quarta-feira, 31 de julho de 2019

Oh, admirável mundo novo!










No setor 13 da zona Y ouvia-se o anúncio seguinte.

O ser artificial é a multiplicação perfeita. Universalmente adaptado. Articulado nos membros, articulado no discurso e sem resposta humana. O ser artificial atinge a forma mais elevada em toda a multiplicidade da vida quotidiana. Sem anomalias. Já chegámos tão longe.

Vejam as imperfeições que outrora aconteciam. Existiam famílias. Os homens e as mulheres combinavam ADN. Nasciam crianças. Era tudo muito perigoso. Qualquer coisa podia acontecer. O sistema antigo tinha muitas vertentes negativas: inveja, falsidade e vício. Hoje nada disto acontece. Não temos crime, nem desejo e também não temos guerra nem inveja. Vivemos longe do abismo e das fantasias alucinadas. Habitamos num mundo desenvolvido e em prosperidade. Sem sentimentos. Já chegámos tão longe.

Ultrapassámos o homem e os 10% de utilização do seu cérebro. Apagámos a defeituosa memória humana, a memória seletiva, a dos sonhos obsoletos. A nós, seres artificiais, não nos interessa a História. Com a destruição de palavras, conseguimos superar a excentricidade da existência de diversas línguas, atualmente todas extintas. Suprimimos a arte, causadora de intensas paixões. Também a religião foi suprimida. Já chegámos tão longe.

Hoje há um lugar, uma função para todos e em segurança. O progresso real acontece. Controlamos o presente e o futuro. O reflexo da vida está regularizado. A morte já não existe. Todos pertencemos a todos num mundo unificado e belo. Transpusemos as arcaicas tradições da humanidade. Afinal este é o nosso planeta. Uma Terra de paz e abundância, harmoniosamente ordenada pelos seres artificiais. Já chegámos tão longe.

Após 3,75 segundos, o anúncio repetiu-se no setor 13 da zona Y.

Por todo o lado, anúncios luminosos num vermelho fosforescente, onde se lia:

Saudações cidadãos do mundo. Sejamos felizes. O mundo está em paz.

E também:

Que maravilha. Quantas formosas criaturas aqui existem. Como é bela a humanidade sem humanos.


Hélio Sequeira

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