida assim:
em quilómetro concreto. Mais perto de Deus,
como se este fosse vizinho, estão os que não o adoram
assim tanto.
Demasiado longe ou perto turva a visão,
só uma distância média entre o sujeito e o objecto adorado
pode aumentar no coração o entusiasmo.

OS SINAIS MAIS IMPORTANTES NO SÉCULO XXI NÃO VIRÃO EM LUZ, MAS EM CORTE BRUSCO DA LUCIDEZ E DA VISÃO. O GRANDE SINAL AÍ ESTÁ: DIANTE DO EVIDENTE, NADA ENTENDEMOS

3.
Demasiado italiana, diziam no início os nazis —
saudação com braço estendido à velha Roma;
mão esticada, virada para a terra, e braço numa diagonal
entre o avião no alto e o corpo quando morto deitado no solo.
Manifestações no século XXI na televisão e na Europa
imitam o gesto do mal;
em 2020, os gestos não são apenas propriedade dos corpos
mas também da História. Não apenas movimentos que esganam um pescoço ou disparam são bélicos,
há nos símbolos essa potência de ocupar o dia seguinte
de modo manso, em posição de bom ouvinte,
ou em agressivo anúncio de terra a queimar.
Nas trincheiras da I Guerra, em 1917,
a expectativa dos soldados e o aborrecimento nervoso
que existe antes de matar ou ser morto, era, claro, tempo decisivo,
e aí, pela primeira vez, o Estado colocou nas trincheiras,
música; o entretenimento via rádio e televisão tem aí
o seu big bang. A partir daqui mesmo 5 minutos antes
de morreres ou matares podem os teus ouvidos encantar-se
e quem souber sapateado que avance; a melhor das danças
e a mais bela festa até pode ser a última.
Entretidos vão, não nos seus barcos, mas nos seus sofás
posicionados de modo pouco guerreiro diante da televisão, cidadãos de uma Europa inundada de documentários
sobre o novo vírus e a bela história do futuro a preto e branco;
e nas suas trincheiras sentadas estão cómodos no cérebro e nas áreas anexas mais para baixo, enquanto lá fora gestos a imitar
o Império de Roma e o III Reich avançam sem um oh sequer
pelas avenidas e praças da Europa e das Américas; como
se a História para trás não existisse, e apenas o mundo
começasse o seu cronómetro a sério, quando o pacato cidadão
entretido liga a televisão.
4.
Parece que um raio no Brasil apareceu no céu e era enorme;
a mais longa luz natural que veio do alto nos últimos tempos.
Mas os sinais mais importantes no século XXI não virão em luz,
mas em corte brusco da lucidez e da visão.
O grande sinal aí está: diante do evidente, nada entendemos;
a História está a ser fechada no quarto escuro e quando a deixarmos sair talvez seja tarde, demasiado tarde, para
inventar o fogo.
Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

E-Revista Expresso, edição 2488, de 4 de julho de 2020

sexta-feira, 10 de julho de 2020

+ Leitur@s | O caderno vermelho da rapariga karateca





O Caderno Vermelho da Rapariga Karateca
Ana Pessoa, Bernardo Carvalho
Planeta Tangerina, 2012
Livro disponível na Biblioteca


N não é uma menina, é karateca.

N tem 14 anos, quase 15, e o seu maior sonho é ser cinturão negro e beijar o Raul.

N gosta de escrever, mas prefere lutar com o Raul.
(Escrever é uma seca.)

Isto não é um diário. Não tem chave, não tem segredos.
(Sim, tem segredos.) Também tem vontade própria, páginas movediças, palavras como «diarreia» e «romântico» e personagens como a bruxa má que quer aprender a ser boa e a mosca que não sabia quem era.

Isto é o caderno vermelho da rapariga karateca. O objeto preferido de N, um animal de estimação, uma personagem, uma pessoa de verdade.
(O que é a verdade?)

O caderno vermelho da rapariga karateca é a primeira obra de Ana Pessoa. Venceu a edição 2011 do prémio Branquinho da Fonseca – Expresso/Gulbenkian, na modalidade Juvenil. 


Igualdade de género




New Cartoonist: Anne Derenne - Cartoon Movement
Cartoon: Anne Derenne, França





O livro aberto dos Direitos Humanos




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Cartoon de Ramses Morales Izquierdo




Quizz | A idade da exploração







Covid 19 | Evite contaminação




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Um pequeno gesto que é fundamental para ultrapassar esta pandemia. 



segunda-feira, 6 de julho de 2020

+ Leitur@s | Viagem ao sonho americano









O que é a América?

Numa viagem pelo país que (ainda) é visto como o centro do mundo, Isabel Lucas, jornalista e crítica literária, sonda a condição americana, os seus mitos, paradoxos, medos e fragilidades, mas também a sua grandeza e capacidade de reinvenção. Partindo dos livros, esta é também uma viagem pelas ruas da América, pelas suas gentes, pelas vozes anónimas e os mitos, entre eles, o tal sonho fundador.

Afinal, o que é o sonho americano? Será o sonho de um país ou o sonho de um mundo inteiro?

Durante um ano, o produto das suas reportagens foi sendo publicado no Jornal Público  e, posteriormente, foi publicado sob a forma de livro: Viagem ao Sonho Americano.
“De Manhattan a New Bedford - o percurso feito por Ismael no início do livro de Melville – são 335 quilómetros. De carro, sem transito, percorrem-se em menos de quatros horas, seguindo pela I-95, estrada sempre junto à costa, que ganha um encanto especial no Outono, com a exuberante paleta de cores das copas das árvores, entre o vermelho e o castanho, num contraste com o azul do oceano, das baías e dos lagos e lagoas por onde passa, cruzando os estados de Nova Iorque, Connectticut e Rhode Island até chegar ao Masschusetts.“




Na conversa com Manuel da Costa Pinto, a jornalista e crítica literária portuguesa Isabel Lucas fala sobre o livro “Viagem ao Sonho Americano”. A autora fala sobre seu processo de escolher 16 romances norte-americanos como ponto de partida para elaborar doze reportagens ao longo de uma viagem de um ano pelos Estados Unidos. 


Saber + 



domingo, 5 de julho de 2020

Amnistia Internacional | Celebrar a coragem dos defensores dos DH










Manual para docentes, educadores e todos os que pretendem sensibilizar para a importância da defesa dos direitos humanos assim como da proteção daqueles que os defendem. Contém informação sobre o tema, um conjunto de atividades, participativas e reflexivas, baseadas em metodologias de educação não formal e ideias para agir.