quinta-feira, 19 de setembro de 2019

O homem ilustrado




Guta Moura Guedes
Design | E-Revista Expresso







As ilustrações são desenhos que contam algo, que demonstram visualmente uma ideia

E
ra Uma Vez... em Hollywood” não é o melhor filme de Quentin Tarantino, mas é um Tarantino. Portanto, imperdível. No mais recente filme deste caleidoscópico realizador de cinema, cuja trama se passa em 1969, há um momento em que no som de fundo se ouve falar do lançamento de um outro filme, o “Homem Ilustrado”, dirigido por Jack Smight, que estreou nesse mesmo ano. A referência é subtil, uma voz na rádio anuncia o filme baseado no livro do poeta e escritor de ficção científica Ray Bradbury, mas para quem gosta da obra deste último não passa despercebida e para quem gosta de Tarantino também não. À custa disso vi todo o filme de Tarantino a pensar em Bradbury.

O “Homem Ilustrado” é um livro prodigioso de ficção científica. Publicado em 1951, reúne 18 contos que surgem das tatuagens que cobrem o corpo do protagonista. Os desenhos no livro não aparecem por causa da simbologia específica das tatuagens — são sim ilustrações que, por um destino que desconhecemos, estão gravadas na pele de um homem e que à noite ganham vida própria e contam histórias sobre o futuro.
As ilustrações são isso mesmo. São desenhos que contam algo, que demonstram visualmente uma ideia. Que ajudam a que esta se torne mais clara e mais facilmente compreensível. Mas também são desenhos que meramente adornam, quer um objecto, quer um livro, quer um corpo, tornando-o mais bonito ou dando-lhe um outro sentido ou dimensão. Mas as ilustrações também falam sozinhas, não sendo às vezes suporte de nada, tornando-se uma outra camada de realidade. Há livros em que é difícil saber o que é o mais importante, se o texto se as ilustrações; existem paredes ou móveis em que o único factor que os torna únicos e inesquecíveis são os desenhos que neles estão. Existem pessoas que registamos para sempre por causa das tatuagens que têm na pele.
A linha de divisão entre designers gráficos, ilustradores, artistas plásticos é muito ténue. Pertencem os três ao território do desenho e da criatividade onde fronteiras rígidas não fazem sentido, como em tantas outras áreas. Se nós, os que não desenhamos, pensamos com palavras ou com imagens é algo que não conseguimos definir. O facto é que com as ilustrações a forma como percepcionamos o mundo se aprofunda e multiplica.
Expresso, 14 de setembro de 2019

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