domingo, 27 de fevereiro de 2022

A HELPO e os meninos de Cabo Delgado

 


A "Escola do Caminho Longo"




Linha da Frente. Escola do Caminho Longo|Ep.2. 27 Jan. 2022


Quando se nasce em Moçambique, o caminho para a escola é feito de curvas apertadas, encruzilhadas e becos sem saída. São as mãos que fazem falta na machamba e a falta que as escolas fazem no país. São os pais que não estudaram, os casamentos precoces e as gravidezes prematuras.  São os irmãos mais novos que precisam de colo e o ensino que, a partir do secundário, é caro e longe para quase todos. Aqui, quanto mais se estuda, mais difícil é estudar.

Desde 2008 que a Helpo está no país a ajudar a remover estes e tantos outros obstáculos.  A abrir caminhos para que mais crianças cheguem à escola.

Os conflitos armados no norte de Cabo Delgado destruíram casas, escolas e vidas.  Fizeram milhares de crianças dispersar por caminhos desconhecidos até ao sul.

E fizeram a Helpo tornar sua nova missão encontrá-las. É o que já conseguiu fazer com muitas. E continua, em busca das muitas mais. Crianças e adolescentes com longos percursos em tão curtos anos de vida.


Audácio, 8 anos – 2ª classe



Audácio é primeira sorte. Filho primogénito. Gosta de arroz, massa e chima. A mamã Telma estava a cozinhar um dos seus pratos favoritos quando os terroristas entraram na aldeia de Muambula.

Ao abrigo do mato, não se alonjaram. Trouxeram apenas o tapete da sala como conforto. A esperança era de conseguirem voltar. Durante quatro noites, o pai abrigou-se nas trevas para espreitar a aldeia. E foi em quatro noites que a esperança morreu e nasceu novo plano: ir a pé até Mueda.

Quando dispararam, o papá ouviu e fugimos

Lá teriam forma de chegar a Pemba. Longe, seguro e onde havia um pequeno terreno em seu nome. Aqui, no bairro da Expansão onde vivem hoje, já fizeram casa de canas e chapa. Até o tempo e o dinheiro chegarem para construir uma de tijolos e cimento.

As três primeiras noites foram passadas com toda a família aninhada no mesmo tapete debaixo de um cajueiro. Único teto que tinham. Depois um vizinho emprestou uma divisão. E por  lá se arrumaram até terem paredes a que chamarem suas.

O Audácio já está na 2ª Classe. No Colégio Tempo de Alegria. Filho de professores encontra sempre o caminho de volta à escola. Mesmo que tenha que percorrer mais de 350 quilómetros. 

Num país onde tudo se carrega sobre a cabeça, Audácio traz quase tudo dentro da sua. É lá que transporta o abecedário, as contas de multiplicar, as três línguas que fala e um medo do escuro que não sabe contar. No coração traz sempre Carmen, a irmã mais nova. “Quando estou na escola fico com saudades dela.”


Conheça 8 dos 20 relatos de fuga de crianças de Cabo Delgado na Visão.

Maria João Venâncio (Texto) e Luís Godinho (Fotos)

Visão | Os relatos na primeira pessoa e as histórias de dor e de superação das crianças de Cabo Delgado. (2021). Retrieved 1 March 2022, from https://visao.sapo.pt/atualidade/mundo/2021-11-18-os-relatos-na-primera-pessoa-e-as-historias-de-dor-e-de-superacao-das-criancas-de-cabo-delgado/?fbclid=IwAR3wTcQl8IERRJFyOoITvqhanyMhxsOTZIWznfLt3XUJ7WpGsNYftcG1QFc#&gid=0&pid=2


📌A escritora Maria João Venâncio e o fotógrafo Luís Godinho realizaram uma viagem ao norte de Moçambique, em julho de 2021, para conhecer a dramática realidade dos mais de 800 mil deslocados, metade dos quais são crianças, que fogem dos ataques armados em Cabo Delgado. O seu trabalho deu origem a uma exposição, patente no Museu dos coches até dia 6 de fevereiro.


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