quarta-feira, 20 de março de 2019

O Direito e a Poesia



+ Leitur@s






Por todas as perfeitas comunhões, queria dar-te Antoine de Saint Exupéry, alguma coisa esplêndida. Aceita assim, esta toalha de renda, feita pelas mãos da minha avó, essa mesma que, na capela ou na mesa das ceias dos homens, nela tem escrito que se não morre «contra», morre-se «por».
Assim dizemos que o encontro do Direito com a Poesia, em particular, constitui um vivo casamento de um «por». Direito e mão do Poeta coexistem na aproximação à verdade, na procura do interpretar o cerne das coisas.
Ao Direito pede-se, muitas vezes, ordem, enquanto à Poesia se exige transgressão. Contudo, em muitos casos, só se realiza o Direito pelas portas da transgressão, pois que a título de mero exemplo, que mais caminhos são, os dos movimentos de desobediência civil?
E é nosso dever lutar pelo Direito como se luta por um vento corpóreo que dê mais visível verdade ao poema.
Charles Chaplin, com a sua profunda sensibilidade, puxava as orelhas ao jurista que se divorciava das angústias humanas, gritando aos juízes: “não sois máquinas! Homens é o que sois!”
E grita o Poeta que reparte trigo e pão sem outra luz que não seja a de saciar a fome do justo, construindo e glosando o partir, o voltar, o ter, o deter, o calendário e o relógio dos sentires e dos percursos.
O Direito, desenvolvendo-se, geração após geração, numa caminhada sem fim, rumo ao horizonte do dever ser da ordem jurídica, pretende também levar o bem estar à humanidade, em reflexos claros que dissipem as noites dos homens na busca da tutela do jus.
Mas atentemos que a pureza gera distinção, e que a distinção gera intolerância. Porventura a centralidade do Direito e o rumo do Poeta, avaliam os núcleos da natureza das vidas que, as pessoas, numa mole estatística, não questionam, afastadas prematuramente da preocupação pela organização social e dos sentires, que minam a raiz da nossa paz.
E pode nunca haver uma verdade clara para dar aos Homens. E pode haver muitas pressas de certezas que abrem mundos sem harmonia, sem coesão social. Realmente, não é o mesmo, acarinhar a nossa liberdade, ou ter no colo, distraído, uma ditadura embalada pelo ritmo da própria vida.
Aqui chegados, há que dizer o quanto Direito e Poesia perseguem valores, filosofias, liberdades, diferentes regiões do mundo e do saber, tendo presente que maior liberdade, é maior oportunidade no assumir da responsabilidade do que nos é precioso, e atinente, à capacidade de decidir o viver como gostaríamos.
À poesia e ao Direito, também pode suceder, que se atribua uma especial importância ao processo de escolha em si mesmo para que se atinjam as realizações que visamos: isto é, pode vir a revelar-se de grande alcance, o antecipar tanto quanto possível, o saber gerir a caixa mágica que abre o mundo das relações entre Direito e Arte, alimento orgulhoso, guia para uma equidade que aproxima distâncias na fase constitucional das ideias.
É certo que o homem nunca se afastou de expor ideias para fomentar debates, nem nunca se separou da linguagem como base da expressão. De resto, a partir da leitura da clássica Poesia de Homero, os versos produzidos pelo autor, constituem rica fonte de temas para a Filosofia do Direito, ou, por outras palavras, sensibilidade à luta pela verdade, que, de muitas maneiras, define o seu próprio ritmo na criação das normas.
A harmonia evolutiva e a componente emotiva do Poeta, assistem também, deste modo, ao Direito, para que se construa no carril que vai sendo o caminho dos homens,  o ritmo prudente e arrojado do futuro, não, de um futuro estático,  antes Ilíada e  Odisseia, e também muito para lá de Rawls, nunca descurando fontes de iluminação, nomeadamente na abordagem rawlsiana da equidade fundacional.
E eis que o Poeta também tenta deixar ao poema, o evitar qualquer parcialidade na valoração do que descreve, não só pela razão da poesia, na sua sintese, mas igualmente  pela razão do justo e da verdade. Afinal, tem a Poesia tal como o Direito, uma relação intima com a religião e com a arte fundadas numa vontade esclarecedora.
E um rio tanto anda que o vão entendendo como fonte histórica, e aceitando no leito, a proposta da garantia juridica dotada de imanente ponderação. Ora, a plausibilidade dogmática de um Direito ambicioso, reside também de muitos modos subjacente ao poema,  todo ele autonomia, resposta, preocupação, atributo, colisão, legitimidade, recursos a parâmetros externos e internos de conformidades e inconformidades com os limites, ou, quando não, hábeis nas lacunas que permitem novíssimas interpretações.


M. Teresa Bracinha Vieira





Sem comentários: