terça-feira, 28 de novembro de 2023

Escola a ler... Contra a violência de género | 8º

 

 

27 de novembro, Dia laranja



Condenada à morte, de Antonella Napoli, foi o livro selecionado pela Biblioteca como proposta de leitura em voz alta pelos alunos das turmas do 8º ano.
 
 
 
 EXCERTO:

  Meriam entrou na sala de audiências em passo lento. As correntes mordiam-lhe os tornozelos, já lacerados durante a longa detenção, e produziam um ruído sinistro, semelhante a um lamento. Mas avançava de cabeça erguida, com um olhar firme e decidido.
  Quando se sentou no banco dos réus, lançou um olhar em direção à cadeira mais elevada, aquela onde se erguia a figura daquele que dali a pouco ia decidir a sua existência. O juiz do tribunal periférico de Cartum, Abbas Mohammd Al-Khalifa, tinha uma expressão hostil que confirmava a fama de magistrado intransigente e severo, o mais cruel da capital.
  - Adraf Al Hadi Mohammed Abdullah – perguntou, em tom depreciativo, tratando-a pelo seu nome islâmico – que tens a dizer?
  - O meu nome é Meriam, meretíssimo, e não tenho nada a acrescentar àquilo que já declarei – respondeu com uma voz calma e clara. – Sou uma ortodoxa praticante e não cometi apostasia, uma vez que nunca conheci outra religião para além da cristã.
  Sabia que podia pagar um preço altíssimo por aquelas palavras, mas a voz da consciência era demasiado forte para calar. Já tinha aprendido a dominar o medo, a suportar ameaças e humilhações, estava quase habituada. Por outro lado, o processo tinha assumido uma péssima orientação desde o início, não era mais do que o culminar de uma perseguição iniciada alguns meses antes, quando uns supostos parentes do pai, de quem Meriam não recordava sequer o nome, a tinham denunciado porque, apesar de ser muçulmana, se tinha casado com um cristão. Afirmavam que o seu verdadeiro nome era Adraf Al Hadi Mohammed Abdullah e que o tinha mudado depois de ter abandonado a família e de se ter convertido.
  Os seus advogados tinham pedido ao juiz para ouvir algumas testemunhas que falassem em sua defesa, prontas para desmentir a tese dos acusadores, mas o pedido não foi aceite. Durante todo o debate não foi admitida nenhuma testemunha a seu favor.
  - Foram-te concedidas setenta e duas horas para regressares ao Islão, mas não quiseste aceitar a benevolência dos teus irmãos muçulmanos. Por isso, mereces ser enforcada.
  As palavras do magistrado ecoaram na sala e tiveram repercussão nos rostos aterrados dos presentes. Meriam voltou-se para os advogados, depois olhou para Daniel. Permaneceu impassível, enquanto o rosto do marido se enchia de lágrimas. Ela não, não conseguia chorar. Observava um juiz, olhava-o diretamente nos olhos.

NAPOLI, Antonella – Condenada à morte. Lisboa: ASA, 2015, pp. 13-15. ISBN 9789892333670

 

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