sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O Outono chegou!








A palavra aos poetas


Mas quem diria ser Outono 

Mas quem diria ser Outono 
se tu e eu estávamos lá? 
(Tínhamos sono…Tanto sono! 
É bom dormir ao deus-dará…) 

E sobre o banco do jardim, 
ante a cidade, o cais e o Tejo, 
seria bom dormir assim, 
ao deus-dará, como eu desejo… 

Mas o teu seio é que não quis: 
tremeu de mais sob o meu rosto… 
Agora, nu, será feliz,
sob o afago do sol-posto...



Seria Outono aquele dia, 
nesse jardim, doce e tranquilo…? 
Seria Outono...
                       Mas havia 
todo o teu corpo a desmenti-lo.

David Mourão Ferreira, Obra Poética



Canção de Outono

No entardecer da terra,
O sopro do longo outono
Amareleceu o chão.
Um vago vento erra,
Como um sonho mau num sono,
Na lívida solidão.


Soergue as folhas, e pousa
As folhas volve e revolve
Esvai-se ainda outra vez.
Mas a folha não repousa
E o vento lívido volve
E expira na lividez.


Eu já não sou quem era;
O que eu sonhei, morri-o;
E mesmo o que hoje sou
Amanhã direi: quem dera
Volver a sê-lo! mais frio.
O vento vago voltou.

Fernando Pessoa, Semanário Ilustração Portuguesa, 1992, nº 833



Quando, Lídia, vier o nosso Outono

Quando, Lídia, vier o nosso outono 
Com o inverno que há nele, reservemos 
Um pensamento, não para a futura 
Primavera, que é de outrem, 
Nem para o estio, de quem somos mortos, 
Senão para o que fica do que passa 
O amarelo atual que as folhas vivem 
E as torna diferentes. 

Ricardo Reis, Odes (heterónimo de Fernando Pessoa) 




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