Na área de exposições da Biblioteca
“Vivi, olhei, li, senti, Que faz aí o ler, Lendo, fica-se a saber quase tudo, Eu também leio, Algo portanto saberás, Agora já não estou certa, Terás então de ler doutra maneira, Como, Não serve a mesma para todos, cada um inventa a sua, a que lhe for própria, há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam pegados às página, não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar à outra margem, a outra margem é que importa, A não ser, A não ser, quê, A não ser que esses tais rios não tenham duas margens, mas muitas, que cada pessoa que lê seja, ele, a sua própria margem, que seja sua, e apenas sua, a margem a que terá que chegar…”
José Saramago, A Caverna
A tristeza lusitana
A tristeza lusitana
Embala-a o choro do mar
E às vezes tem um sorriso
Irmão-gémeo de chorar.
Tristeza antiga
Tristeza amiga
Do nosso luar.
Tristeza de Portugal
Baixo e terno soluçar
A tristeza que é só nossa
Tristeza nossa
Nem por flores, nem riquezas,
Nem por prendas sem igual
Ninguém trocar-te quisera
Tristeza de Portugal
Nossa somente
Doce mal
Só de quem sente
Mais suavemente
Que outro qualquer.
Tristeza como a tristeza
D’algum leve passarinho
Que chora co’o coração
E aos pobres diz «coitadinho»
Tristeza imensa
Terna e intensa
Do Algarve ao Minho.
Tem saudade, e saudades
Só as sente e mais ninguém
Quem tem aquela palavra
Para dizer que as tem
O povo de Portugal
Doa ou não ao seu mal
Só ele o conhece bem.
Ó mar que morres na praia
Acasos mortos no mar
Talvez que cantar cuideis
A alma do nosso penar.
Não sabeis, não o sentistes
Lágrimas, dores e tristezas
Só nós sabemos chorar,
A tristeza lusitana
Ninguém fala nela, não
Senão nós □ que a sentimos
Em lugar do coração.
O nosso amor
O nosso ardor
Tristeza são.
Fernando Pessoa, Poesia 1931-1935 e não datada , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2006
Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face
Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo
[em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio
Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente
Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto