quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Pessoa, D. João I e a Ínclita Geração




No seu poema lírico-épico, Mensagem, Fernando Pessoa concede destaque significativo ao primeiro rei da dinastia de Avis, à Rainha consorte, D. Filipa de Lencastre, e aos cinco filhos infantes, conhecidos como a Ínclita Geração - D. Duarte, D. Pedro, D. Henrique, D. Fernando e D. João. 




Casamento de D. João I com D. Filipa de Lencastre, 
celebrado em 1387, na cidade do Porto

Marriage John I of Portugal and Philippa of Lancaster. (British Library, Royal 14 E IV f. 284)



A Mensagem revisita e (re)cria uma mitologia do passado heróico de Portugal. É composta por 44 poemas, agrupados em 3 partes (“Brasão”, “Mar Português” e “O Encoberto”) que representam as três etapas do Império Português: Nascimento, Realização/ Morte e Renascimento/advento do V Império. 

Com exceção da figura do Infante D. Henrique, evocada em dois poemas, um na 1ª parte - BRASÃO -, e outro no poema de abertura da 2ª parte - MAR PORTUGUÊS -, os poemas relativos a D. João I e sua família situam-se todos na 1ª parte da Mensagem. São 8 poemas no total.





1º PARTE - BRASÃO
OS CASTELOS



D. JOÃO O PRIMEIRO 


O homem e a hora são um só 
Quando Deus faz e a história é feita. 
O mais é carne, cujo pó 
A terra espreita. 

Mestre, sem o saber, do Templo 
Que Portugal foi feito ser, 
Que houveste a glória e deste o exemplo 
De o defender. 

Teu nome, eleito em sua fama, 
É, na ara da nossa alma interna, 
A que repele, eterna chama, 
A sombra eterna.


D. FILIPA DE LENCASTRE 


Que enigma havia em teu seio 
Que só génios concebia? 
Que arcanjo teus sonhos veio 
Velar, maternos, um dia? 



Volve a nós teu rosto sério, 
Princesa do Santo Graal, 
Humano ventre do Império, 
Madrinha de Portugal!






AS QUINAS

D. DUARTE, REI DE PORTUGAL 


Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.
A regra de ser Rei almou meu ser,
Em dia e letra escrupuloso e fundo.

Firme em minha tristeza, tal vivi.
Cumpri contra o Destino o meu dever.
Inutilmente? Não, porque o cumpri.





D. FERNANDO, INFANTE DE PORTUGAL 

Deu-me Deus o seu gládio, por que eu faça
A sua santa guerra.
Sagrou-me seu em honra e em desgraça,
Às horas em que um frio vento passa
Por sobre a fria terra.

Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me
A fronte com um olhar;
E essa febre de Além, que me consome,
E este querer grandeza são seu nome
Dentro de mim a vibrar.

E eu vou, e a luz do gládio erguido dá
Em minha face clara.
Cheio de Deus, não temo o que virá,
Pois, venha o que vier, nunca será
Maior do que a minha alma.



D. PEDRO, REGENTE DE PORTUGAL 


Claro em pensar, e claro no sentir,
E claro no querer;
Indiferente ao que há em conseguir
Que seja só obter;
Dúplice dono, sem me dividir,
De dever e de ser –

Não me podia a Sorte dar guarida
Por não ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
Calmo sob mudos céus,
Fiel à palavra dada e à ideia tida.
                            Tudo o mais é com Deus!


D. JOÃO, INFANTE DE PORTUGAL 


Não fui alguém. Minha alma estava estreita
Entre tão grandes almas minhas pares,
Inutilmente eleita,
Virgemente parada;

Porque é do português, pai de amplos mares,
Querer, poder só isto:
O inteiro mar, ou a orla vã desfeita –
O todo, ou o seu nada.





O TIMBRE

A CABEÇA DO GRIFO: O INFANTE D. HENRIQUE

Em seu trono entre o brilho das esferas,
Com seu manto de noite e solidão,
Tem aos pés o mar novo e as mortas eras
O único imperador que tem, deveras,

O globo mundo em sua mão.




2ª Parte: MAR PORTUGUÊS

O INFANTE

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!



Para saber mais sobre a estrutura da Mensagem

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