quarta-feira, 6 de abril de 2022

 

















Editorial

Famílias forçadas a deixar as suas casas devido à guerra, campos de refugiados improvisados nas periferias das cidades, sobreviventes de perigosas travessias marítimas – os meios de comunicação habituaram-se a banalizar imagens de migrantes, que muitas vezes são reduzidos a um arquétipo da desgraça contemporânea. Essas notícias refletem situações muito reais, como as vivenciadas atualmente por civis que tentam fugir do Afeganistão. 
Contudo, o lado trágico da migração está longe de resumir a realidade complexa, multifacetada e em constante transformação desse importante fenómeno do século XXI. Em 2020, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) estimou que o número de migrantes internacionais em todo o mundo era de 272 milhões. Essas pessoas deixaram seus países de origem para fugir da violência, de desastres naturais ou dos efeitos da mudança climática – mas também para estudar, trabalhar e começar uma nova vida em outro lugar. 
Esse número, que continua a aumentar, muitas vezes é explorado por aqueles que o utilizam como arma política, para argumentar que os migrantes – bodes expiatórios convenientes para os medos e as frustrações das comunidades de acolhimento – representam uma ameaça real. Esses medos são exacerbados durante uma pandemia, alimentados por noções pré-concebidas e preconceitos sobre os migrantes, que servem para obscurecer dados bem estabelecidos – em particular que os movimentos populacionais ocorrem principalmente entre países de baixo e médio rendimento, e que quase metade de todos os migrantes não cruzam fronteiras.
Esses preconceitos também alimentam a rejeição, o racismo e até a discriminação contra os recém-chegados. As mulheres são especialmente penalizadas. A UNESCO criou a Coligação Internacional de Cidades Inclusivas e Sustentáveis (International Coalition of Inclusive and Sustainable Cities –ICCAR) justamente para estimular a convivência e reduzir esse tipo de discriminação.
A Organização também faz questão de nos lembrar que, por trás de estatísticas puras, existem milhares de destinos humanos, inúmeras histórias – por vezes terríveis, muitas vezes felizes – e a riqueza de uma mistura cultural que faz parte das nossas vidas e da nossa história coletiva. 
O termo migração ainda significa alguma coisa nas nossas sociedades globalizadas, que são caracterizadas por uma intensificação de trocas e viagens, onde “outro lugar” está agora ao alcance de muitas pessoas? Em Le Métier à métisser, o escritor haitiano René Depestre convida-nos a repensar a própria noção de exílio: “O processo de globalização é uma chamada de atenção para tornar desatualizada e obsoleta a crença de que, para se ter uma identidade, é preciso ficar em casa, sentindo o aroma do café da nossa avó”.
Agnès Bardon


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