sábado, 26 de novembro de 2022

Escola a ler... Contra a violência sobre mulheres e meninas (2)

 

 






 

 

 

 

 

 

 

Glosa em torno de um mote camoniano. Poema de António Cabral


Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura:
Vai formosa e não segura.


Se tivesse umas chinelas
iria melhor...; mas não:
com dinheiro das chinelas
compra um pouco mais de pão.
Virá o dia em que os pés
não sintam a terra dura?
Leonor sonha de mais:
vai formosa e não segura.


Formosa! Não vale a pena
ter nos olhos uma aurora
quando na vida – que vida! –
o sol se foi embora.
Se os filhos se alimentassem
com a sua formosura...
Leonor pensa de mais:
vai formosa e não segura.


Há verduras pelos prados,
há verduras no caminho;
no olmo de ao pé da fonte
canta, livre, um passarinho,
Mas ela não canta, não,
que a voz perdeu a doçura.
Leonor sofre de mais:
vai formosa e não segura.


Porque sofre? Nunca soube
nem saberá a razão.
Vai encher a talha de água,
só não enche o coração.
Virá um dia... virá...
Os olhos voam na altura
Leonor não anda: sonha.
Vai formosa e não segura.


António Cabral


Texto selecionado para leitura em sala de aula.

 

 

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