sexta-feira, 26 de novembro de 2021

A educação em primeiro lugar – a verdade sobre a violência de género





    Girl in an orange dress, de Virginia Hadfield


Um dos obstáculos à luta contra a violência de género é o facto de esta ainda não ser totalmente entendida como um problema da sociedade. Uma parte significativa da população europeia continua a acreditar que este tipo de violência é predominantemente uma questão doméstica. Este obstáculo tem um efeito muito negativo sobre as vítimas, que podem optar por não falar nem denunciar a violência ou, quando o fazem, podem mesmo ser responsabilizadas por essa violência.

Demasiadas vezes, as vítimas são interrogadas sobre um alegado fator desencadeador, quer no seu comportamento quer no seu vestuário, como se os autores cometessem atos de violência por uma razão justificável. É frequente esta mudança de perspetiva. Com efeito, 27% dos cidadãos da UE consideram que o sexo não consensual pode ser justificado em determinadas situações. No entanto, o sexo não consensual é uma violação.

Nunca existe justificação nem para a violência de género nem para a violência doméstica. Mas é difícil mudar o ponto de vista da sociedade sobre esta questão, pois essas supostas justificações estão profundamente enraizadas na nossa cultura. Por exemplo, algumas obras-primas da arte e da literatura comprometem o nosso julgamento pela beleza representada numa narrativa de tentativa de violação.

Vejamos o caso do mito de Dafne e Apolo. Na obra de Ovídio, o deus Apolo é atingido com a flecha de Cupido e é desculpado porque não pode evitar "apaixonar-se" pela ninfa Dafne. Ovídio descreve uma Dafne assustada fugindo da perseguição de Apolo. Embora Dafne - na sua forma humana - escape da agressão, é silenciada e objetificada para satisfazer o desejo de Apolo.

Mudar as sociedades e combater as ideias erradas sobre a violência de género requer uma educação precoce, incluindo a educação sexual, e o investimento em políticas públicas globais de "tolerância zero à violência". Movimentos sociais como o #MeToo demonstraram ser verdadeiras forças de mudança.

O movimento ajudou milhões de mulheres a encontrar coragem para se defenderem e fazerem ouvir a sua voz. Por seu lado, a Comissão Europeia está a trabalhar no sentido de aumentar a sensibilização através de campanhas, nomeadamente a campanha "Basta de violência contra as mulheres" (#SayNoStopVAW) e a campanha UNiTE lançada pelas Nações Unidas. Esta atenção acrescida à violência de género é há muito aguardada e deve ser acompanhada de grandes mudanças.

Os homens também devem participar neste esforço em muito maior número. Só mudaremos o discurso com o contributo de todos. É igualmente importante dialogar com os autores de violências, nomeadamente para os impedir de reincidir. É fundamental ter a abordagem correta. Os programas destinados aos autores de violências devem proporcionar uma educação mais ampla sobre a violência de género e o seu impacto, e limitar o recurso a tratamentos médicos por abuso de substâncias ou questões de saúde mental.

Quanto à proteção das vítimas, o nosso dever é evitar a vitimização secundária, que, por sua vez, resulta de uma má compreensão da violência de género. Todos os Estados membros da UE devem investir mais na formação de profissionais, incluindo juízes, serviços de polícia e assistentes sociais, nomeadamente para poderem fazer as perguntas certas e identificar as pistas adequadas.

A Rede Europeia de Formação Judiciária recebe 11 milhões de euros por ano do orçamento da UE e já organizou seminários sobre violência doméstica e de género, exploração sexual ligada ao tráfico e direitos das vítimas nos casos de violência contra mulheres e crianças.

A nossa compreensão da violência de género deve estar atualizada e a par das novas tecnologias. De acordo com um inquérito realizado em 2020, 58% das raparigas foram vítimas de assédio em linha e 50% afirmaram senti-lo mais através da internet do que na rua e estes números têm aumentado nos últimos anos. A pandemia e subsequentes confinamentos levaram muitos de nós ao mundo virtual e deixaram claro que as nossas realidades digitais também devem fazer parte de um ambiente em linha seguro.

A violência de género pode ocorrer - e ocorre - em qualquer lugar, nomeadamente no trabalho, na escola, na rua ou em linha. Afeta a saúde e o bem-estar da pessoa, além de restringir a sua possibilidade de prosperar na sociedade. Esta violência não é uma fatalidade nem faz parte integrante de qualquer cultura e pode ser evitada. O primeiro passo no sentido da sua total eliminação é reconhecê-la como tal. É o que a Comissão Europeia fará em breve

Neste Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, todos podemos contribuir para combater a violência de género. Estejam atentos ao problema e falem nele nos vossos círculos sociais. Tomem posição contra este tipo de violência. Precisamos do apoio de todos para combater este flagelo.

Helena Dalli, Comissária europeia da Igualdade

A educação em primeiro lugar – a verdade sobre a violência de género. (2021). Retrieved 25 November 2021, from https://www.dn.pt/opiniao/a-educacao-em-primeiro-lugar-a-verdade-sobre-a-violencia-de-genero-14347736.html




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