segunda-feira, 21 de junho de 2021

Cinema do mar com orquestra

 


Neste filme de Leitão de Barros evidencia-se o sentido plástico do realizador no olhar que impõe sobre os rostos das gentes da Nazaré



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o final ficarão digitalizados 10 mil minutos de cinema português relacionado com a temática do mar; para já são 106 os que vamos poder ver. Exibe-se uma cópia digital restaurada de “Maria do Mar”, de Leitão de Barros (1930), acompanhada ao vivo pela Orquestra Sinfonietta de Lisboa, sob a direção de Vasco Pearce de Azevedo, que interpretará a música original composta por Bernardo Sassetti para o filme em 1999. Ao piano estará Francisco Sassetti, com Filipa Pais na voz. É o primeiro evento público do projeto FILMar, uma iniciativa com verbas do programa europeu EEA Grants, financiado por três países extracomunitários — Islândia, Liechtenstein e Noruega —, que se propõe digitalizar e divulgar uma quantidade importante de filmes. A sessão sublinha uma dimensão essencial do FILMar: a devolução dos filmes à comunidade. A preservação e a digitalização só fazem sentido se as obras ganharem um ímpeto de divulgação junto do público, o que será feito através de sessões especiais, como a que acontece neste sábado, e em edições em DVD. A de “Maria do Mar” está a ser ultimada para sair ainda este ano.

Este filme de Leitão de Barros marca, com “Douro Faina Fluvial”, de Manoel de Oliveira, uma transição importante no caminho do cinema português. Situado mesmo no fim do período mudo, incita uma notória modernidade formal, antes de tudo no modo como miscigena a ficção (utilizando atores profissionais) com o pendor documental. Evidencia-se o sentido plástico do realizador no olhar que impõe sobre os rostos das gentes da Nazaré e na composição dos planos, irrompe um sopro de lubricidade no modo como a câmara indaga os corpos das mulheres jovens, há um ritmo na montagem que mostra a consciência da linguagem cinematográfica. Tudo isto acontece sobre um fio de história em tom de melodrama bastante mais convencional do que a forma como é filmada.

A música de Bernardo Sassetti acrescenta modernidade ao filme. Embora recorra a temas que ecoam antigos reconhecimentos, fá-lo numa dimensão de quase olvido, como se pairassem e só existissem deveras num passado que passou. A banda sonora sublinha o carácter fantasmático que todo o cinema mudo agora tem face aos nossos hábitos audiovisuais, o que serve sobremaneira a pujança da obra de Leitão de Barros, até porque rasura algumas das suas insuficiências.


Jorge Leitão Barros. "Culturas", in Expresso Semanário#2537, de 11 de junho de 2021

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