17 de março
Semana da leitura'14
Este ano letivo, uma feliz coincidência fez com que o dia 17 de março, o primeiro dia da Semana da Leitura (festejado na nossa escola com um conjunto de atividades do Dia Aberto da Leitura), seja também o Dia do Patrono, Camilo Castelo Branco.
Camilo, por Tossan
«... a admirável prosa que brinca e desassossega.»
Agustina Bessa-Luís
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Vilarinho de Samardã. Casa onde Camilo viveu com uma irmã mais velha, Carolina Rita Botelho Castelo Branco Foto de Ana Carolina Guedes (ex-aluna da Camilo) |
ESCCBVR, uma Escola com Memória
"Somos o tempo. Somos a famosa / Parábola de Heraclito, o Obscuro".
Jorge Luís Borges
100 ANOS!
Em 1914, o então designado Liceu Central de Vila Real passou a chamar-se Liceu Central de Camilo Castelo Branco. Desde essa data, Camilo passou a ser o patrono da nossa escola. Faz este ano 100 anos!
Que a nossa escola tenha o nome daquele que foi um ilustre romancista, poeta, dramaturgo, historiador da literatura, ensaísta, investigador no domínio da história, o primeiro profissional das letras em Portugal e um nome incontornável na história da prosa de ficção portuguesa, é para todos nós, comunidade educativa, uma honra e, por que não reconhecê-lo, uma responsabilidade acrescida em termos de plano de ação.
Que a Semana da Leitura, este ano subordinada aos 800 anos dos primeiros textos em língua portuguesa, coincida com a evocação daquele que é considerado um dos mestres da língua lusa, é para nós um privilégio!
Liceu de Camilo Castelo Branco desde 1914. Foto de Daniela Ramos (ex-aluna da Camilo) |
Homenagem a Camilo nas palavras de Miguel Torga. Jardim da Carreira de Vila Real. Fotografia de Daniela Ramos (ex-aluna da Camilo) |
"Seja qual for o lugar que se atribua, na literatura portuguesa, ao assombroso novelista e panfletário, ninguém pode julgar como um entusiasmo apenas passageiro o crescente culto de Camilo. Há quem estranhe que esse culto seja mais intenso que o de Camões e quem cite outras poderosas individualidades da nossa literatura, rivais da sua glória , como Herculano e Antero. Sem discutir a justiça de semelhantes reparos, o que não se pode apoucar é a impressionante grandeza
e a emoção que se desprende da obra e da vida de Camilo."
e a emoção que se desprende da obra e da vida de Camilo."
In Prefácio ao Catálogo de obras antigas e modernas, Livraria João d'Araújo Moraes, 1924
“Deixou-nos uma excecional, multifacetada, polémica e amargurada obra literária, a mais extensa e variada da Língua Portuguesa, com cerca de cento e trinta e dois títulos, distribuídos entre o drama, a poesia, o romance, a novela, o conto, o jornalismo, a polémica, os ensaios (biográficos e históricos), a crítica literária, as traduções e a epistolografia, que reflete o seu intenso percurso de vida, os lugares por onde passou, em especial o Porto, os gostos do Público: o romantismo e ultra-romantismo do início da carreira e o realismo e naturalismo do final, recursos estilísticos estes que usou sobretudo para provar aos seus detratores que os conseguia manejar melhor do que os próprios naturalistas-realistas e as exigências dos editores.
A sua grandeza, no entanto, ressalta na novela passional e como novelista urbano, apesar de não se alhear dos temas campestres aos quais conferiu um especial sentido de humanidade e um intenso perfume psicológico, que inspiraram grandes nomes da literatura portuguesa, como Abel Botelho e Aquilino Ribeiro.”
In Antigos Estudantes Ilustres da Universidade do Porto – Camilo Castelo Branco. Disponível em http://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?P_pagina=1000859
No Dia do Patrono, lembramos a sua obra...
Amor de Perdição - Memórias Duma Família
Um dos textos mais conhecidos de Camilo é, sem dúvida, Amor de Perdição, escrito, segundo afirma o autor, em quinze dias, na Cadeia da Relação do Porto.
"O autor subintitulou o romance de Memórias Duma Família. De facto, o enredo ficcional baseia-se em episódios «biográficos» de um seu tio paterno, Simão António Botelho, que efetivamente foi degredado para a India, ignorando-se porém qual tenha sido o seu fim. […]
O Amor de Perdição é porventura o romance mais popular de C.C.B., traduzido em vários idiomas (ultimamente em Cuba e em França) a adaptado ao teatro e cinema por diversas vezes."
CABRAL, Alexandre (1988). Dicionário de Camilo Castelo Branco, Lisboa: Caminho, p. 30
http://www.fnac.pt/Amor-de-Perdicao-Camilo-Castelo-Branco/a657174 |
Passamos a transcrever um excerto da "Introdução" a Amor de Perdição:
Folheando os livros de antigos assentamentos, no cartório das cadeias da Relação do Porto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a folhas 232, o seguinte:
Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e estudante na universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião de sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco; estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês. E fiz este assento, que assinei – Filipe Moreira Dias.
À margem esquerda deste assento está escrito:
Foi para a Índia em 17 de Março de 1807.
Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do leitor, se cuido que o degredo de um moço de dezoito anos lhe há de fazer dó.
Dezoito anos! O arrebol dourado e escarlate da manhã da vida! As louçanias do coração que ainda não sonha em frutos, e todo se embalsama no perfume das flores! Dezoito anos! O amor daquela idade! A passagem do seio da família, dos braços de mãe, dos beijos das irmãs para as carícias mais doces da virgem, que se lhe abre ao lado como flor da mesma sazão e dos mesmos aromas, e à mesma hora da vida! Dezoito anos!... E degredado da pátria, do amor e da família! Nunca mais o céu de Portugal, nem liberdade, nem irmãos, nem mãe, nem reabilitação, nem dignidade, nem um amigo!...É triste!
O leitor decerto se compungia; e a leitora, se lhe dissessem em menos de uma linha a história daqueles dezoito anos, choraria!
Amou, perdeu-se, e morreu amando.
É a história. E história assim poderá ouvi-la a olhos enxutos a mulher, a criatura mais bem formada das branduras da piedade, a que por vezes traz consigo do céu um reflexo da divina misericórdia; essa, a minha leitora, a carinhosa amiga de todos os infelizes, não choraria se lhe dissessem que o pobre moço perdera honra, reabilitação, pátria, liberdade, irmãs, mãe, vida, tudo, por amor da primeira mulher que o despertou do seu dormir de inocentes desejos?!
Chorava, chorava! Assim eu lhe soubesse dizer o doloroso sobressalto que me causaram aquelas linhas, de propósito procuradas, e lidas com amargura e respeito e, ao mesmo tempo, ódio. Ódio, sim... A tempo verão se é perdoável o ódio, ou se antes me não fora melhor abrir mão desde já de uma história que me pode acarear enojos dos frios julgadores do coração, e das sentenças que eu aqui lavrar contra a falsa virtude de homens, feitos bárbaros, em nome de sua honra.
Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco.
Disponível on-line em http://media.asa.pt/s_leitura/leitura_download/amor_de_perdicao_BIS.pdf, p. 23
Grandes Livros. Episódio 4. Amor de Perdição
Vinte Horas de Liteira - uma viagem de Vila Real ao Porto
Liteira e muleteiro. Domingos Sequeira (1768-1837). Desenho 25x21 cm Museu Nacional dos Coches. Disponível em http://doportoenaoso.blogspot.pt/2010_04_01_archive.html |
Em Vinte horas de liteira (romance constituído por um conjunto de dezasseis histórias publicadas no jornal Comércio do Porto), Camilo descreve uma viagem de liteira, com a duração de vinte horas, que supostamente terá feito, de Vila Real até ao Porto, António Joaquim, uma personagem ficcional, que alegadamente encontra numa estalagem no Marão e lhe dá boleia de liteira até à Cidade Invicta. As histórias são contadas por Camilo e pelo seu amigo, durante o percurso de Amarante ao Porto.
O aspeto mais curioso deste romance, bem como a ironia que o caracteriza, reside no facto de Camilo colocar na boca de uma personagem de ficção críticas à sua própria obra (reveladora da presença da consciência autocrítica e metaficcional nos seus textos e do jogo irónico com as convenções literárias de que se tecem), bem como questões relativas ao seu posicionamento estético-literário - romântico ou realista? Por outras palavras: a ficção é o palco escolhido por Camilo para responder a críticas de que sabia ser alvo.
Liteira de caixa fechada, com tejadilho de couro, atrelada a dois machos arreados à moda mediterrânica e conduzida por dois liteireiros (um a pé e outro a cavalo). Museu Nacional dos Coches. Disponível em http://doportoenaoso.blogspot.pt/2010/04/os-transportes-terrestres-no-inicio-do.html
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Ha poucos annos que eu jornadeava de VillaReal para o Porto, e cheguei, quebrado de corpo e alma, a uma póvoa escondida nos fraguedos do Marão, chamada Ovelhinha. O rocim, que me alli trouxera, ganhara pulmoeira na subida da serra, de maneira que, na assomada onde chamam “as rodas», os bofes arquejavam-lhe com tal ímpeto, e encavernada tosse, que não ha ahi cousa triste que mais diga!
Quando desçavalguei, na Ovelhinha, devolvi o garrano ao proprietário, e procurei quem me alugasse cavalgadura, menos poitrinaria, até Amarante. Voltando á estalagem, achei uma liteira parada, que chegara n'aquelle ponto. Perguntei ao liteireiro se ia de retorno. Respondeu-me que levava patrão. Contemplei a liteira com mágoa e inveja, principalmente, quando a eguasinha gallega, que eu ajustara, começou a espirrar uma tosse mais que muito significativa de pulmoeira e mormo real.
N'esta cogitação me surprehendeu o inquilino da invejada- locomotiva. O' raio de luz!.. ó bafagem de esperança que me vens perfumada do p-raizo terreal!.. Era o meu amigo António Joaquim I
— Tu aqui! ? — exclamou elle da janella da estalagem.
— Eu aqui... e tu?!
— Eu também aqui n'este orco, n'este vestibulo do inferno! Para onde vaes ?
— Para o Porto, se me levarem.
N'esta cogitação me surprehendeu o inquilino da invejada- locomotiva. O' raio de luz!.. ó bafagem de esperança que me vens perfumada do p-raizo terreal!.. Era o meu amigo António Joaquim I
— Tu aqui! ? — exclamou elle da janella da estalagem.
— Eu aqui... e tu?!
— Eu também aqui n'este orco, n'este vestibulo do inferno! Para onde vaes ?
— Para o Porto, se me levarem.
BRANCO, Camilo Castelo (1864). Vinte Horas de Liteira, Porto
Poema, Camilo Castelo Branco, 1853. BNP Esp. N23/3. Disponível em http://acpc.bn.pt/imagens/colecoes/n23_castelo_branco_camilo.jpg |
OS MEUS AMIGOS
Amigos, cento e dez, ou talvez mais,
Eu já contei. Vaidades que eu sentia:
Supus que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais!
Amigos, cento e dez! Tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia
Que, já farto de os ver, me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.
Um dia adoeci profundamente. Ceguei.
Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quasi rotos.
Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego não nos pode ver.
- Que cento e nove impávidos marotos!
Eu já contei. Vaidades que eu sentia:
Supus que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais!
Amigos, cento e dez! Tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia
Que, já farto de os ver, me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.
Um dia adoeci profundamente. Ceguei.
Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quasi rotos.
Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego não nos pode ver.
- Que cento e nove impávidos marotos!
“Abri meu coração às mil quimeras;
Encheram-mo de fel, e tédio, e alma,
Tive, em paga do amor, riso de infama…
Ai!, pobre coração!, quão tolo eras!
Encheram-mo de fel, e tédio, e alma,
Tive, em paga do amor, riso de infama…
Ai!, pobre coração!, quão tolo eras!
Dobrei-me da razão às leis austeras;
Quis moldar-me ao viver que o mundo ama
O escárnio, a detracção me suja a fama,
E a lei me pune as intenções severas.
Quis moldar-me ao viver que o mundo ama
O escárnio, a detracção me suja a fama,
E a lei me pune as intenções severas.
Cabeça e coração senti sem vida,
No estômago busquei uma alma nova
E encontrá-lo pensei… Crença perdida!
No estômago busquei uma alma nova
E encontrá-lo pensei… Crença perdida!
Mulher aos pés o coração me sova;
Foge ao mundo a razão espavorida;
E por muito comer eu desço à cova!”
Foge ao mundo a razão espavorida;
E por muito comer eu desço à cova!”
BRANCO, Camilo Castelo (1988). Coração, cabeça e estômago. Lisboa: Europa-América.
- Ler com Camilo
Trabalho de um ex-aluno da Camilo |
Comédia humana
Literatos! Chorai-me, que eu sou digno
Da vossa gemebunda e velha táctica!
Se acaso tendes crimes em gramática,
Farei que vos perdoe o Deus benigno.
Demais conheço a prosa inflada, enfática,
Com que chorais os mortos; e o maligno
Desafecto aos que vivem… Não me indigno…
Sei o que sois em teoria e em prática.
Quando o avô desta vã literatura
Garret, era levado á sepultura,
Viu-se a imprensa verter prantos sem fim…
Pois seis dos literatos mais magoados,
Saíram, nessa noite embriagados,
Da crapulosa tasca do Penim.
Literatos! Chorai-me, que eu sou digno
Da vossa gemebunda e velha táctica!
Se acaso tendes crimes em gramática,
Farei que vos perdoe o Deus benigno.
Demais conheço a prosa inflada, enfática,
Com que chorais os mortos; e o maligno
Desafecto aos que vivem… Não me indigno…
Sei o que sois em teoria e em prática.
Quando o avô desta vã literatura
Garret, era levado á sepultura,
Viu-se a imprensa verter prantos sem fim…
Pois seis dos literatos mais magoados,
Saíram, nessa noite embriagados,
Da crapulosa tasca do Penim.
BRANCO, Camilo Castelo (1890). Nas Trevas - Sonetos, Sentimentos e Humorísticos, Lisboa: Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão.
Programa da Semana da leitura'14
- Traz um livro contigo!Programa da Semana da leitura'14
ATIVIDADES PARA O DIA ABERTO DA LEITURA
- Concursos de fotografia (regulamentos neste blogue e na página da BE) :
- “Leitura em locais improváveis“ (concurso promovido pela BE)
- “Selfies a Ler “ (concurso promovido Bibliofilmes )
- “A minha escola dava um filme” (concurso de fotografia e vídeo promovido pela UTAD)
- Two+3=aLer+!
- Two+3=aLer+!
- Ler com Camilo