sexta-feira, 25 de julho de 2025

Ebook | Crianças, Jovens e media: Vidas (Des)Ligadas?

 

 

 

Sara Pereira & Daniel Brandão (eds), UMinho Editora, julho 2025

 



A obra Crianças, Jovens e Media: Vidas (Des)Ligadas? Atas do Congresso bYou reúne, na primeira parte, o texto de introdução do congresso e os textos dos dois oradores da conferência de abertura: Ana Beatriz Pereira, aluna do 12.º ano da Escola Secundária Vitorino Nemésio, e João Marecos, advogado e investigador ligado a vários projetos culturais, jornalísticos e de cidadania. 
 
Na segunda parte, são apresentados 10 textos de investigadores nacionais e internacionais que participaram no evento. 
 
A terceira parte inclui o Manifesto produzido a partir da discussão, das conclusões e das recomendações dos dois dias de trabalho. Inclui igualmente um texto poético da autoria de José Miguel Braga, inspirado nos resumos das comunicações dos participantes, bem como em textos produzidos no âmbito do projeto bYou.
 

sexta-feira, 18 de julho de 2025

A brincadeira

 

  #alermaisemelhor

 

Milan Kundera - Portal da Literatura

“Nenhum grande movimento que pretende transformar o mundo pode tolerar o sarcasmo e a troça, porque é uma ferrugem que corrói tudo”, escreve Kundera



Enquanto decorre nos tribunais portugueses o lamentável julgamento de um vídeo humorístico, talvez alguns leitores se lembrem de A Brincadeira (1967), o romance de estreia de Milan Kundera. Mas a brincadeira, nessa história, tem consequências graves, como graves foram as consequências para o autor.

À época, Kundera era um crítico “construtivo” do comunismo, e o romance tem um registo paródico (os baptizados reconvertidos em “boas-vindas aos novos cidadãos”, o puritanismo nos costumes, a indistinção entre esfera pública e privada, a tentativa de “comunizar” o folclore, etc.). Vivia-se já depois de desestalinização e antes ainda do esmagamento da Primavera de Praga. Um dos protagonistas do romance, Ludvik, está enfadado com o socialismo sisudo, e brinca com isso: “(…) as minhas piadas eram pouco sérias, enquanto a alegria de então não admitia nem palhaçadas nem ironia, era uma alegria grave que se afirmava orgulhosamente ‘o optimismo histórico da classe vitoriosa’, uma alegoria ascética e solene, numa palavra, a Alegria”. Esta maiúscula diz tudo, sugerindo uma alegria oficial, uma alegria de Estado, tal como Robespierre impôs uma religião laica.

Para provocar uma rapariga renitente, Ludvik envia-lhe um postal que diz: “O optimismo é o ópio do género humano! O espírito são tresanda a estupidez. Viva Trotski!” Em três frases, três delitos: gozar com o optimismo antropológico marxista (comparando-o com a tese de Marx de que a religião é “o ópio do povo”); fazer pouco dos regimes autoritários onde as pessoas se dividem entre “sãos” e “degenerados”; e louvar o inimigo número um do comunismo ortodoxo, Trotski, de quem Estaline tinha dialecticamente discordado por interposta picareta.
 

 
A Brincadeira (1967) é o romance de estreia de Milan Kundera


Quando o postal é apreendido pelas autoridades, Ludvik perde tudo. A rapariga, os colegas e amigos, o direito de frequentar a universidade, e ainda é expulso do Partido e condenado a trabalhar numa fábrica e depois nas minas. Ele bem pode argumentar, “camarada, era só uma graça”, porque a “graça” era justamente a prova de que ele sofria de todas as taras de um não-comunista: individualismo, cinismo, cepticismo. “Até um niilista pode ser alegre”, lançam-lhe, como insulto supremo.

Uma parte substancial do romance, longo e demorado, discute outros assuntos, nomeadamente a vida erótica de Ludvik, as mulheres teimosamente castas, a rivalidade masculina, a fidelidade e a espera (no amor como no socialismo), a injustiça que não será reparada mas esquecida, a juventude como “idade lírica” (e em Kundera esse epíteto não é um elogio). Quanto à brincadeira original, Ludvik compreende que “nenhum grande movimento que pretende transformar o mundo pode tolerar o sarcasmo e a troça, porque é uma ferrugem que corrói tudo”. Alguém cometeu um erro, mas quem? Ele ou as autoridades? O postal era uma brincadeira que foi levada a sério, portanto alguém se enganou. Mas não será esse um pequeno erro no meio de grandes erros ligados mais à História do que às histórias?

Em posfácio a uma edição revista, Kundera conta que A Brincadeira foi um sucesso na Checoslováquia, vendeu 120 mil exemplares, recebeu óptimas críticas, mas que, quando os russos invadiram o país, o romance foi retirado das livrarias, uma vez que os comunistas verdadeiros se portaram como os comunistas ficcionais. Os episódios inesperados continuaram: por intermédio de Aragon, o livro saiu na Gallimard e teve bom acolhimento. A ironia está no facto de Aragon ser um comunista ortodoxo. E faltava uma última peripécia: à época, Kundera não dominava o francês, por isso não se apercebeu de que a tradução era muito má, arruinando o seu estilo legível com uma prosa barroca. Descobriu depois, e os biógrafos confirmam, que o tradutor era um agente checo que quis sabotar o romance. Essa brincadeira também acabou mal.
 
Pedro Mexia. E-Revista, Semanário Expresso, 17 de julho de 2025 

 

quinta-feira, 3 de julho de 2025