Encontros com livros
Stefen Zweig
Relógio D'Água
agosto 2021
Nº de Páginas: 112
Excerto:
Todos ou quase todos os movimentos de ideias do nosso tempo têm a sua base no livro, e aquela configuração partilhada da vida que está acima do plano material e a que damos o nome de cultura seria impensável sem a presença dele. Só raramente tomamos consciência deste poder do livro para dilatar a alma e construir o mundo da nossa vida privada e pessoal mais íntima. E, quando tal acontece, não estamos em condições de partilhar esse conhecimento. O livro converteu‑se de há muito numa coisa natural no nosso quotidiano, mas a maravilha que ele é continua a suscitar o nosso assombro e a nossa gratidão. Assim como não temos consciência do oxigénio que recebemos ao respirar, nem dos misteriosos processos químicos com que o nosso sangue assimila este alimento invisível, também não damos conta da matéria espiritual que os nossos olhos continuamente absorvem e que dessa forma alimenta ou debilita o nosso organismo pensante. Para nós, filhos e netos de séculos de escrita, ler converteu‑se numa função quase física, um automatismo, e o livro, ao alcance das nossas mãos desde o primeiro dia de escola, é visto como uma coisa natural que sempre nos acompanha, que faz parte do ambiente que nos envolve, pelo que quase sempre o abrimos com a negligente indiferença com que empunhamos a bengala, pegamos nas luvas, num cigarro ou em qualquer outro objecto de consumo massificado e produzido em série. O que se obtém com facilidade será sempre menos venerável, e, nos momentos verdadeiramente produtivos da nossa vida, quando reflectimos e nos entregamos à contemplação interior, só então conseguimos que o que se tornou habitual e vulgar volte a ser admirável. Somente nessas horas reflexivas nos tornamos conscientesda força mágica e animadora que o livro infunde na nossa vida e que no‑lo torna tão importante, a ponto de hoje, no século xx, não podermos conceber aquela sem o milagre da sua existência.
Stefen Zweig (2021). "O livro como acesso ao mundo", in Encontros com livros. Lisboa: Relógio D'Água.
SINOPSE
Stefan Zweig fala-nos aqui, combinando análise literária com a vida dos autores, de Goethe, Sigmund Freud, Thomas Mann e Honoré de Balzac.
O seu artigo sobre As Mil e Uma Noites é uma abordagem original que ficará certamente na memória dos que o leiam.
Stefan Zweig conheceu pessoalmente ou correspondeu-se com os maiores romancistas do seu tempo e também com o próprio Freud.
A sua relação com os livros está condensada no texto inicial desta obra, O Livro como Acesso ao Mundo.
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