sábado, 18 de maio de 2019

Falar com rodeios





A condição humana, Magritte




Os menores tornaram-se crianças e jovens.   
Os ladrões, gatunos ou larápios passaram a amigos do alheio.   
Os pretos tornaram-se negros, pessoas de cor e africanos.   
Os velhos passaram a idosos, anciãos, terceira idade, seniores e senadores. 
Interditos e inabilitados são agora beneficiários ou acompanhados. 
O seu interrogatório (estigmatizante?) passou a audição.
O tutor é acompanhante.   
O marido passou a esposo, cônjuge e parceiro.
A mulher passou a esposa, cônjuge e parceira.     
As hospedeiras são assistentes de bordo.   
Os cegos passaram a invisuais.  
Carecas a calvos.  
Os gordos a obesos.   
Carecas, cegos, desdentados, surdos e mudos a portadores de deficiência.          
O chumbo passou a reprovação, eliminação, exclusão, não admissão e retenção. 
A aprovação a admissão, aceitação, integração e inclusão.
O patrão tornou-se chefe e empregador. 
O trabalhador passou de subordinado a colaborador.      
Os despedidos passaram a dispensados, colaboradores dispensados ou cessantes. 
Professor passou a docente.    
Aluno a estudante e discente.
Destruir a descartar.   
Casas de pasto a restaurantes.   
Retrete a casa de banho e sanitários.  
O sexo passou a género.
Prostitutas, prostitutos, gigolos, poliamores a trabalhadores de sexo.  
Falamos com rodeios.  
Com perífrases.   
Queremos ser perifrásticos. 
Com expressões não frontais, por vezes barrocas, elitistas e tribais.  
Pretendendo ser neutras, inócuas, inofensivas, civilizadas e tolerantes. 
E politicamente corretas.   
Querendo marcar a diferença entre a barbárie e a civilização?   
Como sinal da nossa tolerância para com o Outro?  
Ou pelo medo de usar palavras que se convencionou serem minimais e estigmatizantes?  


Joaquim Miguel de Morgado Patrício 

Crónicas Plurais, in Raiz e Utopia - Centro Nacional de Cultura

14.05.2019 


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