terça-feira, 21 de setembro de 2021

Mês Internacional das Bibliotecas Escolares: MIBE 2021

 



Outubro é o Mês Internacional das Bibliotecas Escolares (MIBE), uma celebração anual das bibliotecas escolares em todo o mundo, uma oportunidade para darem a conhecer o trabalho que desenvolvem e mostrarem que não são apenas um serviço, mas um centro nevrálgico vital nas escolas. A chamada à ação é da IASL (International Association of School Librarianship).

Em Portugal, o Dia das Bibliotecas Escolares assinala-se na quarta segunda-feira do mês de outubro, em 2021, dia 25/10.


Tema do MIBE 2021: “Contos de fadas e contos tradicionais de todo o mundo”


"O tema do MIBE é baseado no tema da Conferência da IASL de 2021 “Uma rica tapeçaria de prática e pesquisa ao redor do mundo.” A expressão “Era uma vez…” transporta-nos imediatamente para o mundo mágico dos livros, através do qual partilhamos a vida de fadas, duendes e muito mais. Existem histórias que foram transmitidas há muito tempo, de geração em geração, e que nos ensinam sobre os valores humanos e a cultura. Vamos ligar-nos e aprender mais sobre diferentes países de todo o mundo, através das histórias.




Cartaz da IASL. Chhavi Jain, India.


Este ano, convidamos a pensar e celebrar a ligação entre livros, leitura, bibliotecas escolares, contos de fadas e contos tradicionais. Esperamos que o MIBE 2021 seja uma celebração mundial criativa e imaginativa da biblioteca escolar. O tema pode ser interpretado de várias maneiras, mas seja qual for a forma que escolhermos, ele enfatiza a importância das bibliotecas escolares."


Mês Internacional da Biblioteca Escolar (MIBE). (2021). Retrieved 21 September 2021, from https://www.rbe.mec.pt/np4/MIBE.html


sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Carlos de Oliveira | Centenário




Entramos sempre com maior ou menor
conhecimento do facto numa linhagem que nos
convém e é dentro dela que trabalhamos pelas nossas
pequenas descobertas, mesmo os que se pretendem
duma total originalidade. Não há revoluções literárias
que rompam cerce com o passado. Olhem para elas,
procurem bem, e lá encontrarão as fontes, as
referências, próximas ou distantes. Claro, os
escritores que contam são aqueles que acrescentam ou
opõem alguma coisa ao que já existe, ou o
exprimem de maneira diferente, mas cortes totais,
rupturas, não se dão.

Carlos de Oliveira, O Aprendiz de Feiticeiro

















Em 2021, comemora-se o centenário do nascimento de Carlos Oliveira (1921-1981).

EM "Um autor por mês", o PNL2027 associa-se a estas comemorações, divulgando a sua obra, estudos e livros sobre o autor, assim como outros eventos.



quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Crianças, jovens e media na era digital - Consumidores e produtores?

 



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"[...] Neste sentido, o foco colocado na cultura participativa dos jovens na era digital, para que chamou a atenção Henry Jenkins (2009), enfatiza conceitos que são certamente relevantes e inovadores no estudo das práticas transmediáticas, como navegação, jogo, negociação, multitarefa, desempenho ou cognição distribuída. Mas corre o risco de alimentar uma visão épica quer da tecnologia quer da juventude, menosprezando questões críticas como a propriedade e controlo das plataformas digitais, e inerentes interesses e lógicas de ação de quem detém esse controlo, ou as situações (crescentes) de desigualdade e precariedade de importantes segmentos dos grupos juvenis. Acresce que a celebração que é feita frequentemente, quer na doxa dominante quer mesmo no terreno da pesquisa científica, do valor da produção de per si também carece de ser submetida à análise crítica. É, pois, pertinente a pergunta colocada por Sara Pereira neste seu trabalho: “porque entusiasma tanto esta ideia de serem todos produtores?”. O mesmo se poderá dizer do enaltecimento de ser ativo. Como se não interessasse a substância, alcance e sentido de tal atividade produtiva, seja para o próprio seja para os outros."

Prefácio. Em busca das pessoas que moram nos produsers, por Manuel Pinto, pág. 10



quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Regresso à Escola | Receção aos Encarregados de Educação

 

Receção a uma das turmas de 7º ano, nos Arcos



Na nossa escola, hoje foi dia da receção aos Encarregados de Educação. 

No 7º ano, os pais fizeram-se acompanhar dos respetivos educandos. A dar-lhes as boas-vindas, estiveram a Diretora e o Subdiretor da escola, os Diretores de Turma e a coordenadora da Biblioteca Escolar.

A todos os alunos que agora vão iniciar um novo ano letivo, a Equipa da Biblioteca deseja muitas felicidades, lembrando que o sucesso é fruto do esforço pessoal, pautado pelo estudo continuado, pela persistência e pela resiliência, mas também do trabalho colaborativo, da partilha e da empatia.


 

 

Um rei na Biblioteca Nacional

 






O meu rei favorito chamou-se Alfonso. Conheci-o há muitos anos na Biblioteca Nacional de Portugal, na sala de leitura geral. Não sei quem projetou a Biblioteca Nacional, em Lisboa, que, quando a conheci, se chamava «de Lisboa» precisamente, e agora se chama «de Portugal». Talvez devesse saber o nome do arquiteto, mas não sei, nunca soube, e resisto a procurar a informação na Internet. Desconheço o arquiteto, mas reconheço o tempo do que desenhou e julgo saber como pensou. Projeto no pensamento a planta do espaço acessível e, com certa soberba, acredito compreender a experiência que quis impor.

Há uma linha reta que une a porta de entrada e a sala de leitura geral. Invisível inicialmente porque o átrio a apaga e o espaço subsequente a desvia ligeiramente, mas depois lá está ela agindo como o fio de Ariadne a caminho da sala de leitura geral. Antes da chegada, dilui-se na luz que chega do alto pela direita, em espaço de amplo pé-direito. É um compasso de espera, onde sempre conheci o lugar de preparar os pedidos. Antigamente eram ali centrais os grandes ficheiros de madeira, animais pernilongos alojando múltiplas gavetas estreitas e compridas, que se afundavam e descobriam, expondo fichas de papel. O tempo mostrava-se nas formas diversas, e na escrita diversa. Algumas datilografadas, outras escritas com canetas de tinta permanente. Havia muito sossego nos L das cotas desenhados laboriosamente a tinta permanente, e nos O maiúsculos, com um singelo caracol interno. Notava-se o ínfimo pingo de tinta no ponto em que o bibliotecário poisava e levantava a caneta. O esmero com que fazia coincidir o princípio e o fim de alguns traços num único ponto de acumulação ligeira de tinta.

Tinha eu uma destas gavetas totalmente aberta, à altura do peito, quando se aproximou, atravessando o espaço da linha diluída, um colega que amei. Do outro lado da gaveta, anunciou-me a morte de um dos nossos monstros sagrados. Havia então no mundo esta numerosa casta de monstros sagrados, que eu julgava até unidos por afetos umbilicais e reflexos medulares. Pareceu-me nada mais que racional esperar uma dolorosa convulsão entre os continentes do planeta Terra, a implantação imediata de uma prolongada carestia de bens intelectuais insubstituíveis. Nada ocorreu, salvo o habitual acumular de acontecimentos sobre o pó de anteriores acontecimentos. Muitas vezes abri e fechei as gavetas compridas nos ficheiros pernilongos, antes de compreender que são marcas de nascença nossas os monstros sagrados; é preciso mudarmos nós de ser, para que tombem eles, sob pena de morte ou de vida. Nada então se moveu para lá de mim, porque nada ainda podia mover-se dentro de mim.

Os móveis pernilongos ainda lá existem na sala dos pedidos, arrumados num canto. Agora as buscas de títulos e cotas fazem-se em computadores e os pedidos imprimem-se em máquinas que parecem de calcular. Se fôssemos muitos, poderíamos organizar protestos, gesticular amarguras, argumentar que as bibliotecas sem fichas caligrafadas a tinta permanente ou datilografadas a preto e vermelho não são bem bibliotecas, assim como a língua sem a ortografia de outrora não é a língua, e as cidades sem livrarias nem cinemas não são cidades. Confesso almejar a pesquisa e o pedido de livros com o pensamento, por meio de sensores nas têmporas quem sabe, para poder talvez amar estes computadores de desenho disfarçadamente anguloso, estas teclas onde o pó se acumula e entranha em volta dos círculos digitais. Mudar é uma dor, não mudar outra dor, haveremos de fazer a travessia do tempo sempre atormentados pelo amor à memória, e tentados pela resistência.

Volto à linha reta que une a porta de entrada da Biblioteca e a sala de leitura geral, onde conheci o meu rei favorito. Seguindo-a, e deixando para trás o desvio onde se preparam os pedidos, o espaço estreita-se e a luz reduz-se, anunciando mudanças. Quem por ali avança não dá 20 passos sem ser advertido, por esta combinada redução de largura, altura e luz, de que vai entrar em espaço solene onde as regras se alteram. E chegados à sala de leitura, onde a escala não é humana, embora humanamente alcançável, a luz é cuidadosamente condicionada para sublinhar as dimensões: a humana e a sobre-humana. Atravessada a porta, o estreitamento desaparece, mas a penumbra ainda nos acolhe para vermos adiante que a entrada de luz é exclusivamente lateral. À direita, é discreta: só entra muito lá no alto e é coada; abaixo dela, já em relativa penumbra, alinham-se as estantes dos livros em acesso direto, que continuam pela parede do fundo. À esquerda, a luz entra sobretudo à altura humana, sem entraves, por um extenso envidraçado: vê-se uma varanda. Para lá da varanda, água e vegetação a uma cota mais baixa, pelo que, em qualquer ponto da sala de leitura, o sentimento é de suspensão. Vamos suspensos em lenta navegação. À frente de quem entra, estende-se o lençol de mesas e cadeirões, de desenho indisfarçadamente angular, extraído de cubos e paralelepípedos. As pessoas encaixam-se no espaço, limitadas à pequena escala que o arquiteto ali demonstra ser a delas. O pé direito de gigante ergue-se sobre nós, procurando impor o silêncio, e a luz esmorece sobre os livros em baixo, ao fundo e à direita. A regra de silêncio na sala de leitura da BN pretende-se só ornamental; o espaço e a luz devem extraí-lo das pessoas, arrumadas nos móveis e por ali, em circuitos curtos. É fácil ignorar as presenças neste espaço, cortar os canais sensoriais que nos ligam aos outros, refinar a concentração. Respiro mais devagar, o tempo distende-se, a memória da segurança que sentirei neste espaço haverá sempre de assustar-me mais tarde. Mas ali é como se pudesse ficar entre murmúrios, passos curtos, ideias, antigas novidades, maravilhas; o ar que se desentala do peito faz-se notar pela ausência.

Atravessei um dia, enquanto esperava os livros pedidos, todo o espaço que separava da estante ao fundo da sala a minha poltrona. Caminhei entre mesas ocupadas por criaturas silenciosas, até ao fundo onde a penumbra se acentua sobre os livros. Foi ali que conheci o meu rei favorito. Já tinha lido sobre ele, já tinha até falado dele aos meus alunos e já me tinha deixado seduzir pelo grão de loucura que brilha no que este rei fez, no que deixou feito, no que quis fazer. Calhou notar os volumes de uma enciclopédia espanhola; capa dura verde escura e letras douradas. Retirei um volume e folheei, notando o grafismo arredondado, cuidado, muito regular. O verbete sobre Alfonso falava de factos que eu já conhecia. Os feitos, as obras visionárias, megalómanas; as obstinações, as criações, a política, os empreendimentos, o casamento, as alianças, o reino, o primogénito. Falava a enciclopédia do amor de Alfonso a Fernando, o príncipe herdeiro; o que estranhei por não ser habitual falar-se de amor em enciclopédias. Mas só estranhei por desconhecer o que de seguida li e me esclareceu sobre como o amor de Alfonso pelo filho Fernando se tornou num acontecimento político, e conquistou lugar na enciclopédia espanhola. Educado para suceder ao pai, Fernando participava já da governação, e cada vez mais, à medida que o pai envelhecia. Mas o que ninguém esperava que acontecesse aconteceu, e Fernando, já pai de filhos pequenos, perdeu a vida repentinamente, em vésperas de uma batalha. Dizia a enciclopédia espanhola que foi tal a guerra pela sucessão logo aberta, que os filhos de Fernando correram risco de vida e tiveram de os retirar do reino. Que Alfonso defendeu em vão o direito destes netos à sucessão no trono, roubado enfim por um irmão de Fernando. Dizia também a enciclopédia que Alfonso nunca após a morte de Fernando voltou a ser o mesmo; nem o rei nem o homem. E foi assim que conheci o meu rei favorito, lendo de pé um pesado volume de uma enciclopédia verde, ao fundo da sala de leitura geral da Biblioteca Nacional de Portugal. Meu rei favorito pelo pensamento criativo, pela liberdade um pouco alucinada, até pela obstinação; por todas as perdas, as que não poderia ter evitado e as que poderia ter evitado; pelas infinitas fraquezas, tanto quanto pela desenfreada bravura.

Voltei àquele lugar da Biblioteca Nacional de Portugal, àquele momento em que conheci o meu rei favorito, todas as vezes em que a perda de pessoas para a morte ou para a vida me pôs de joelhos. E de joelhos fiz por me reerguer agarrada ao rosário de pensar que cada perda talvez tornasse estatisticamente menos provável a perda das minhas crias.

Ângela Correia. Bibliotrónica Portuguesa | Setembro 8, 2021

(editado por Nazaré Carvalho)


Literacias cívicas e críticas

 




























Título: Literacias cívicas e críticas: refletir e praticar 
Autoras: Maria José Brites, Inês Amaral & Marisa Torres da Silva 
Editora: CECS - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade Universidade do Minho Braga. Portugal
ISBN: 978-989-8600-88-2 
Capa: Fotografia: Faizal Sugi | Composição: Pedro Portela 
Formato: eBook, 186 páginas 
Data de Publicação: 2019, novembro




"Este livro reflete preocupações científicas das três editoras da obra. Existe um traço comum, a ligação ao jornalismo e à democracia, e o seu cruzamento com as literacias críticas, impossíveis de considerar sem o crescente interesse científico e social em relação ao discurso do ódio, numa sociedade em que o transmedia storytelling aponta para o imperativo de saber reconhecer, usar e operar as multiplataformas. As literacias críticas vão, pois, além da definição clássica de educação para os média. A literacia crítica dos média, além de contemplar o acesso, análise e produção nos média, inclui igualmente olhares sobre relações de poder.


[O conceito de] literacia crítica mediática tem como objetivo ampliar a noção de literacia para incluir diferentes formas de cultura mediática, tecnologias da informação e comunicação e novos média, assim como aprofundar o potencial da literacia para analisar criticamente as relações entre média e público, informação e poder. Uma abordagem multiperspetiva que aborda questões de género, raça, classe e poder é utilizada para explorar as interligações entre literacia mediática, estudos culturais e pedagogia crítica (Kellner & Share, 2007, p. 59) [1]


Como aponta o título do livro, procuramos trazer uma reflexão diversificada sobre contextos cívicos, incluindo as literacias cívicas e críticas, sem a intenção de exaustividade sobre estas temáticas, tentando trazer para pistas de trabalho futuro. Em paralelo, pretendemos apresentar propostas práticas que educadores de diferentes naturezas, técnicos que trabalham em associações, famílias, ou outros atores sociais possam usar para pensar a educação para os média."

Maria José Brites, Inês Amaral & Marisa Torres da Silva



[1] Kellner, D. & Share, J. (2007). Critical media literacy is not an option. Learn Inq, 1(1), 59-69. https://doi.org/10.1007/s11519-007-0004-2




terça-feira, 14 de setembro de 2021

O livro novo

 


Um livro não é uma prenda que cai do céu, é uma coisa conquistada migalha a migalha, o resultado, pelo menos para mim, de uma paciência infinita, um – Anda lá rapaz sem termo à vista. E o rapaz lá vai, cheio de cuidado com os sítios onde pôr os pés, dado que tudo escorrega à minha volta. Ao mesmo tempo gosto destes desafios, desta luta. Lembra-me a guerra e eu não gosto de perder, não me resigno a perder.


Ilustração: Susa Monteiro




E, finalmente, ao cabo de quase dois meses sem escrever, sinto o próximo livro a aproximar-se devagarinho de mim. Hoje, sem que eu esperasse, a meio de uma conversa acerca de Tolstoi e quando o meu sócio de trabalho me lembrou uma passagem de Ivan Ilitch, que diz “a história passada da vida de Ivan Ilitch fora a mais simples e vulgar e, por isso, a mais horrível”, vibrei numa espécie de explosão interior e, de repente, todo o trabalho ali estava, numa evidência absoluta. Tinha passado parte de novembro às voltas com um projecto que, tal como estava, não me servia e continuava a não me servir apesar de todas as alterações que lhe introduzi. Acabei por desistir dele e tornar-me mais pobre do que os mortos, sem soluções alternativas, sem caminho nenhum para parte alguma, julguei que a torneira se havia fechado para sempre

(julgo sempre que a torneira se fechou para sempre)

os dias começaram a arrastar-se como lesmas, passava-os sentado à mesa, de caneta na mão, a olhar o papel vazio numa paciência imóvel que me doía, a perder esperança e hoje, de súbito, a frase que citei acima escancarou a porta e eis o livro à minha frente, à espera, dava ideia que a olhar-me, quer dizer não bem o livro, apenas o material inteiro do livro amontoado em desordem como um modelo para armar, com as suas inúmeras peças apesar de dispersas, prontas a encaixarem umas nas outras e eu com medo de tocar-lhes e cheio de vontade de principiar a utilizá-las, ainda incrédulo com esse favor dos deuses. Agora tenho que dar-lhe uma estrutura antes de principiar a construir, há imensos ocos aqui e ali, inúmeros problemas técnicos ainda sem solução, montes de direções enganosas. Mas tenho-o e isso provoca-me um alívio difícil de exprimir. Eu pensava acabar o meu trabalho com dois livros, o primeiro dos quais agora à minha frente, depois espero que o outro e pronto. Mas este já está. Quer dizer espero que já esteja. É apenas necessário estruturar o material, ajeitar aquilo tudo, principiar, cheio de medo, a compô-lo. Eu funciono por aperfeiçoamentos sucessivos, corrigindo, corrigindo. É um livro difícil de fazer mas que livro até hoje não foi difícil de fazer? E depois gosto de desafios. O pior, o nada que existia em mim, já passou. E aí vou eu, tem-te não caias, páginas fora. Que trabalho tão estranho escrever. Chama-se “Pássaros Quase Mortais Da Alma”, vamos ver o que consigo com ele. Mas hei-de ganhar nem que deixe lá os ossinhos todos. Possuo uma dúzia vozes, faltam-me outras que é necessário colocar nos buracos respectivos. Estes “Pássaros” hão-de voar porque eu quero. Um livro não é uma prenda que cai do céu, é uma coisa conquistada migalha a migalha, o resultado, pelo menos para mim, de uma paciência infinita, um

– Anda lá rapaz

sem termo à vista. E o rapaz lá vai, cheio de cuidado com os sítios onde pôr os pés, dado que tudo escorrega à minha volta. Ao mesmo tempo gosto destes desafios, desta luta. Lembra-me a guerra e eu não gosto de perder, não me resigno a perder. Daqui a não sei quanto tempo ficará pronto, como os restantes. Mas deixa-se a pele

(e um bom bocado de carne)

nisto. De resto por que motivo me lamento se não trocava a minha vida por nada? Acho que não escolhi este caminho, limitei-me a aceitá-lo, respondi

– De acordo

a uma qualquer voz desconhecida que me propôs este pacto, uma espécie de encontro entre duas solidões. Olho para a janela, é noite agora. Tudo preto. Casas ao longe. E eu, sei lá porquê, a pensar nos meus pais. Gostava que me houvessem dado colo, nunca me deram. Sou tão pequeno às vezes, sabiam? É verdade: sou tão pequeno às vezes. Onde pára o meu aviãozito de madeira? Apetece-me fazer

– Vvvvvvvv

com ele até sair pela janela a caminho de mim.


António Lobo Antunes. Visão | O livro novo. (2019). Retrieved 14 September 2021, from https://visao.sapo.pt/opiniao/a/antonio-lobo-antunes/2019-02-01-o-livro-novo/

(Crónica publicada na VISÃO 1351, de 24 de janeiro de 2019)

Escrever

 


Estás de facto sozinho. Os ruídos da casa desapareceram. A presença dos outros desapareceu. O tempo é apenas um ponteiro que não aponta nada ou aponta mil caminhos, o que é a mesma coisa. E o caminho não passa de um vazio cheio de sons que se torna necessário encontrar o único som autêntico, o som inicial, a tua voz oculta por mil ecos aliás indecifráveis ou aparentemente sem nexo.



Ilustração: Susa Monteiro




Aos cinco anos a minha mãe ensinou-me a ler e passadas semanas comecei a ensinar-me a escrever, trabalho que continua porque, às vezes, sou um aluno difícil de mim mesmo e tenho que estar constantemente a meter-me na ordem. Apresento-me as páginas, respondo

– Ainda não é isso

e começo de novo até me ordenar

– Volta a fazer

de modo que torno à mesma frase, danado comigo, furioso que ser espontâneo dê tanto trabalho como dizia o Manel da Fonseca. Não trabalho na quinta ou na décima versão, trabalho para conseguir a primeira, 
a única que interessa e que, às vezes, surge depois da oitava, outras no meio da décima sétima, outras ainda, mais frequentes, não surge nunca. Um livro é um milagre estranho, com regras por vezes aparentemente contraditórias, ou absurdas, ou as duas coisas juntas, o sucesso e o fracasso sempre indistintos, a solução questionável, o resultado aleatório e a qualidade duvidosa. Se calhar o máximo que é possível não passa de uma satisfação transitória: portanto relê, relê, relê, volta ao início, principia de novo: trabalhas no escuro, à espera de uma pequena luz que tarda em chegar. Como Hipócrates dizia acerca do trabalho do médico, a Arte é longa, a Vida breve, a experiência enganadora, o juízo difícil e a oportunidade fugidia. Mas, se não fosse assim, que interesse tinha? Nada é vulgar, tudo é excepcional. Escreve outra vez. Tenta de novo. Como dizia 
o meu amigo Eugénio isto é um ofício de paciência e o escritor não passa de um relojoeiro das emoções, digo eu, a tentar fazer coincidir os ponteiros da alma com os do tempo. E o livro uma natureza-morta de emoções. Sopra-lhe vida, tu. Sopra-lhe tudo o que és, segundo a técnica de Deus com o barro inicial. Faz as personagens de uma costela tua, dá-lhes o teu tamanho e a tua esperança. E tenta transformar a vitória numa gloriosa derrota. Até agora, no trabalho em que estou, suado e aflito, consegui dois capítulos. Talvez o primeiro me sirva de apoio, talvez tenha começado a voar no segundo. Como voar agora? Como dar a isto a dimensão de um homem? Gloriosas derrotas? Goethe sustentava que não alcançar era a nossa única grandeza. De modo que a vitória possível é uma resplandecente humilhação. Com isto bem presente talvez possas continuar. Talvez o dedo da tua mãe te auxilie, apontando um espaço branco no livro de leitura:

– Diz-me esta frase aqui

de modo que repete em voz alta para ela as palavras que começam a lá estar, e surgindo devagarinho, uma após outra, da brancura do papel. Continua a avançar tacteando, continua a avançar. Espera por ti na esquina de uma página, tropeça, levanta-te, não pares. Já tens 
o título do livro, as cores dele, uma espécie de clima que começa a ser-te familiar: é o teu rosto de homem nu e desfigurado, o melhor que podes conseguir é o teu rosto vivo e, nele, todos os rostos da tua vida, até ao último, que só terás quando não puderes ganhá-lo porque já não és e, ao não seres, continuas. Goethe ainda: é o não chegares que faz a tua verdadeira grandeza. E então pede

– Mais luz

como ele fez ao morrer. Pede

– Mais luz

enquanto te transformas em trevas que têm a forma do teu corpo. Depois levanta-te e continua sozinho dado que ninguém te ajuda. Estás de facto sozinho. Os ruídos da casa desapareceram. A presença dos outros desapareceu. O tempo é apenas um ponteiro que não aponta nada ou aponta mil caminhos, o que é a mesma coisa. E o caminho não passa de um vazio cheio de sons que se torna necessário encontrar o único som autêntico, o som inicial, a tua voz oculta por mil ecos aliás indecifráveis ou aparentemente sem nexo. Tudo é irreal, tudo é misterioso e é necessário transformar esse tudo num fiozinho, quase invisível, de água pura. Um livro não é o que está escrito nele, é o que está escrito em ti, um livro é o teu sangue ao longo das páginas. O teu sangue, o teu olhar e o teu gesto, como queria Rilke, tornares-te um pássaro quase mortal de alma, o título que pretendes dar ao que agora escreves e encontraste numa elegia do Duíno, como um grito do Poeta enterrado na água. Não como: o grito

(sem como)

do Poeta enterrado na água e, com esse grito usado como bengala na mão, caminha ao teu próprio encontro, que é tudo aquilo que poderás achar, ou seja um infinito nada com vozes. Escuta-te. Tropeça na tua sombra e escuta-te porque tens que deixar de escutar-te para poderes ouvir. E então as palavras principiam, uma a uma, a chegar. Ninguém desce vivo de uma cruz, a não ser que já haja nascido. Ainda estás, ainda és. A tua mãe chama-te com um livro aberto nos joelhos, ela que explicava tão bem a forma como ensinara os filhos a lerem. A gente ia e vinha e ela continuava à espera, ela, uma rapariga de vinte e tal anos com todas as palavras deste mundo no colo, quietas, prontas a correrem para ti ao aprenderes-lhes os nomes. Escrever é nomear apenas, uma tentativa de ordenação do confuso vazio interior, és tu a aproximares-te de ti mesmo. Digo isto e ilumino-me dos olhos verdes dela, à minha procura entre o seu sorriso e o mundo. Ocupava tão pouco espaço e no entanto a vida inteira cabia-lhe lá dentro. Vieste dali e é a esse ali que tens de voltar. Diz

– Mãe

porque aliás nunca te foste embora. Pois não?

António Lobo Antunes. Visão | Escrever. (2019). Retrieved 14 September 2021, from https://visao.sapo.pt/opiniao/a/antonio-lobo-antunes/2019-02-22-escrever/


(Crónica publicado na VISÃO 1354, de 14 de fevereiro)


Avaliação formativa: 7 abordagens

 






"A avaliação formativa - descobrir o que os alunos sabem enquanto ainda estão a aprender - pode ser complicada. Planificar a avaliação certa pode parecer uma aposta exigente - para professores, não para alunos - porque estamos a usar isso para descobrir o que vem a seguir. Estamos prontos para seguir em frente? Os nossos alunos precisam de um caminho diferente para os conceitos? Ou, mais provavelmente, que alunos que estão prontos para seguir em frente e que alunos  precisam de um percurso diferente?

Quando se trata de descobrir o que os nossos alunos realmente sabem, temos que examinar mais do que um tipo de informação. Um único ponto de dados - não importa o quão bem elaborado um questionário seja, a apresentação ou o problema por trás dele - não é informação suficiente para nos ajudar a planear a próxima etapa da nossa instrução.

Acrescente a isso o facto de que diferentes tarefas de aprendizagem são melhor medidas de maneiras diferentes, e podemos ver por que precisamos de uma variedade de ferramentas de avaliação formativa que podemos implementar de forma rápida e perfeita - tudo ao mesmo tempo não criando uma difícil gestão da carga de trabalho. É por isso que é importante mantê-lo simples: as avaliações formativas geralmente precisam apenas de ser verificadas, não avaliadas, pois o objetivo é obter uma leitura básica sobre o progresso dos alunos ou da turma como um todo.

Veja aqui 7 abordagens para a avaliação formativa

7 Smart, Fast Ways to Do Formative Assessment. (2021). Retrieved 18 July 2021, from https://www.edutopia.org/article/7-smart-fast-ways-do-formative-assessment



sábado, 11 de setembro de 2021

Plano Escola 2021-2023 | Escola+

 


Definir o que é essencial para o sucesso de todos os alunos


Na sequência das Orientações para a Recuperação e Consolidação das Aprendizagens ao Longo do Ano Letivo de 2020/2021 (ME, 2020), e do lançamento do Plano Escola 21|23 Escola+, cabe às escolas criarem os seus planos de atuação onde contemplem as respostas organizacionais, curriculares e pedagógicas que encontraram para a recuperação e consolidação das aprendizagens dos seus estudantes.

Um dos primeiros passos a seguir é a seleção das aprendizagens consideradas verdadeiramente essenciais.

Estas aprendizagens são as que correspondem ao que os estudantes devem aprender, em cada ano, para terem sucesso. Distinguem-se de outras menos prioritárias e que servem para enriquecer o que o aluno aprende.

Estas aprendizagens são transferíveis e duradouras.





A elaboração do plano de atuação implica o trabalho colaborativo e envolve cinco momentos essenciais:

1.º Analisar os documentos de referência

É importante que os docentes clarifiquem conceitos, para que todos "falem a mesma língua" e trabalhem para o fim último que é o sucesso dos estudantes.


2.º Definir os resultados de aprendizagem

A equipa deve começar por definir os resultados de aprendizagem pretendidos, isto é, o que os alunos devem saber após um determinado período de tempo, numa determinada área.


3.º Selecionar as aprendizagens a realizar pelos estudantes

Nota: Não esquecer que se devem privilegiar as aprendizagens que sejam essenciais para o sucesso do aluno e que sejam transferíveis e duráveis. Devem ter-se em conta, também, as aprendizagens que poderão ser avaliadas em provas/ exames nacionais.


4.º Definir níveis de desempenho para cada aprendizagem

Após a seleção das aprendizagens essenciais, os professores devem identificar os elementos observáveis ou as manifestações de aprendizagem que correspondam ao objetivo definido, através da definição de níveis de desempenho (adequados aos critérios de avaliação).

Os alunos devem ter conhecimento destes níveis de desempenho, isto é devem saber, de forma clara, o que se espara deles.

É importante, também, pensar na forma como os alunos vão demonstrar o que aprenderam (projeto, apresentação oral, teste escrito,...)


5.º Planificar o processo de ensino e de aprendizagem

A equipa pedagógica deve planificar as sequências de aprendizagem em conjunto.

Deve ser criado um documento flexível e aberto a alterações que podem e devem ser incluídas sempre que necessário, por exemplo para adequar a planificação ao ritmo de aprendizagem dos alunos.

Para cada sequência de aprendizagem, os professores devem definir uma tarefa de avaliação em conjunto que permita verificar se os alunos realizaram as aprendizagens pretendidas.

Blogger. (2021). Retrieved 11 September 2021, from https://www.blogger.com/blog/post/edit/3


Pode ler o artigo completo no Bibliotubers.




9/11

 

















Foto feita com todos os rostos das pessoas que morreram nos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.



sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Artes, ambientes mediáticos, educação e plataformas







Fernando Irigaray, Regilene Ribeiro, Vicente Gosciola, Maria Cristina Gobbi e Marcelo Silva
Orgs.

Editorial de la Universidad Nacional de Rosario, 2018.





Esta série de 5 livros reúne trabalhos selecionados de centenas de pesquisadores que reuniram-se para o 1º Congresso Internacional de Media e Tecnologia “Neil Postman e a Nova Ecologia dos Meios”, evento organizado pelo Grupo de Estudos sobre a Nova Ecologia dos Meios (Genem) na Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Bauru, Brasil, entre os dias 4 e 6 de outubro de 2017.

O objetivo foi reunir contribuições de pesquisas sobre a relação entre a sociedade contemporânea e os seus cenários mediáticos, tendo como principal inspiração os conceitos seminais propostos pelos media ecologistas, seguindo a tradição fundada por Marshall McLuhan e Neil Postman para a compreensão das linguagens, interfaces, ambientes e processos que caracterizam as interseções entre media e tecnologia.

 

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Bom ano letivo!

 






Prestes a iniciar-se o novo ano escolar, a Equipa da Biblioteca deseja um bom ano letivo a toda a Comunidade Escolar, em particular aos alunos e professores que irão estar na nossa escola pela primeira vez.


LEME - Plataforma agregadora de recursos sobre literacia dos media

 






O sítio Internet Literacia e Educação para os Media Em linha (LEME) é um agregador de recursos (ex: vídeo, áudio, jogos, propostas de atividades), disponíveis em linha e prontos a usar em atividades pedagógicas a desenvolver em contextos formais, não-formais ou informais de aprendizagem.

A pesquisa de recursos pode ser feita de três formas:

a) Pela pesquisa geral do site

b) Através de filtros cujas opções o utilizador vai selecionando em função dos seus interesses, a saber:

  • Acesso, uso e inclusão
  • Comunicação, entretenimento e informação
  • Consumo informado
  • Privacidade e segurança
  • Identidade e bem-estar
  • Liberdade, ética e empatia
  • Conhecimento e compreensão
  • Pesquisa e análise
  • Produção e linguagens
  • Publicação e participação

Dia internacional da literacia

 







O Dia Internacional da Literacia de 2021 tem como tema "Literacia para uma recuperação centrada no ser humano: Estreitando a exclusão digital ”.

"A crise do COVID-19 interrompeu a aprendizagem de crianças, jovens e adultos numa escala sem precedentes. Também ampliou as desigualdades pré-existentes no acesso a oportunidades significativas de alfabetização, afetando desproporcionalmente 773 milhões de jovens e adultos não alfabetizados. A alfabetização de jovens e adultos estava ausente em muitos planos de resposta nacionais iniciais, enquanto vários programas de alfabetização foram forçados a interromper seus modos usuais de operação.

Mesmo em tempos de crise global, têm sido feitos esforços para encontrar formas alternativas de garantir a continuidade da aprendizagem, incluindo o ensino à distância, muitas vezes em combinação com a aprendizagem presencial. O acesso a oportunidades de alfabetização, no entanto, não foi distribuído de maneira uniforme. A rápida mudança para o ensino à distância também destacou a persistente divisão digital em termos de conectividade, infraestrutura e capacidade de se envolver com a tecnologia, bem como disparidades em outros serviços, como o acesso à eletricidade, que tem opções de aprendizagem limitadas.

A pandemia, no entanto, veio chamar a atenção para a importância crítica da literacia. Além de sua importância intrínseca como parte do direito à educação, a literacia capacita os indivíduos e melhora as suas vidas ao expandir as suas capacidades de escolher um tipo de vida que possam valorizar. É também um motor para o desenvolvimento sustentável. A literacia é parte integrante da educação e da aprendizagem ao longo da vida com base no humanismo, conforme definido pelo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4. A literacia, portanto, é fundamental para uma recuperação centrada no ser humano da crise do COVID-19."

UNESCO


terça-feira, 7 de setembro de 2021

COVID 19 - Referencial Escolas

 


















Este documento pretende apresentar, de uma forma simplificada, informação sobre a COVID-19, bem como sobre as medidas a implementar por diferentes atores da comunidade educativa. O objetivo é servir como referencial de atuação para a prevenção e controlo da transmissão de SARS-CoV-2 no que respeita à gestão de casos e surtos de COVID-19, em contexto escolar. As medidas apresentadas têm como base os princípios de evidência e conhecimento científico, bem como a evolução da situação epidemiológica, não dispensando, contudo, a consulta e cumprimento da legislação em vigor ou outras orientações específicas para os estabelecimentos de educação e/ou ensino.



domingo, 5 de setembro de 2021

In Memoriam | Isabel da Nóbrega

 


Isabel da Nóbrega (1925-2021): uma obra breve que marcou a ficção portuguesa







Maria Isabel Guerra Bastos Gonçalves, ou Isabel da Nóbrega, pseudónimo pelo qual ficou conhecida, nasceu em Lisboa, em 1925, no seio de uma família protestante. Foi uma cronista, sem frases feitas, nem sentimentalismos bacocos, no tempo em que não abundavam mulheres nas redações de jornais, muito menos na escrita de crónicas.

Mas foi também escritora de contos, teatro, romance e literatura infantil. Em 1965, a obra Viver com os Outros valeu-lhe o prémio Camilo Castelo Branco e a conquista de um lugar na literatura portuguesa.


Para saber mais sobre Isabel da Nóbrega:


O poder da leitura

 

Selecionar legendas em português.



Ler e escrever podem ser atos de coragem que nos aproximam dos outros e de nós mesmos. A autora Michelle Kuo partilha o modo como o ensino de habilidades de leitura aos seus alunos no Delta do Mississippi revelou o poder de ligação da palavra escrita - bem como as limitações de seu poder.


Michelle Kuo é professora, advogada, escritora e defensora apaixonada da educação prisional. Ensinou inglês numa escola alternativa para crianças que foram expulsas de outras escolas na zona rural de Arkansas, localizada no Delta do Mississippi. Enquanto estava na Harvard Law School, recebeu o prémio da National Clinical Association pela sua defesa de crianças com necessidades especiais.
Em 2017, lançou Reading with Patrick, um livro de memórias sobre o ensino da leitura numa prisão rural de um condado de Arkansas. O livro explora questões sobre o que devemos uns aos outros e como a desigualdade económica e racial determina a nossa vida.


sábado, 4 de setembro de 2021

Que fazes tu no céu, ó lua?

 




Um dos filósofos mais originais e discretos do século XX, o russo Pavel Florenskij, escreveu: "A nossa vida escapa-nos como um sonho, e é possível não chegar a tempo de fazer coisa alguma neste breve instante que é a vida. Por isso, é necessário aprender a arte de viver, a mais difícil e a mais importante das artes: a capacidade de conferir a cada hora um conteúdo substancial, conscientes de que aquela hora não tornará jamais." Pode, de facto, acontecer-nos "não chegar a tempo" até porque, precisamente, o tempo é uma alta febre que nos toma e que, não raro, nos atira borda fora da nossa própria embarcação. Desde que ganhámos consciência de que estamos dentro do tempo, de que somos seres amassados na argila do tempo, deixámos de ter tempo. A nossa vida, quase por completo, está destinada ao fazer e ao produzir, a essa luta certamente áspera, monótona ou dilacerante, mas também apaixonada, envolvente e, à sua maneira, vital. Na verdade, não há, à partida, nenhum problema com a vida ativa da qual dependemos, e não só para garantir a basilar luta pela sobrevivência. O coágulo forma-se quando a atividade se torna o fim e nós os instrumentos; quando, manhã após manhã, o espelho testemunha como nos estamos a transformar em elementos puramente instrumentais de uma vida que já não quer saber de nós. Muitas vezes, a esse lampejo de consciência, reagimos pressionando ainda com mais força o pé contra o acelerador, deixando-nos ir, aceitando que não nos resta outra forma de aceitar a temporalidade. E tentamo-nos consolar dizendo: "não tenho vida, mas tenho coisas", "não tenho tempo para nada, mas adquiro poder de compra". 

Às nossas sociedades falta uma reflexão séria sobre a completude da experiência humana e sobre as reivindicações – a maior parte delas sufocada – por um estilo de vida mais equilibrado. O dever ou o direito de fazer não tem de se construir sacrificando a toda a linha o dever ou o direito de ser. A estimulação para o ativismo não tem de ser tão brutal que insista em queimar – com a rapidez com que arde um fósforo – todos os recursos, exteriores e interiores, que alguém possui para viver. A pressa não pode ignorar por completo a lentidão. A vida ativa não tem necessariamente de suprimir a necessidade que cada um de nós sente de contemplação. Vêm-me ao pensamento os versos do "Canto Noturno de Um Pastor Errante da Ásia", do poeta Giacomo Leopardi: "Que fazes tu no céu, ó lua? Diz-me / que fazes, silenciosa lua? […] / Diz-me ó lua, afinal / que vale ao pastor a sua vida, / ou para que te serve a ti a tua? Diz-me para que direção / caminha este meu breve vagar / e para onde se dirige o teu curso imortal?" Na composição, o pastor errante contempla a lua. Com que necessidade? Em busca de quê? Em busca de uma profundidade que porventura nunca conseguiremos atingir completamente, mas na qual precisamos de nos sentir imersos. Há um horizonte mais amplo, para lá da resolução individual da minha existência: ficarei incompleto, alguma porção essencial de mim ficará por se desenvolver, se nunca tiver chegado verdadeiramente a confrontar o "meu breve vagar" com o "curso imortal". Na língua latina, a palavra contemplação deriva da junção de dois termos: cum e templum, que indicava na antiguidade o espaço aberto nas cúpulas para que se interpretassem os sinais do futuro. Contemplar é não apenas introduzir uma benéfica lentidão no nosso olhar. É também colher o tempo da vida como um tecido relacional, uma intersecção dialógica que dilata ao infinito o sentido da nossa existência.

José Tolentino Mendonça. Que fazes tu no céu, ó lua?, in E – A Revista do Expresso, 18 de julho de 2020, p. 90.


A última árvore

 

Cartoon de Guaico


sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Podcast | Dias úteis

 







A paixão pela poesia e a vontade de a dar a conhecer a cada vez mais pessoas é um traço distintivo do podcast Dias úteis.

Todas as manhãs (e por vezes à tarde também), um poema é lido e dado a conhecer a todos aqueles que já gostam do género mas também a quem acha que não gosta.

Cada dia algo novo, diferente, poucos minutos onde não se avaliam qualidades mas sim a magia da palavra escrita que andou a fazer o seu caminho pelo interior do leitor até chegar ao público. Para além de uma pequena dose diária de poesia, fazem parte dos objetivos dar a conhecer autores e textos menos conhecidos e incentivar a aquisição de livros, facilitando o contacto com as obras de onde são recolhidos os excertos.