segunda-feira, 1 de março de 2021

Reencaminhado do Whatsapp para o Signal











PODEM CONTROLAR AS REDES SOCIAIS À VONTADE. O NEGACIONISMO E AS FAKE NEWS JÁ ASSENTARAM NAS APPS ENCRIPTADAS

A

ideia inicial era contar uma história relativamente simples. E que rezava assim: há uns tempos, o Facebook comprou o WhatsApp por uma pipa de massa, alguns 22 mil milhões de dólares, e agora decidiu que estava na hora de rentabilizar a aplicação de mensagens. Nesta altura do campeonato já sabemos que o sr. Zuckerberg não é propriamente um santinho e que, na senda de fazer dinheiro, é capaz não de vender a sua alma — essa já foi há muito— mas as nossas, sob de forma de dados, ou então de colocar os tais algoritmos a manipular-nos e o que mais for possível que já vimos em documentários-choque. Mas a questão é que desta vez ficou a saber-se, oficialmente, que o Facebook ia absorver os dados pessoais dos utilizadores do WhatsApp, para ser feita uma superapp para que Zuck subisse mais uns degraus da sua escada de domínio planetário. E disse neste tom: ou aceitam ou podem ir-se. E aconteceu algo inesperado. Uma onda de indignação seguida de tsunami de abandono do WhatsApp para outras aplicações que também dizem garantir uma comunicação encriptada ponto a ponto, ou seja, supostamente impossível de ser captada por terceiros. Se isto acabasse assim, até era uma história gira. Aquilo tem 2 mil milhões de utilizadores pelo mundo. Foi considerada um perigo — basta ver o que os relatórios internacionais disseram sobre as eleições no Brasil e o seu papel determinante na disseminação de fake news na eleição de Bolsonaro. Mas isto tem mais que se lhe diga.

A ordem que me tem chegado pelos utilizadores do WhatsApp é para abandonar o WhatsApp. Não é fácil. Está-se muito habituado. Os grupos de amigos, de trabalho, de política, de “verdade” — sim, é por ali que hoje já vem muita informação que “não há em mais lado nenhum”. Sem falar das anedotas, dos memes, filmes, bonequinhos cada vez mais pacholas que se reencaminham. Como largar as videochamadas, as mensagens áudio? É uma app total. Apagá-la? Hum... As duas aplicações concorrentes galgaram para os lugares cimeiros de downloads. Duplicaram, triplicaram, e as suas ações subiram a pique. Elon Musk e Edward Snowden aconselharam a Signal. Já a Telegram anda por aí há anos e teve uma explosão de seguidores. A Viber, a minha favorita, é de nicho, mas também cresceu. As massas clamam por aplicações, encriptadas, e querem privacidade. Que avanço. Faço notar que a Telegram é o que se chama uma “app de bandido”. Há um, dois anos, dava para desconfiar de quem a tivesse instalada. Era como ter uma soqueira de metal no bolso. Estranho. Para que é que alguém queria uma aplicação que sai do radar das autoridades? A favorita do ISIS, dos grandes barões da droga, das redes de prostituição? Para mais, não sei se é verdade, consta que a PJ de cá já tem um software israelita que permite cavar as mensagens do WhatsApp. Logo, nada como ter a Telegram, topas?

Nestas semanas tem-se assistido a uma guerra de marketing entre Signal, Telegram e WhatsApp. A primeira a gabar-se que é sempre encriptada por default e não tem de ir para salas secretas como a outra. A Telegram a alertar que já tem 500 milhões de utilizadores e que é treta que seja uma “app russa”, pelo contrário, o criador teve de fugir do regime de Putin. O WhatsApp a tentar parar a hemorragia e, já sem arrogância, a assegurar que não vai sacar dados pessoais (há quem diga que o Facebook já o fez há muito). O que sai daqui? Há uma apetência muito grande por aplicações encriptadas onde se criam grupos às vezes com muitos milhares de pessoas e que são fechados. E isto é mau? Tem os seus problemas, tem.

Por mais que se queira agora regular o Facebook ou o Twitter e todas as redes sociais convencionais, controlar as fake news ou a desinformação ou o alastrar de teorias de conspiração ou o modo como se transformam pacatos cidadãos em terroristas, isso é impossível nestas apps. O grosso da propaganda de desinformação vai passar a ser encriptada e ficará fora do alcance não só das autoridades como de quem estuda estes movimentos, as alterações comportamentais, as dinâmicas ideológicas. Após o ataque ao Capitólio, nos EUA, a ideia foi tirar as plataformas digitais aos movimentos radicais. Até a rede social Parler, que albergava extremistas, foi banida pela Google e pela Apple. E eles criaram grupos no Telegram com milhares de pessoas, controlam a mensagem e são inacessíveis a olhares exteriores. Não se sabe o que lá se passa, a não ser que haja um “infiltrado”. Nem lei nem Academia lá chega. Antes, qualquer pessoa podia ler os posts do FB. Também a família Bolsonaro já migrou parte da sua tropa para o Telegram. Um estudo que conseguiu analisar as mensagens deste janeiro reduziu-as a três termos: negacionismo, fake news e autopromoção. O mesmo que no WhatsApp? Sim, mas cada vez mais desbragado e fora do real.

E chego onde queria chegar. A disseminação de aplicações encriptadas vai ter um efeito que já se consegue antever. No momento em que tentarem regular de forma musculada os conteúdos dos Facebooks e dos Twitters no combate às fake news e desinformação ou mesmo desmembrar as empresas big tech, uma parte substancial dos alvos já estará noutro local, a receber essa “informação” via estas aplicações em grupos encriptados. Aliás, muitos até recebem jornais e revistas sérias, de borla, do mundo inteiro, no Telegram. Só para desenjoar, acho.

PS: Por não serem passíveis de controlo, parece que os ataques do “povo” a Wall Streat iniciados no reddit são agora organizados via grupos Telegram. Vai correr tudo bem...

Luís Pedro Nunes. E-Revista Expresso. Semanário#2519, 05.02.1021



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