É imprescindível cuidar de quem lê.In, Manifesto pela Leitura, Irene Vallejo
O pensamento crítico é um processo, forma-se na “prática praticada” da(s) literacia(s) – em contextos leitores, multimodais, plurais, no contacto com os livros, com formas de ouvir ler e ler, que provocam curiosidade e imaginação, no acesso e uso da informação, com múltiplas e variadas linguagens, para, assim, poder ler todas as palavras do mundo.
A literacia não é um conceito estático. É uma prática histórica e socialmente situada, produto das condições económicas e culturais que hoje, em acelerada e profunda mudança, exigem uma atitude política. Daí a necessidade, a urgência alargada de uma intervenção holística e integradora, dirigida a toda a sociedade e perspetivada à luz dos atuais contextos e modos de ler e escrever. Ler como um dos direitos humanos.
A escola é um lugar privilegiado do ensinar e do aprender. Sítio de acesso a livros de qualidade, de partilha da vivência da leitura e de crescimento através da experiência humana de ler, devendo, por isso, ser um espaço de apropriação da cultura letrada, de formação de leitores e de capacitação para o uso escolar e social da leitura e da escrita, qualquer que seja o seu propósito e contexto. Colocar o livro, a leitura e a literacia no centro da vida escolar é, assim, uma responsabilidade da escola e dos agentes educativos, favorecendo o convívio com os textos, o hábito e o gosto de ler.
Uma educação mais rica, humanista e inclusiva tem o dever de valorizar e reforçar o lugar e a representação do livro e do leitor na vida das escolas, dos professores, dos alunos e da própria sociedade.
O PNL2027, como política pública de leitura, vai ao encontro desta preocupação e, neste sentido, propõe o crescimento do seu impacto no desenvolvimento das competências leitoras, dos hábitos e do gosto pela leitura e pela escrita. Área de intervenção que é atualmente, um campo de convergência de uma grande variedade de modos de ler, aceder à informação, comunicar em múltiplas linguagens, garantindo a sustentabilidade e a consolidação das ações no âmbito das práticas de leitura e escrita, da formação de leitores e do desenvolvimento das literacias.
As literacias, conjunto de conhecimentos, capacidades e atitudes em contínua
mutação, feito das nossas competências para apreender o mundo, interagir com ele e
agir consciente e criticamente sobre ele, não podem deixar de se constituir, também
elas, como a LITERACIA da leitura, dos média e da informação, verbal, multimodal e
transmédia, simultaneamente impressa e digital.
Na aprendizagem básica da leitura e da escrita, no seu posterior desenvolvimento e na
consolidação da prática da literacia, exercitada em passos progressivamente mais
avançados à medida que se caminha na escolaridade, é indispensável integrar quer a
leitura impressa, quer a leitura nos ecrãs porque, está provado, lê mais e lerá melhor
quem executa ambas, desde que realizadas de forma pertinente e corretamente
orientada. As tecnologias já não são só uma ferramenta, mas também não valem por
si próprias, se o seu uso educativo for contraproducente; por isso, é muito importante
conferir-lhes sentido e não pensar que o seu uso é inócuo ou neutro, porque não é. Se
a leitura impressa nos coloca uma série de desafios, a leitura digital é, pela sua
natureza, igualmente exigente, requerendo mais e não menos competências.
Ser capaz de ler, compreender e apreciar os textos continua a ser a base fundamental
da leitura, a ela se juntando a capacidade de desenvolver estratégias de busca e
processamento de informação que obrigam a selecionar, avaliar e integrar um número
e uma variedade de estruturas e formatos de informação cada vez maior e mais
complexa, em papel e dispositivos eletrónicos.
A equidade na educação é, naturalmente, a primeira condição para uma verdadeira
igualdade de oportunidades no mundo digital, em que todos possam beneficiar dos
dispositivos e das ferramentas que vierem a ser colocados ao seu dispor.
O objetivo tem de ser o de trazer todos para a frente com base no seu ponto de partida,
independentemente de sexo ou contexto familiar, fazendo com que a escola,
indiscutivelmente uma escola digital, faça a diferença com todos e para todos.
A resposta para contrariar o acentuar das desigualdades pode servir, hoje, quer os
desígnios da necessidade de recuperação das aprendizagens em Português, Ciências e
Matemática, quer os desígnios da escola digital, que se revelam agora ainda mais
urgentes. É a brecha nestas aprendizagens que é a grande causa do fosso digital e não
o seu contrário. Ao diminuirmos a primeira, estaremos, por conseguinte, a minorar o
segundo.
Neste tempo, a cultura mediática tornou-se dominante, abrindo-se a outras
linguagens, contextos e modos de aprender a arte, a literatura, os livros e o saber.
Para saber viver na nova cultura mediática, há que apurar uma cuidada consciência crítica e ética, que tem de ser cultivada em todas as dimensões da nova vida, pessoal,
escolar e profissional.
Num tempo de coexistências de múltiplos ecrãs, plataformas, livros em papel e ebooks,
redes sociais, influenciadores, algoritmos, inteligência artificial, entretenimentos
aditivos, leitores multimodais, literacias várias e transliteracias, ler é resistir, é um
imperativo ético e do saber.
Para que os leitores tenham competências funcionais e reflexivas, metacognitivas,
para que leiam bem, mais e melhor, para que leiam livros completos, com
complexidades acrescidas, temas variados, correspondendo a interesses e curiosidades
diversas, têm que ser formados numa escola com cultura leitora. Num ambiente em
que os diferentes intervenientes sejam proprietários dos conceitos envolvidos nas
práticas da leitura e da escrita, que disponham de livros e plataformas criadas como
recursos de valor acrescentado e disponham de bibliotecas vivas, atualizadas e geridas
por profissionais. Que isto se aplique a estudantes do ensino obrigatório e também
universitário, a adultos, ao longo da vida porque, qualquer oportunidade perdida,
representa menos leitores, menos cidadãos livres de escolher e decidir os seus
destinos.
Teresa Calçada – Comissária do PNL2027
Elsa Conde – Subcomissária do PNL2027
Noesis - Notícias da Educação, #62, Direção-Geral de Educação, Dezembro 2021
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