domingo, 19 de dezembro de 2021

Embrulhar é uma arte

 



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Com o Natal à porta, começa também a corrida aos presentes. Os embrulhos, muitas vezes considerados acessórios, podem ser mais do que um simples invólucro. Podem fazer parte daquilo que se quer oferecer

TEXTO MARIA JOÃO BOURBON

I

magine que em vez de demorar três horas a escolher um presente esse tempo era dedicado a selecionar e a preparar um embrulho. É o que por vezes acontece no Japão. Na cultura nipónica, oferecer um presente é como embrulhar o coração de quem o recebe e é por isso que no país o embrulho é tão ou mais importante do que o seu conteúdo. Serve para proteger o que é precioso — e é por isso que o ideograma da palavra japonesa tsutsumu, que significa embrulhar ou empacotar, é representado por um feto dentro do útero materno.

Por cá, no mundo ocidental, o esforço é direcionado para aquilo que o papel envolve — e os embrulhos são muitas vezes um acessório (necessário, é certo) para esconder a verdadeira essência daquilo que se quer oferecer. O significado está no presente, não naquilo que o embala. Mas há cada vez mais pessoas que começam a olhar para o embrulho com um maior cuidado. Seja porque recriam uma cultura que lhes dá maior significado, seja por questões estéticas, monetárias ou ecológicas.

Mas vamos por partes — e analisemos, em primeiro lugar, o que fazem os mestres nesta arte de embrulhar. No Japão, o tempo que dedica à pessoa que o vai receber é uma parte do presente. “Por isso é que no país é de mau tom desembrulhar logo o presente, já que interessa mais a intenção do que aquilo que se oferece”, explica ao Expresso Susana Domingues, criadora do projeto Hands on HeArts, que disponibiliza workshops sobre como criar embrulhos, presentes e objetos pessoais de inspiração japonesa.

Embrulhar é, por excelência, a arte do orikata, que comunga com a do origami e cujos elementos se destinam a revelar a relação entre quem o dá e quem o recebe. “O significado pode ser atribuído pela cor, papel, adereços, com o intuito de desejar bom augúrio, sucesso, longa vida, boa eternidade (num enterro, por exemplo)”, continua a amante desta arte japonesa.


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Cores como vermelho e branco utilizam-se em ocasiões em que se pretende desejar bom auspício, vermelho e dourado ou vermelho e branco para desejar bom augúrio. Já o dourado e o prateado são usados para casamentos e o preto e o branco ou o azul e o branco para funerais. As cores procuram ser complementares à estação do ano: no verão privilegiam-se as cores frias e no inverno as quentes. Existem também embalagens específicas para homens, recém-nascidos, entre outras, e o presente pode não estar completamente embrulhado, porque o objetivo não é escondê-lo, mas valorizá-lo.

Tradicionalmente, recorre-se ao papel de arroz (que pode ser encontrado em lojas como a Ponto das Artes e a Papelaria Modo), mas este pode ser adaptado à cultura ocidental, escolhendo-se outros como o papel de seda, crepe, entre outros. Mas atenção: papéis muito rijos não são indicados, tornando uma tarde bem passada numa tarefa árdua. Apontamentos como o lacre ou as fitas pode ser também uma boa opção. “O objetivo é que as pessoas agarrem nesta arte e a personifiquem, escolham uma forma que agrada a quem o irá receber, que o acarinha”, realça a formadora. Para o fazerem, devem aprender primeiro esta arte de dobrar o papel.

Se quiser ser um pouco mais arrojado, adapte o furoshiki, uma técnica ancestral japonesa que recorre a tecidos quadrados para envolver e embalar objetos através de nós. Embora estes não sejam embrulhos, mas “malas para transporte que normalmente não ficam com quem as recebe”, podem ser adaptados a presentes. “Se alguém quiser oferecer dois presentes, pode escolher um livro e um pano que o embrulha.” E também aqui saber a técnica é essencial (há workshops presenciais e vídeos na internet que a ensinam, passo a passo).

Os panos 100% algodão (azul índigo ou branco) são os mais indicados, mas pode escolher-se uma variedade de outras opções. Vidal, Storygami e Rosa Pomar são alguns dos sítios onde pode encontrar tecidos japoneses, mas não precisa de ficar preso a esses. Se quiser inovar e ser amigo do ambiente, experimente reaproveitar tecidos que tenha em casa — com atenção para não escolher tecidos pouco maleáveis, como por exemplo o burel.


EMBRULHAR O NATAL COM IMAGINAÇÃO


Mas nem só da cultura oriental vivem os embrulhos. Nem sempre é preciso ir tão longe para inovar na arte de embrulhar. Basta usar a criatividade.

Um simples embrulho pode ganhar nova vida com um punhado de folhas secas amarradas a um cordel, uma fita de cetim colorida ou até uma fita-cola decorativa, que pode ajudar a criar uma composição harmoniosa. Bandeirinhas, bolas ou estrelas de Natal, rendas, pompons coloridos, uma pena bonita ou até bolachas podem dar um toque mágico ao conjunto.

E poderá recorrer a papéis com diferentes padrões para fazer um laço, uma flor ou a outra composição. Ou até a embalagens de diferentes formatos e dimensões: quadradas, retangulares, hexagonais, triangulares, redondas.

Para as crianças, uma opção é tornar um embrulho numa casa de bonecas ou num animal — acrescentando-lhe umas patas, olhos, nariz e orelhas de papel ou até umas renas de Pai Natal — ou até desenhar no próprio papel com lápis, caneta de feltro ou tinta. Há inúmeras sugestões de presentes originais nas redes sociais — uma delas passa por usar um papel simples, sem padrão, como papel de embrulho, colando-lhe meia dúzia de lápis de cera para desafiar os mais pequenos a pintar.

Muitas vezes nem é necessário gastar dinheiro em adereços, uma vez que é possível encontrar as matérias-primas em diferentes objetos do dia a dia, dando nova vida a alguns materiais que tem em casa. Esta é não só uma solução mais económica, mas também ecológica.

Latas, por exemplo, podem ser mais do que meros recipientes para guardar chocolates e bolachas, podendo tornar-se num embrulho original para um boneco. Reutilizar papéis de jornais ou revistas, sacos de pão ou caixas também constituem soluções originais. Os sacos de pão devem ser limpos e estar em boas condições e os papéis de jornais e de revistas podem ser usados como embrulho ou para revestir uma caixa de sapatos ou cereais, por exemplo. Complemente-os com uma corda, botões ou folhas secas de plantas.





Bourbon, Maria João. "Embrulhar é uma arte", in E-Revista Expresso, Semanário#2564, 18 de dezembro de 2021


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