sábado, 31 de dezembro de 2016

Há um tempo em que é preciso







Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas,
que já têm a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia: e,
se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre,
à margem de nós mesmos.

Fernando Pessoa



Recomeça







Recomeça…
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…



Miguel Torga



Feliz 2017!








Ano Novo

De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre começando...
A certeza de que precisamos continuar...
A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...
Portanto devemos:
Fazer da interrupção um caminho novo...
Da queda um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro...


Fernando Pessoa



sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Reticências, de Álvaro de Campos






Reticências


Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na acção.
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!

Vou fazer as malas para o Definitivo,
Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem - um antes de ontem que é sempre...
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir...
Produtos românticos, nós todos...
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura...
Santos Deuses, assim até se faz a vida!

Os outros também são românticos,
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,
Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,
Os outros também são eu.
Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,
Rodinha dentada na relojoaria da economia política,
Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,
A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como o silêncio da vida...
Olho dos papéis que estou pensando em arrumar para a janela,
Por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela,
E o meu sorriso, que ainda não acabara, inclui uma crítica metafísica.
Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar,
Fitei de frente todos os destinos pela distracção de ouvir apregoando,
E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta,
E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária e o poema...
Como um deus, não arrumei nem uma coisa nem outra...

Álvaro de Campos


sábado, 24 de dezembro de 2016

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Boas Festas!







Contos de Natal - "Um Natal Especial"

















"Contos de Natal" é um projecto de produção e realização de 4 curtas-metragens, a partir de contos e argumentos dos escritores Miguel Torga, Francisco José Viegas, Mário Augusto e Jorge Marmelo, em que o realizador Jorge Paixão da Costa assume a função de coordenador.



terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Contos de Natal - "Regresso a Casa"














Adaptação de um conto de Natal - Garrinchas -, de Miguel Torga.


“Natal na Ilha do Nanja”, de Cecília Meireles






Na Ilha do Nanja, o Natal continua a ser maravilhoso. Lá ninguém celebra o Natal como o aniversário do Menino Jesus, mas sim como o verdadeiro dia do seu nascimento. Todos os anos o Menino Jesus nasce, naquela data, como nascem no horizonte, todos os dias e todas as noites, o sol e a lua e as estrelas e os planetas. Na Ilha do Nanja, as pessoas levam o ano inteiro esperando pela chegada do Natal. Sofrem doenças, necessidades, desgostos como se andassem sob uma chuva de flores, porque o Natal chega: e, com ele, a esperança, o consolo, a certeza do Bem, da Justiça, do Amor. Na Ilha do Nanja, as pessoas acreditam nessas palavras que antigamente se denominavam “substantivos próprios” e se escreviam com letras maiúsculas. Lá, elas continuam a ser denominadas e escritas assim.

Na Ilha do Nanja, pelo Natal, todos vestem uma roupinha nova — mas uma roupinha barata, pois é gente pobre — apenas pelo decoro de participar de uma festa que eles acham ser a maior da humanidade. Além da roupinha nova, melhoram um pouco a janta, porque nós, humanos, quase sempre associamos à alegria da alma um certo bem-estar físico, geralmente representado por um pouco de doce e um pouco de vinho. Tudo, porém, moderadamente, pois essa gente da Ilha do Nanja é muito sóbria.
Durante o Natal, na Ilha do Nanja, ninguém ofende o seu vizinho — antes, todos se saúdam com grande cortesia, e uns dizem e outros respondem no mesmo tom celestial: “Boas Festas! Boas Festas!”

E ninguém, pede contribuições especiais, nem abonos nem presentes — mesmo porque se isso acontecesse, Jesus não nasceria. Como podia Jesus nascer num clima de tal sofreguidão? Ninguém pede nada. Mas todos dão qualquer coisa, uns mais, outros menos, porque todos se sentem felizes, e a felicidade não é pedir nem receber: a felicidade é dar. Pode-se dar uma flor, um pintinho, um caramujo, um peixe — trata-se de uma ilha, com praias e pescadores ! — uma cestinha de ovos, um queijo, um pote de mel… É como se a Ilha toda fosse um presepe. Há mesmo quem dê um carneirinho, um pombo, um verso! Foi lá que me ofereceram, certa vez, um raio de sol!

Na Ilha de Nanja, passa-se o ano inteiro com o coração repleto das alegrias do Natal. Essas alegrias só esmorecem um pouco pela Semana Santa, quando de repente se fica em dúvida sobre a vitória das Trevas e o fim de Deus. Mas logo rompe a Aleluia, vê-se a luz gloriosa do Céu brilhar de novo, e todos voltam para o seu trabalho a cantar, ainda com lágrimas nos olhos.

Na Ilha do Nanja é assim. Arvores de Natal não existem por lá. As crianças brincam com. pedrinhas, areia, formigas: não sabem que há pistolas, armas nucleares, bombas de 200 megatons. Se soubessem disso, choravam. Lá também ninguém lê histórias em quadrinhos. E tudo é muito mais maravilhoso, em sua ingenuidade. Os mortos vêm cantar com os vivos, nas grandes festas, porque Deus imortaliza, reúne, e faz deste mundo e de todos os outros uma coisa só.

É assim que se pensa na Ilha do Nanja, onde agora se festeja o Natal.

Texto extraído do livro “Quadrante 1”, Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1966, pág. 169.




segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Um conto de Natal, de José Saramago



História de um muro branco e de uma neve preta






Não haveria nada mais fácil no mundo das histórias que escrever um conto de Natal com Menino Jesus ou sem ele, se não fosse dar-se o caso de que uma criança que nasce está sempre nascendo. O nosso grande erro, esquecidos como em geral andamos das infâncias que vivemos, foi pensar que as crianças nascem uma única vez e que depois de nascidas se limitam a ficar à espera de que o tempo passe e as transforme em adultos, os quais, como deveríamos saber, constituem uma espécie diferente de seres humanos. A criança começa por nascer uma vez, que é a de vir ao mundo, e depois continua a nascer para compreendê-lo: não tem outro remédio nem há outra maneira. Como se verá pelas duas breves histórias que se seguem, ambas autênticas, ambas verdadeiras. 

A terra, àquela hora, cobria-se de uma noite tão escura que parecia impossível que dela pudesse nascer o Sol. Não tem chovido, as tempestades andam por longe, o rio descansa da sua primeira cheia de Inverno, os charcos são de mercúrio. O ar está frio, parado, e estala quando respiramos, como se nele se suspendesse uma ténue rede de cristais de gelo. Há uma casa e luz lá dentro. E gente: a Família. Na lareira ardem grossos troncos de lenha de donde se desprendem, lentas, as brasas. Quando à fogueira se lhes juntam gravetos, ramos secos, um punhado de palha, a labareda cresce, divide-se em trémulas línguas, sobe pela chaminé encarvoada de fuligem, ilumina os rostos da família e logo volta a quebrar-se. Ouve-se o ferver das panelas, o frigir do azeite onde bóiam as formas redondas das filhós, entre o fumo espesso e gorduroso que vai entranhar-se nas traves baixas do telhado e nas roupas húmidas. São talvez nove horas, a modesta mesa está posta, o momento é de paz e de conciliação, e a Família anda pela casa, confusamente ocupada em pequenos trabalhos, como um formigueiro.

Não tarda que saiam todos para o quintal. Vai ser lançado ao ar o foguete de três respostas, esse que, cumprindo a tradição, anunciará aos vizinhos que naquela casa já a última filhó saiu do tacho, a escorrer, e foi cair no alguidar profundo onde aguardará o retoque final da canela e da calda de açúcar. Entre portas, a Criança vê a Família a sorrir fazendo e desfazendo grupos em torno do avô, que sopra um tição trazido da lareira e o aproxima do cartucho de pólvora amarrado ao caniço. Tinha pedido que o deixassem ajudar, mas responderam-lhe como das outras vezes: “Ainda és muito pequeno, para o ano que vem”. A Família tem razão: é preciso ter cuidado com as crianças.

A pólvora inflama-se bruscamente, lança um jacto de fagulhas vivíssimas, silva como uma serpente, e logo é um dragão rugindo que sobe para o ar gelado, corta-o como uma espada de fogo, e lá muito no alto, quase tocando as primeiras estrelas, estala, estraleja, cobrindo os ecos de outro foguete distante. O caniço desce com uma luz mortiça que desmaia, e vai cair longe, nos olivais que rodeiam a casa, sobre as ervas cobertas de geada. Com este tempo não há perigo de que pegue fogo às árvores. De súbito, a Família diz que está frio e volta para casa, levando entre os braços, entre os anéis, entre os tentáculos, a Criança a quem não deixaram ajudar a lançar o foguete. Tinham deixado a porta aberta, o interior da cozinha arrefecera. A Avó acode a espalhar na fogueira uma mão-cheia de aparas, desgalha um ramo seco de oliveira, parte-o com as mãos calejadas, mas é com suavidade que depois chega os troços à chama, como se estivesse a alimentá-la. O lume hesita, escolhe o lado mais acessível da lenha, e depois, indiferente, alheado, a pensar noutra coisa, recomeça o seu eterno ofício de fabricante de cinzas.

A Família gira em redor da mesa, arruma-se nas poucas cadeiras que há, trazidas algumas de outras casas, uns quantos escabelos pouco firmes, um caixote velho posto em pé. Os rostos estão sorridentes e corados, e têm nomes e apelidos, mas, para a Criança, são, antes de tudo, os Pais, os Avós, os Tios, os Primos, um enorme e complicado corpo de animal que lhe lembra a história da Bicha-de-Sete-Cabeças ou o Dragão-Que-Não-Dorme. Sobre a mesa trava-se uma gesticulação ruidosa de facas e garfos, de mãos, de dentes, uma contínua mastigação que deforma os rostos e engordura as bocas. Contam-se casos, anedotas, todos riem. O frio está lá fora, e a geada, e a noite impenetrável. A Criança anima-se, já esqueceu a decepção, para o ano talvez a deixem lançar o foguete sozinha. Também tem uma história para contar, só está à espera duma pausa, dum momento mágico em que todos se calem, acaso emudecidos por um anjo que passou deixando apenas a imagem de um dedo imperioso sobre os lábios cerrados. O momento está a chegar por fim, uma a uma calam-se as bocas da Família, é agora ou nunca, a Criança inspira fundo, rompe o silêncio, começa a falar. A Família olha surpreendida, dá alguma atenção, mas não muita nem por muito tempo, não dura, não pode durar, as vozes regressam do silêncio, e é o Pai que lhe corta a narrativa com uma frase que faz rir toda a gente. Uma frase que vai fazer chorar a Criança. Porque o Menino, a Criança é um menino, levanta-se da mesa, abre a porta, separa-se da Família e desce os três degraus de pedra que conduzem ao mundo. Ali adiante há um muro caiado, baixo, com uma varanda dando para terras ignotas. A Criança vai debruçar-se sobre o muro, deixa cair a cabeça sobre os braços cruzados, e o terrível nó das lágrimas desata-se dentro de si. Da casa vêm risos e vozes, alguém fala muito alto, e depois ressoam gargalhadas. Ninguém está pensando na Criança.

Faz muito frio. Visto daqui, o céu parece estar feito de veludo negro. E há as estrelas. Duras, nítidas, implacáveis, quase ferozes. A Criança levanta os olhos. Lá estão elas a brilhar. Olhadas através das lágrimas, as estrelas são diferentes. Mundo estranho, estranho mundo, este. Sob os passos da criança, o chão duro e gelado range, E, em frente, as árvores negras, misteriosas, onde à noite os grandes medos se vão esconder, tomam o ar confidencial de quem conhece todos os segredos futuros, a hora e o lugar onde acontecerá o terceiro nascimento e o quarto, e o quinto, todos os aqueles que ainda esperam a esta Criança, até mesmo quando de havê-lo sido já não lhe restar memória.

As Crianças estão sempre a nascer. Às vezes nascem de explosivas alegrias, de achados incríveis, de deslumbramentos únicos, mas o mais frequente, uma vez após outra, é nascerem de cada tristeza sofrida em silêncio, de cada desgosto padecido, de cada frustração imerecida. Há que ter muito cuidado com as Crianças, nunca me cansarei de o dizer. Um dia uma Professora teve uma ideia de Professora e mandou os seus alunos que fizessem uma composição plástica sobre o Natal. Claro está que não empregou esta linguagem, o que disse foi: “Façam um desenho sobre o Natal. Usem lápis de cores, ou aguarelas, ou papel de lustro, o que quiserem. E tragam na segunda-feira”. Uns com lápis, outros com aguarelas, outros com papel recortado, alguns pintando com os dedos, todos cumpriram o melhor que puderam. Apareceu tudo quanto é costume nestes casos: o presépio, os reis magos, os pastores, São José, a Virgem e, inevitavelmente, o Menino Jesus. Bem feitos uns, mal feitos outros, toscos ou esmerados, os desenhos caíram na segunda-feira em cima da secretária da Professora. Ali mesmo ela os viu e lhes pôs nota. Ia marcando “bom”, “mau”, “suficiente”, como se com esses juízos os marcasse para a eternidade. De repente. Ah, quantas vezes ainda teremos de dizer que é preciso muito cuidado com as crianças! A Professora segura um desenho nas mãos, um desenho que não é melhor nem pior que os outros. Mas ela tem os olhos fixos, está confusa, perturbada: o desenho mostra a invariável manjedoura, a vaca e o burrinho, e toda a restante figuração. Sobre esta cena já sem mistério cai a neve, e esta neve é preta. Porquê?

“Porquê?”, pergunta a Professora à Menina que fez o desenho. A Menina não responde. Talvez mais nervosa do que quereria mostrar, a Professora insiste. Há na sala os risos cruéis e os murmúrios de troça que sempre aparecem em ocasiões destas. A Menina está de pé, muito séria, um pouco trémula. E responde, por fim: “Pintei a neve preta porque foi nesse Natal que a minha mãe morreu”. Fez-se silêncio e a Professora pensou, assim o veio a contar mais tarde: “À Lua já chegámos, mas quando e como conseguiremos chegar ao espírito duma criança que pintou a neve preta porque a mãe lhe morreu?”.
Muitos anos depois destas histórias terem acontecido, contei-as a uma outra Menina, que me perguntou: “E eles ainda estão tristes?”. Nessa altura disse-lhe que sim, que há tristezas que o tempo não consegue apagar, mas hoje conforta-me a ideia de que talvez o Menino do Muro Branco e a Menina da Neve Negra se tenham encontrado na vida, e que talvez por causa deles o mundo já esteja a mudar sem que nós tenhamos dado por isso.
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Este conto (se o é) tem a sua origem em duas crónicas, “Um Natal Há Cem Anos” e “A Neve Preta”, publicadas no jornal A Capital no final dos anos 60 e que hoje podem ser lidas mais comodamente no volume Deste Mundo e do Outro. A junção delas (que de certa maneira é também fusão) aconteceu em 1995 e teve como destino uma revista espanhola entretanto desaparecida. Relidas hoje, novamente refeitas, estas velhas crónicas perguntam se o muro branco ainda lá está e se ainda há quem tenha de continuar a pintar a neve com tinta preta. Por mim, acho que sim. Quem dera que sejam muitos os que tenham razões para pensar que não.

Vasco Graça Moura (coord.), Gloria in Excelsis, Histórias Portuguesas de Natal




Gloria in Excelsis


As Mais Belas Histórias Portuguesas de Natal, de Vasco Graça Moura 








"Mais de quarenta histórias natalícias da pena dos grandes clássicos portugueses dos séculos XIX e XX, escolhidas por Vasco Graça Moura: Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Fialho de Almeida, Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, José Régio, Vitorino Nemésio, Gaspar Simões, Miguel Torga, Alves Redol, Sophia de Mello Breyner, Jorge de Sena, José Saramago, Natália Nunes, Maria Ondina Braga, Isabel da Nóbrega e José Eduardo Agualusa, entre muitos outros." (Fnac)






A Christmas Carol, de Charles Dickens





Charles Dickens-A Christmas Carol-Title page-First edition 1843.jpg
Charles Dickens: A Christmas Carol. In Prose. Being a Ghost Story of Christmas. With Illustrations by John Leech. London: Chapman & Hall, 1843. First edition. Title page.


A Christmas Carol é um conto da autoria de Charles Dickens. Com várias traduções em português, sendo uma delas Um Conto de Natal, o livro foi escrito em menos de um mês para pagar dívidas, mas tornou-se um dos maiores clássicos de Natal de todos os tempos e uma das obras mais célebres de Dickens. Descrito pelo autor como o seu "livrinho de Natal", foi primeiramente publicado em 19 de dezembro de 1843, com ilustrações de John Leech. Transformou-se de imediato num sucesso, vendendo mais de seis mil cópias apenas numa semana.


O filme e o livro


  


Livro recomendado pelo Plano Nacional de Leitura | 7º ano 
Leitura orientada na Sala de Aula - Grau de dificuldade I 

"Um Conto de Natal" ou "O Natal do Sr. Scrooge" é talvez um dos mais conhecidos contos da literatura universal e, sem dúvida, o mais conhecido conto de Natal. Nele, todo o sortilégio do Natal é tratado na prosa de um dos melhores caricaturistas sociais de todos os tempos, que foi talvez aquele que melhor soube apreender e transmitir o espírito do Natal!

Inúmeras vezes adaptado ao teatro, cinema e televisão, poucos serão aqueles que ainda não ouviram falar do fantasma do Natal Passado, do fantasma do Natal Presente e do Fantasma do Natal Futuro e do velho avarento que é visitado por estes espíritos que lhe transmitirão o verdadeiro sentido do Natal.





Os quinhentos anos da Begum, de Júlio Verne



 http://www.bibliotronicaportuguesa.pt/wp-content/uploads/2015/03/Julio_Verne_500_milhoes_de_Begun.pdf
Reedições Bibliotrónica 



"Os Quinhentos Anos da Begum são um título pouco conhecido de um autor muito conhecido e apreciado em todo o mundo: Júlio Verne. É a tradução feita por António Manuel da Cunha, no final do século XIX, que agora se oferece aos leitores da Bibliotrónica Portuguesa.

Os editores desta reedição fizeram também um breve levantamento das circunstâncias em que Júlio Verne foi traduzido e publicado em Portugal, no final do século XIX. Curiosamente, são circunstâncias que envolvem o serviço de correios da estação central de Lisboa, onde tanto o tradutor quanto o editor trabalharam até à reforma. Aqui fica o texto dos editores sobre o assunto:


«Júlio Verne foi primeiramente editado em Portugal em 1874 pela editora Empreza das Horas Românticas de David Corazzi, segundo oficial dos serviços de correio na estação central de Lisboa. As edições portuguesas repetiram os passos da editora francesa Hetzel, ou seja, foram também edições de luxo.
Les Cinq Cents Millions de la Bégum, título de Júlio Verne que aqui reeditamos, foi publicado em França em 1879 e traduzido para português nove anos depois, em 1888. O responsável pela tradução foi António Manuel da Cunha, que, segundo notícia em O Século, de 28 de novembro de 1886, desempenhava as funções de director dos serviços de correio na estação central de Lisboa, onde David Corazzi foi 2º oficial, até à aposentação.
Dois anos antes da tradução, em 1886, Corazzi tinha decidido lançar uma edição mais barata das obras de Verne em português. Chamou-lhe 'Grande Edição Popular das Viagens Maravilhosas aos Mundos Conhecidos e Desconhecidos', reduziu a quantidade de ilustrações apenas a duas e alterou a mancha de texto de 32 para 36 linhas, além de reduzir o tamanho da letra e o espaçamento.
Após a morte de Corazzi, em 1896, a editora Horas Românticas integra a Companhia Nacional Editora. No início do século XX, a Companhia Nacional Editora dá lugar à A Editora e, nos anos 20, é criada uma associação de editores, 'herdeira das Horas Românticas, da Companhia Nacional Editora e de A Editora'.»

Nos anos 30 do século XX, a obra de Júlio Verne passa a ser editada pela associação da Livraria Francisco Alves (Rio de Janeiro) e a Livraria Bertrand (Lisboa). É a esta fase da publicação das obras de Júlio Verne em Portugal que pertence o livro-fonte usado na presente reedição."

domingo, 18 de dezembro de 2016

Natal na Biblioteca











Dia Internacional dos Migrantes 2016


18 de fevereiro






"Ao longo da história humana, a migração tem sido uma expressão corajosa da vontade do indivíduo para superar a adversidade e viver uma vida melhor. Hoje, a globalização, juntamente com os avanços nas comunicações e nos transportes, aumentou muito o número de pessoas que têm o desejo e a capacidade de se mudar para outros lugares.


Esta nova era criou desafios e oportunidades para as sociedades em todo o mundo. Também serviu para sublinhar a ligação clara entre a migração e o desenvolvimento, bem como as oportunidades que oferece para o co-desenvolvimento, ou seja, a melhoria concertada das condições económicas e sociais, tanto de origem como de destino.


A migração atrai cada vez mais a atenção no mundo hoje em dia. Misturados com elementos de imprevisibilidade, emergência e complexidade, os desafios e as dificuldades da migração internacional exigem maior cooperação e ação coletiva entre países e regiões. As Nações Unidas estão a desempenhar ativamente um papel catalisador nesta área, com o objetivo de criar mais diálogos e interações nos países e regiões, bem como propiciar o intercâmbio de experiências e as oportunidades de colaboração." (Nações Unidas / UN website )










TOGETHER: Respect, safety and dignity for all.
Nós podemos mudar esta narrativa.

Uma campanha global da ONU para mudar as perceções e atitudes em relação aos refugiados e migrantes. 







Code Move | Árvore do código



Hour of Code em Portugal







O Movimento Código Portugal é uma campanha de mobilização nacional de consciencialização para a importância da literacia digital e computacional como fatores de realização individual e coletiva nas sociedades modernas, abraçando a Iniciativa Competências Digitais.

O Movimento Código Portugal é promovido pelo Governo, através das áreas da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Educação, Economia, Trabalho, Solidariedade e Segurança, a Ciência Viva, Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, e a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa.

Este Movimento pretende estimular o desenvolvimento das competências associadas ao pensamento computacional, que se configura como uma nova forma de literacia para o século XXI.







As Escolas/Agrupamentos que participaram na iniciativa Movimento Código Portugal na semana de 5 a 11 de dezembro têm direito a um Certificado de Participação e a um badge partilhável no website da própria escola.






A Hora do Código







No dia 7 de dezembro foi assim:






No final, todos os alunos envolvidos neste evento receberam um certificado de participação.




sábado, 17 de dezembro de 2016

Encontros com autores: Pat R







Pat R esteve na Biblioteca CCB, na passada quinta-feira,para apresentar o seu último livro "Os homens nunca saberão nada disto". Estiveram presentes os alunos do 10º G e do 11º E (Curso de Artes), acompanhados pelos respetivos professores - Carlos Santelmo e Graça Campolargo.

Para março de 2017, está já agendado um novo encontro com a jovem escritora!








  

 




Razão de o Pai Natal ter barbas brancas, de Jorge de Sena


De Antigas e Novas Andanças do Demónio








Para os filósofos, como meditação demonológica acerca do VIII poema de “O Guardador de Rebanhos” de Alberto Caeiro.
Para as crianças grandes, como apólogo humorístico.
Para os meninos pequenos, como verdadeiro conto de Natal.


I

Como toda a gente sabe, e os meninos melhor que ninguém, o Natal é uma coisa muito velha. O que nem toda a gente sabe é que, no princípio, ele não era pai; nem era velho, e não tinha, portanto, barbas brancas. Assim, quando o menino Jesus nasceu, já todos os meninos punham o sapato na chaminé.

A única diferença era que a chaminé não tinha, como hoje, fogão de gás ou fogareiro. Depois, com o menino Jesus, veio outra diferença: também ele punha o sapatinho, que, por acaso, era uma sandália.

Isso durou pouco? Não, porque o menino Jesus só cresce e se faz homem quando os outros meninos crescem e julgam que se fazem homens. O que, e lá isso é verdade, não acontece a toda a gente, como os meninos terão muito tempo para ver. Mas isso é já outra história, que os meninos aprenderão, sem que ninguém lha conte.

A que vou contar começa quando o menino Jesus ia fazer sete anos, idade que é muito importante, visto que são sete as maravilhas do mundo. O menino Jesus, como os outros meninos, tinha vontade de crescer e não acreditava no Natal. Ele bem sabia quem punha os brinquedos na sandália (era a Mãe), e, por não haver então lojas de brinquedos, e, mesmo que houvesse, não terem os pais do menino Jesus dinheiro para os comprar (os brinquedos já eram muito caros), ele bem vira S. José estar a fazer uma carrocinha, às escondidas. Por isso, naquela tardinha, sempre muito comprida, que há antes da noite de Natal, noite que, por sua vez, é a mais comprida do ano, o que lhe valeu ser ela a Noite de Natal; por isso, como ia dizendo, o menino Jesus, que estava à espera de lhe darem a carroça, fingia que se não importava, fingia, até, não esperar coisa alguma. A tarde estava muito bonita, segundo me disseram, e é natural que estivesse: o Natal ia ser pai e, o que é muito mais, ganhar as suas barbas brancas. O céu fazia-se verde e amarelo e cor-de-rosa, que são cores que as pessoas grandes não gostam de ver no céu, e que todos os meninos sabem que lá se vêem muito bem. O menino Jesus, é claro, via-as melhor que ninguém. E, então, para disfarçar, começou a contar as nuvenzinhas soltas, que estavam todas paradas, muito quietas de propósito para ele contar – mal imaginavam o que lhes ia acontecer. O menino Jesus sentara-se numa pedra (pedra que ainda lá está na terra dele, embora ninguém saiba qual é), à beira do caminho, e, com uma varinha (que não era de condão, pois só as fadas precisam desses objectos), fazia riscos na poeira. A poeira, coitada, era mais lama que qualquer outra coisa, porque chovera de manhã, e o sol não tivera tempo de a secar. Ora, o menino Jesus, umas vezes olhava para o céu, outras olhava para o chão, e qualquer pessoa com dois dedos de testa logo perceberia que ele estava a desenhar as nuvens. Mas parece que estas coisas são muito difíceis de perceber, como os meninos sabem pelas perguntas parvas que muitas pessoas crescidas costumam fazer.

– Que estás tu para aí a riscar, pequeno?

O menino Jesus voltou-se (quando nos fazem perguntas destas, a gente está sempre de costas), e viu um homem muito bem vestido que até parecia mentira. O menino não se deixou enganar, porque a pergunta estragara o fato do homem, e era como se estivesse todo rasgado e com a fralda de fora.

– Estou a fazer riscos.

– Isso vejo eu. Que riscos?

– Só riscos.

O homem mostrou uma cara muito má, e o menino Jesus foi pondo os pés a jeito, para o caso de ser preciso levantar-se de repente e fugir a correr.

– Estás a armar em esperto, mas a mim não enganas.

O menino Jesus, estava farto de enganar imensa gente, riu-se, mas só por dentro, por causa da má cara do homem.

– É mau fazer riscos? – perguntou.

– Se é! Ora experimenta lá.

O menino Jesus ficou desconfiado, e traçou um risco, um muito pequenino. E qual não foi o seu espanto ao ver a varinha ficar presa ao chão! Ver não viu, mas quis tirá-la e não pôde.

Claro que, dessa feita, quem se riu foi o homem. Ora é sabido que o diabo não se pode rir muito alto, porque lhe sai enxofre pelos intervalos do riso. E assim aconteceu. O menino Jesus sentiu o cheiro, viu o fumozinho sair da boca do homem, era quase noite (anoitecera quase de repente), não passava ninguém na estrada, ele estava um bocado longe de casa, e, apesar de ser quem era, teve medo, um medo enorme, um medo ainda maior que o diabo.

Estão a ver o menino Jesus nestes assados. Que faria qualquer menino? Evidentemente, não mostrava medo, que é a melhor maneira de assarapantar o demónio. Foi o que ele fez. Fingiu que não queria a vara para nada (e queria porque era uma bela vara, muito direita), e disse:

– Bem, são horas de voltar para casa.

– Ah, sim? E porquê? – (o diabo a ver se ele caía).

– Tenho lá o Natal à minha espera.

O diabo sentiu vontade de rir; mas, aflito com o fiasco do fumo pelos intervalos do riso, mordeu os lábios e perguntou:

– O Natal? Mas que Natal é esse?

– Se calhar não sabe o que é! – exclamou o menino Jesus, e tentou levantar-se. 

Aí é que foram elas! Estava pregado à pedra, como a vara à lama! Um caso sério! Se ao menos passasse alguém! Mas qual! Nem vivalma, que o diabo não conta, não é gente. E como nessa altura ainda não havia santos por quem chamar, a Nossa Senhora estava em casa, e o menino Jesus, apesar de saber que era menino Jesus, não sabia que era filho de Deus, não havia salvação possível. Não havia!… Nisto, porque era um menino igual aos outros meninos, teve uma idéia muito luminosa. Era perigoso, mas o único remédio.

– Dá-me a sua mão? Ajuda-me a levantar daqui?

Mesmo o que o diabo queria! E com os olhos a luzir de gozo, o diabo estendeu-lhe a mão. O pior foi esquecer-se – e o diabo nestas alturas é muitíssimo esquecido – de firmar-se bem nos pés. O menino, mal lhe deu a mão, pôde levantar-se… e zás: meteu uma perna entre as do diabo e deu-lhe um encontrão. O diabo desamparado (é como ele está sempre, não se esqueçam), esbracejou e estatelou-se na lama, que, naquele sítio, estava muito bem amassada pelas rodas dos carros, mesmo destinada a traseiros do diabo. E quando se ergueu, furioso, todo sujo, o menino Jesus já ia longe, e até parecia que levava asas nos pés. Ao entrar em casa, ofegante, o menino Jesus voltou-se para trás e ainda viu, na noite escura, um clarão de raiva.

II

O menino Jesus não disse nada a ninguém. Sentia-se tão contente por ter feito o diabo estatelar-se em plena estrada! Mas uma coisa o preocupava: o diabo ficara sabendo que ele estava à espera do Natal, porque lhe tinha dito que o Natal estava à sua espera – ora o diabo percebe tudo ao contrário, e ficara portanto a saber a verdade. Era inevitável que apareceria, pela calada da noite, e vestido de outra maneira, para não ser conhecido. Viria com toda a certeza. E agora? Agora…

III

Alta noite, o menino Jesus, que se fora deitar a dormir com um olho aberto e outro fechado, ouviu os pais levantarem-se, e irem, pé ante pé, para a lareira, onde ele, é claro, antes de deitar-se, pusera a sandália do pé direito. Como se sabe esta sandália é sempre melhor que a outra, e deve preferir-se em tudo: chaminés, pontapés, etc., a menos que se seja canhoto dos pés, o que é muito raro.

O menino Jesus estava de costas voltadas à lareira, porque fazia frio, e porque, também, se estivesse de frente, logo se veria que não dormia e espreitava. É evidente que a casa era muito pequena e pobre, e os quartos eram um só, dividido em dois, por cortinas muito velhas, que Nossa Senhora se cansava a remendar e o menino Jesus a esburacar. Ora, o menino Jesus, mal os pais se recolheram, sentou-se na cama, que, pela mesma razão de a casa ser pequena, era um colchão no chão, com pouca roupa, tão pouca, que o menino raras vezes se despia, muito menos no Inverno. Era, sem dúvida, um mau costume, mas também o Inverno é um mau costume, que, além de ser preciso para a terra descansar, se repete invariavelmente todos os anos: e o menino Jesus apesar de ter só sete, já muito bem sabia que, quando tinha frio, era mesmo frio o que tinha. Sentou-se, pois, na cama. O lume, na chaminé, apagava-se pouco a pouco; viam-se as faúlhas correndo pela madeira, umas atrás das outras, enquanto as pontas dos troncos iam ficando brancas. O diabo não tardava aí. Um estalido. O menino Jesus olhou para a porta. Não era nada. Depois sentiu passos na terra batida. Olhou: era um rato. O rato andou de um lado para o outro (e se o rato fosse o diabo disfarçado?), até se convencer que tais pobretões nem na noite de Natal deixavam cair migalhas. Passou muito tempo – ao menino Jesus parecia imenso quando – … vinha alguém pela chaminé abaixo. Oh se vinha! Com o lume assim a apagar-se, não se via nada; mas, para quem entrasse pela chaminé, ainda era luz que chegasse. E chegava: apareceram umas sandálias, umas pernas, uma fímbria de túnica vermelha (é o diabo, pensou o menino Jesus), mais túnica vermelha, ainda mais túnica vermelha, até que uma figura ficou de pé, ao lado do fogo, e deu uns passos para dentro de casa. Trazia um saco às costas. Era o diabo! O menino Jesus ficou… calculem como ele ficou, porque, no fundo, muito lá no fundo, não esperava que o diabo voltasse. E ali estava ele, com saco e tudo. Viu o diabo abaixar-se e pegar na carrocinha, que estava mesmo em cima da sandália. É preciso dizer-se que a carroça não era muito grande, mas também não era muito pequena, e mais caberia a sandália na carroça, do que a carroça na sandália. Não, lá isso não! Nunca tinha um brinquedo senão os que inventava e fazia, e aquele, tão bonito, o diabo vinha buscá-lo! E mesmo que não fosse bonito, não lho dava. Brinquedos a diabos! Toda a gente sabe que o diabo não brinca e, por isso, faz asneiras! Não, lá isso não! E saltou da cama, correu para a chaminé… e tirou a carrocinha da mão do diabo, que, já a abrir o saco, nem dera por ele.

– Boa noite! – disse o diabo, com voz maviosa.

– Boa noite… Por que é que não entrou pela porta? Era só bater, que eu abria – perguntou o menino Jesus, pondo a carroça debaixo do braço.

– Para não acordar ninguém…

– Eu estava acordado.

E o diabo, muito ingenuamente, como se não fosse ele: – Ai que linda carroça! Quem lha deu?

– Tem alguma coisa com isso?! Que é que o senhor quer?

– Eu só queria brincar com a carroça. Deixa-me brincar um bocadinho?

– Não tem vergonha de ser tão grande e querer brincar ainda? – (era o que a mãe lhe dizia, quando ele andava pela casa a fazer das suas).

– Eu? Vergonha? – e o diabo ia rir-se, mas tornou a lembrar-se do fiasco do enxofre pelos intervalos do riso. – Então não me deixas brincar?

O menino Jesus dava voltas à cabeça, e não achava maneira de livrar-se dele. Só se fosse…

– Sempre quer? Mas só um bocadinho.

– Como? Como? – (O diabo todo satisfeito).

– Eu faço de carroceiro e o senhor faz de cavalo.

– Vamos a isso! Vamos a isso! – e o diabo logo de gatas, para ele o atrelar à carroça.

A carroça estava muito bem feita; não lhe faltava nada, até arreios tinha. Foi nessa altura que o menino Jesus, ao reparar nas barbas brancas que o diabo trazia (barbas, aliás, de uma brancura imaculada), viu bem o que lhe convinha fazer. Muita gente julga que o diabo pode esconder tudo o que é e tem, menos os pés de cabra; manifestamente isso não é verdade, como se depreende desta história, em que ele aparece de sandálias, com a perna à vela. Se as pernas eram dele ou emprestadas, o menino Jesus tinha muito mais em que pensar. E pensou e disse:

– Não te posso pôr a cabeçada (como o diabo fazia de cavalo, tratava-o por tu – não era por ser o diabo), as tuas barbas são tão compridas! E tão bonitas, que se estragam!

E o inimigo, muito convencido, a cofiá-las:

– São bonitas, não são? Bem me custaram a arranjar.

O menino Jesus então ficou logo a saber o que queria. E tornou a dizer: 

– Não te posso pôr a cabeçada; e, se não ponho, como hás-de puxar a carroça?

O diabo, que não tem paciência nenhuma (e por isso é tão fácil de reparar, quando começa a estorcer-se), o que queria era acabar com aquela paródia, tanto mais que lhe parecia o menino Jesus já ter dado por ele (e só parecia, porque o diabo nunca tem a certeza). E, por isso, propôs: 

– Mas eu levanto as barbas, e tu passas a cabeçada…

Assim se fez, e o menino Jesus, quando ele as levantou, viu a barba de chibo, pêra retorcida, que o diabo nunca pode tirar, como se está a ver. As barbas brancas, tão imaculadas, é claro que eram postiças.

Mal o atrelou bem atrelado, o menino Jesus, convencido de que o diabo desapareceria e deixaria a carroça, disse uma palavra secreta que sabia (todos os meninos sabem palavras dessas, só não sabem qual serve). O diabo ficou na mesma. O menino Jesus então disse outra. O diabo, nada. Ia o menino Jesus então disse outra. O diabo, nada. Ia o menino Jesus a dizer a terceira, pergunta o diabo, já aborrecido, como era de calcular:

– Que raio de brincadeira é esta que nunca mais começa?

O menino Jesus puxou-lhe pelas barbas e gritou a terceira palavra, a mais forte de todas… O diabo deu um estoiro, como os automóveis quando querem arrancar, e saiu pela porta fora, com tanta força, tanta, tanta, tanta, que a atravessaram ele e a carroça, de uma vez – e a porta ficou inteirinha no mesmo sítio.

O menino Jesus, com as barbas postiças na mão, abriu cautelosamente a porta. Não se via um palmo adiante do nariz, mas não se viam também, nem o diabo nem a carroça… Nisto, as barbas soltaram-se da mão do menino, e começaram a subir ao céu, e a crescer, a crescer, a crescer, e, quando chegaram lá acima, já chovia a cântaros. Está-se mesmo a ver que as barbas eram as nuvens que o menino Jesus contara.

O menino voltou para dentro e fechou a porta bem fechada; em casa não se via nada, porque o lume se apagara de todo. O menino Jesus, muito devagarinho, meteu-se na cama. Estava ele a pensar na carroça, ouviu S. José dizer: 

– Não ouviste um estoiro? 

E a voz de Nossa Senhora a responder: 

– Ouvi. Dorme descansado. São coisas do diabo.

Sua mãe sabia! O menino Jesus ainda ficou, se é possível, com maior admiração por sua mãe.

IV

Como a noite de Natal é muitíssimo comprida, a história não acaba aqui; tanto mais que ainda não se ficou a saber a razão de o pai Natal ser pai e ter enormes barbas brancas.

O menino, se, quando se deitara a primeira vez, ficara com um olho aberto outro fechado, agora, sem a sua carroça, não conseguia fechar nenhum deles. E estava nessa aflição… começou a ouvir barulho dentro da chaminé. Um barulho de nada, pela chaminé abaixo. Era de mais: aquele descarado já levara a carroça, e ainda voltava!

O menino Jesus levantou-se, foi para o pé da chaminé, e pegou num ferro muito grande que lá havia para arrumar as achas. Vinha pela chaminé abaixo uma claridade esquisita. E vinham umas sandálias… e umas pernas… e uma fímbria vermelha… (é ele, pensou o menino Jesus) e mais túnica vermelha… e ainda mais túnica vermelha… até que uma figura ficou, ali mesmo, ao lado das cinzas. O menino Jesus levantou o ferro… e o homem (parecia um homem) disse: 

– Assim tu me recebes? Assim te ensinaram a receber o Natal?

Foi então que o menino reparou que ele não tinha barbas, nem brancas, nem pretas, ou só assim uma coisa muito rala que nem barba parecia. Não era, portanto, o diabo. Em todo o caso, não largou o ferro.

– Mas tu és verdade? E sempre vens? – (não o tratava por tu por ser ele o Natal, mas pela alegria de ele não ser o diabo).

– Eu, em pessoa. E venho, como vês.

– Essa é boa! E trazes-me alguma coisa?

– Nunca trago nada… Eu troco os brinquedos por outros. E esses é que eu trago comigo.

– Então, este ano, fico sem nada, porque tinha aqui uma carroça e o diabo levou-ma.

– O diabo?!

– Sim. Veio vestido como tu, só trazia barbas brancas, e levou-me a carroça.
– E deixaste?

– Que remédio tive! Ele estava atrelado, e não se ia embora…

– E agora, como há-de ser? Eu trazia uma carroça para trocar.

– Tu não dás brinquedos aos meninos que não têm brinquedos?

– Não posso dar.

– Por quê?

– Porque só troco.

– Por quê?

– Porque não posso dar.

O menino Jesus não perguntou mais; logo viu quais eram as respostas, e que o Natal não tinha outras, pelo menos para dar. Ali estava um, que não dava nada a ninguém. Mas ficar sem carroça não ficava.

– Tu tens a minha carroça.

– Tenho? Aonde?

– Anda por aí, atrás do diabo.

– Lá isso é verdade.

– Então, dá-me a que trazes.

– E a outra?

– A outra, quando encontrares o diabo, dizes que é tua, e pronto.

– E se não o encontro?

– Ora tens tanto tempo! Eu é que não tenho outra carroça!

– Bem… Parece que me convenceste.

E o Natal – pois era ele – pousou no chão o saco que trazia às costas (como se vê, o patife do diabo até um saco arranjara) e tirou de dentro uma carroça exatamente igual à outra. Mas igual, igual, nem a cabeçada faltava. E deu-lha. O menino ficou – imagina-se – contentíssimo. Tão contente, que se lembrou logo de uma coisa.

– E se o diabo, agora, anda a fingir de ti pelo mundo fora?

– É fácil. Custa um bocado mas é fácil.

– O que é que é fácil? Como te vais arranjar?

O menino Jesus bem via o Natal atrapalhado, sem saber como se havia de arranjar. Teve pena dele, que lhe dera a carroça, e, em troca, deu-lhe uma idéia, que é muito mais de dar do que uma carroça.

– Deixas crescer as barbas brancas. Das duas uma: ou o diabo anda com a barba dele, e toda a gente o conhece; ou põe outras barbas postiças, e basta puxar por elas para se ver se são de verdade.

– Bela ideia, sim senhor, que bela ideia! – Mas depois de pensar um bocado, o Natal acrescentou:

– Não chega. Tenho de ser o Pai Natal.

– Porquê?

– Porque o diabo não pode ser pai.

– Não?
– Não. Os filhos do diabo são sempre filhos de outras pessoas.
– Então passas a ser o Pai Natal e a ter barbas brancas.

Palavras não eram ditas, e o Natal logo Pai e com umas barbas quase a chegarem aos pés, tão brancas, tão brancas, que a claridade agora era das barbas.

Depois deste milagre (foi um milagre, evidentemente), o menino Jesus sentiu-se com imenso sono, o sono da noite toda e mais algum. O Pai Natal percebeu, sorriu, ajudou-o a deitar-se… E o menino Jesus nem chegou a ver como ele saiu, porque, apesar da curiosidade, adormeceu logo. Com a carroça debaixo do braço, é claro, não voltasse o diabo… (e é a razão de os meninos dormirem agarrados ao brinquedo de que gostam mais).

V

No dia seguinte, dia de Natal, era feriado, tal qual como hoje. Andava muita gente a passear nos campos, e o menino Jesus andava na estrada, a brincar com a carroça. Claro que olhava, com desconfiança, para todas as carroças que passavam, a ver se alguma delas era igual à sua. Mas nenhuma era. Foi brincando, brincando, e já se esquecia desta história toda, quando viu um homem, lá ao longe, num sítio onde andava menos gente, sentado numa pedra e a fazer riscos no chão, com uma varinha. O menino Jesus teve pena dele, quis avisá-lo e aproximou-se.

Ora, o menino Jesus falava uma língua esquisita – o aramaico – que muitos dos judeus não entendiam, e ainda hoje, segundo parece, não entendem. Mas ele não tinha culpa; era a que lhe ensinaram em pequeno, mal começara a estender os braços… Os meninos ainda se lembram de querer agarrar nas coisas que estão longe? É isso.

Aconteceu, então, que o homem não só não percebeu o que o menino lhe dizia, como se zangou e o enxotou, ameaçando-o com a vara. É claro que o menino Jesus deitou a fugir. Quando já estava suficientemente longe quis ver… E o que viu?

Ao lado do homem, parara uma carroça exactamente igual à sua, puxada por um tipo que já metera conversa com o outro sentado. E parecia que a conversa era engraçada, porque ambos se riam muito. Só da boca do que fazia de cavalo saía um fumozinho branco, que o menino Jesus muito bem conhecia.
… … … … … … … … … … … … … … … … … …… … … … … … … … … … … … … … … … … 

Por tudo isto é que o Natal é pai e tem barbas brancas, para se distinguir do outro, que traz brinquedos do inferno, brinquedos que, como os meninos também sabem, são feitos neste mundo, tal qual como os outros brinquedos.

Ora como se vê por esta história, e ao contrário do que até eu próprio julgava quando comecei a escrevê-la, houve, não uma só, mas inúmeras razões, para o Natal ser pai e ter barbas brancas. Para acabar, não me perguntem de quem ele é pai. Não façam perguntas tolas, como as pessoas crescidas. Muito em segredo, sempre digo que não sei ao certo, o que sei não posso dizer… e, de resto, talvez os meninos venham a saber mais do que eu.

1944.