domingo, 29 de março de 2020

Somos animais num mundo de germes




“Faça do alimento a sua medicina, e da medicina o seu alimento”- Hipócrates








Mãe, não gosto das batatas. Come só o morcego!



Somos animais num mundo de germes. E os vírus, essa coisa tão simples, no limite do vivo e não vivo, transmitem-se entre animais, têm mutações, procuram novos hospedeiros para se reproduzir. É o que é



Conforme muita da nossa saúde provém de uma boa alimentação, também boa parte dos nossos problemas de saúde tem origem no nosso consumo alimentar: por exemplo químicos, fungos, bactérias ou… vírus.

Episódios pandémicos sempre existiram… A palavra vem do grego (pan=tudo+demos=povo) e falavam por experiência própria: no séc. V AC, a Febre Tifoide dizimou 1/4 do exército ateniense no Egipto… Igualmente o Império Romano esteve a braços com este fenómeno, tendo no séc. III AC, a Peste de Cipriano chegado a todas as províncias e a matar 5 mil pessoas/dia em Roma… Na Idade Média, ficou famosa a Peste Negra que dizimou de 1/4 a 1/3 da população europeia… Mais recentemente, Gripe (incluindo os milhões de mortos da bem conhecida gripe espanhola), Tifo, Cólera, tiveram inúmeros e graves episódios…

Hoje, com o novo coronavírus, vivemos novo pesadelo.

Somos animais num mundo de germes. E os vírus, essa coisa tão simples, no limite do vivo e não vivo, algo minúsculo que conhecemos há pouco mais de 100 anos (o conceito é de 1898, mesmo a teoria microbiana das doenças, é de Pasteur em meados do sec… XIX), transmitem-se entre animais, têm mutações, procuram novos hospedeiros para se reproduzir. Enfim buscamos todos o mesmo: viver…

Porque é que isto acontece? Vejamos: O porco come de tudo? O tubarão é o caixote do lixo dos oceanos? Ora a espécie com maior espectro alimentar da história da vida é… O Homo sapiens!

Mas não é a mesma coisa comprar um bife no supermercado, de um animal doméstico, criado, morto, acondicionado, transportado e vendido debaixo de um apertado conjunto de normas, ou ir às compras ao mercado de Wuhan. Neste, como em centenas de outros mercados de animais selvagens chineses, por entre gaiolas ferrugentas, chão ensanguentado, enxames de insectos e cheiro pestilento, vendem-se mortos ou vivos de ratos a cães, de cobras a morcegos. Animais caçados e transacionados ilegalmente, muitos de espécies ameaçadas, quer para fins alimentares, quer para a medicina tradicional chinesa (da qual por estes dias ninguém se lembrará de pedir socorro).

Se há coisa que não podemos dizer é que desconhecíamos o perigo. Vários têm sido os avisos. Por exemplo num estudo de 2007 de Vincent et al. publicado na revista da American Society for Microbiology podíamos ler: «A presença de uma grande reserva de vírus do tipo SARS-CoV em morcegos-ferradura, juntamente com a cultura de comer mamíferos exóticos no sul da China, é uma bomba-relógio. A possibilidade de reemergência da SARS e outros vírus novos de animais ou laboratórios e, portanto, a necessidade de preparação não deve ser ignorada».


Esta é, novamente, altura de relembrar a importância da padronização e internacionalização de regras básicas de segurança e higiene. Estes mercados, em 2003, no auge da epidemia SARS, foram proibidos. No entanto, o tempo passa, a memória perde-se, as regras somem-se. Por estes dias o governo chinês voltou à proibição. Até quando?

João Adrião. Mãe, não gosto das batatas. Come só o morcego. In Jornal Observador, 29 de março de 2020

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