sábado, 25 de fevereiro de 2017

Arlequim



Criado no século XVI, na Commedia dell’Arte italiana, o Arlequim era uma personagem que divertia o público durante os intervalos dos espetáculos.



Almada Negreiros, Arlequim e Columbina (1938)


Arlequim, Pierrô e Colombina formam um triângulo amoroso: Pierrô ama Colombina, que ama Arlequim, que deseja Colombina…


O teu beijo é tão doce, Arlequim…
O teu sonho é tão manso, Pierrô…

Pudesse eu repartir-me
encontrar minha calma
dando a Arlequim meu corpo…
e a Pierrô, minha alma!

Quando tenho Arlequim,
quero Pierrô tristonho,
pois um dá-me prazer,
o outro dá-me o sonho!

Nessa duplicidade o amor todo se encerra:
Um me fala do céu…outro fala da terra!Eu amo, porque amar é variar
e , em verdade, toda razão do amor
está na variedade…

Penso que morreria o desejo da gente
se Arlequim e Pierrô fossem um ser somente.

Porque a história do amor
só pode se escrever assim:
Um sonho de Pierrô
E um beijo de Arlequim!

Menotti del Picchia, "As Máscaras"


Ciumes


Pierrot dorme sobre a relva junto ao lago. Os cisnes junto d'elle passam sêde, não n'o acordem ao beber. 
Uma andorinha travêssa, linda como todas, avôa brincando rente á relva e beija ao passar o nariz de Pierrot. Elle accorda e a andorinha, fugindo a muito, olha de medo atraz, não venha o Pierrot de zangado persegui-la pelos campos. E a andorinha perdia-se nos montes, mas, porque elle se queda, de nôvo volta em zig-zags travêssos e chilreios de troça. E chilreia de troça, muito alto, por cima d'elle. Pierrot já se adormecia, e a andorinha em descida que faz calafrios pousou-lhe no peito duas ginjas bicadas, e fugiu de nôvo. 

De contente, ergueu-se sorrindo e de joelhos, braços erguidos, seus olhos foram tão longe, tão longe como a andorinha fugida nos montes. 

De repente viu-se cego - os dedos finissimos da Colombina brincavam com elle. Desceu-lhe os dedos aos labios e trocou com beijos o arôma das palmas perfumadas. Depois dependurou-lhe de cada orelha uma ginja, á laia de brincos com joias de carmim. Rolaram-se na relva e uniram as boccas, e já se esqueciam de que as tinham juntas... 

- Sabes? Uma andorinha... 

E foram de enfiada as graças da ave toda paixão. Pierrot contava enthusiasmado, olhando os montes ainda em busca da andorinha, e Colombina torceu o corpo numa dôr calada e tomou-lhe as mãos. 

Havia na relva uma máscara branca de dôr, e a lua tinha nos olhos claros um olhar triste que dizia: Morreu Colombina! 

Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1' 

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