sábado, 29 de abril de 2017
Jazz, criatividade e diversidade
O Jazz é uma expressão de criatividade e de diversidade
http://www.unesco.org/new/en/jazz-day
O jazz:
• Quebra barreiras e cria oportunidades para a compreensão e tolerância mútuas;
• É um vetor de liberdade de expressão;
• É é um símbolo de unidade e paz;
• Reduz as tensões entre indivíduos, grupos e comunidades;
• Promove a igualdade de género;
• Reforça o papel que os jovens desempenham na mudança social;
• Incentiva a inovação artística, a improvisação, as novas formas de expressão e a inclusão de formas tradicionais de música nas novas formas;
• Estimula o diálogo intercultural e capacita os jovens das sociedades marginalizadas.
O jazz contribui para:
• Integrar a cultura nos quadros de desenvolvimento sustentável;
• Promover os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais;
• Proteger e promover a Diversidade das Expressões Culturais.
Dia Internacional do Jazz
30 de abril
Mensagem de Irina Bokova, Diretora-Geral da UNESCO, por ocasião do Dia Internacional do Jazz
"Na ocasião do sexto Dia Internacional do Jazz, a UNESCO celebra todos os músicos, poetas, pintores, escritores, historiadores, académicos e entusiastas do jazz em todo o mundo, que prestam homenagem ao jazz, à sua capacidade de unir as pessoas e às suas contribuições para a paz.
Como disse a grande Nina Simone: “Jazz não é apenas música – é um modo de viver, um modo de ser, um modo de pensar”. O jazz está em todos os lugares, ao nosso redor, e inspira-nos a melhorar a nós mesmos por meio da música e na vida.
Hoje, celebramos a forma de arte internacional que é o jazz e o seu poder de promover o diálogo entre culturas, de aproveitar ao máximo a diversidade, de aprofundar o respeito pelos direitos humanos e todas as formas de expressão.
A história do jazz está escrita na busca pela dignidade humana, pela democracia e pelos direitos civis. Os seus ritmos e a sua variedade deram força à luta contra todas as formas de discriminação e racismo – essa é a mensagem que devemos levar a todo o mundo no dia de hoje.
Havana é a Cidade Anfitriã Mundial do Dia Internacional do Jazz deste ano, o que reflete os laços profundos que a cidade tem com o jazz.
Cidade natal de renomados líderes de bandas, Mario Bauzá e Frank “Machito” Grillo, a florescente cultura musical de Havana e, de forma mais ampla, de Cuba, faz surgir o movimento de jazz afro-cubano, inspirado por uma grande mistura de culturas e povos de toda a região. O jazz cubano é uma lição sobre diversidade criativa que repercute no coração da UNESCO.
Pela primeira vez, o Dia Internacional do Jazz será o foco de uma celebração em Havana, que irá durar uma semana e terá oficinas, aulas-mestras, exibições de filmes, performances e concertos por toda a cidade. O All-Star Global Concert será uma oportunidade única para mostrar os maiores talentos musicais de Cuba, da América Latina e de todo o mundo, incluindo o lendário pianista, compositor de jazz e embaixador da Boa Vontade da UNESCO para o Diálogo Intercultural, Herbie Hancock, e o jazzista cubano Chucho Valdés.
Mais uma vez, a UNESCO orgulha-se da associação com o Thelonious Monk Institute of Jazz e com o Instituto Cubano de Música, para levantar a bandeira para o jazz, a criatividade, a diversidade e a união. O foco deste ano em Cuba é testemunho do poder que o jazz tem de construir pontes e reunir mulheres e homens em torno de aspirações e valores partilhados."
Dia Mundial da Dança
29 de abril
O Dia Mundial da Dança foi instituído em 1982 pelo Conselho Internacional da Dança (CID), entidade criada sob a égide da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
A data foi escolhida para recordar o nascimento do coreógrafo francês Jean-Georges Noverre, um dos pioneiros da dança moderna.
terça-feira, 25 de abril de 2017
Cantiga de abril
Às Forças Armadas e ao povo de Portugal
«Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade»
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Quase, quase cinquenta anos
reinaram neste pais,
e conta de tantos danos,
de tantos crimes e enganos,
chegava até à raiz.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Tantos morreram sem ver
o dia do despertar!
Tantos sem poder saber
com que letras escrever,
com que palavras gritar!
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Essa paz de cemitério
toda prisão ou censura,
e o poder feito galdério.
sem limite e sem cautério,
todo embófia e sinecura.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Esses ricos sem vergonha,
esses pobres sem futuro,
essa emigração medonha,
e a tristeza uma peçonha
envenenando o ar puro.
Qual a cor da liberdade?
É verde. verde e vermelha.
Essas guerras de além-mar
gastando as armas e a gente,
esse morrer e matar
sem sinal de se acabar
por politica demente.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Esse perder-se no mundo
o nome de Portugal,
essa amargura sem fundo,
só miséria sem segundo,
só desespero fatal.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Quase, quase cinquenta anos
durou esta eternidade,
numa sombra de gusanos
e em negócios de ciganos,
entre mentira e maldade.
Qual a cor da liberdade?
E verde, verde e vermelha.
Saem tanques para a rua,
sai o povo logo atrás:
estala enfim altiva e nua,
com força que não recua,
a verdade mais veraz.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
26-28(?)/4/1974
Abril de Abril
Era um Abril de amigo Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.
Era um Abril comigo Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril.
Era um Abril na praça Abril de massas
era um Abril na rua Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.
Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava Abril em acto
em mil novecentos e setenta e quatro.
Era um Abril viril Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se Abril palavra
esse Abril em que Abril se libertava.
Era um Abril de clava Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.
Manuel Alegre, 30 Anos de Poesia, Publicações Dom Quixote
O 25 de abril de 1974 em 100 imagens
O Movimento das Forças Armadas (MFA) era composto na sua maior parte por capitães que tinham participado na guerra colonial e que tiveram o apoio de oficiais milicianos. Inicialmente baseado em reivindicações corporativistas como a luta pelo prestígio das forças armadas, acabou por se estender ao regime político em vigor. Com reduzido poderio militar e com uma adesão em massa da população ao movimento, a resistência do regime foi praticamente inexistente e infrutífera.
25 de abril - Regresso dos Exilados
Regresso de alguns cantores exilados. Cantam Grândola Vila Morena. Reconhecem-se, entre outros: Ary dos Santos, José Jorge Letria, José Mário Branco, Luís Cília, Adriano Correia de Oliveira, José Duarte.
Ver mais vídeos sobre o regresso dos exilados políticos após o 25 de abril cedidos pelos arquivos da RTP na Associação 25 de abril.
25 de abril - libertação dos presos políticos
À espera que os portões de Caxias se abram para a saída dos presos políticos. As instalações já sob o controlo dos militares.
No exterior aguardam a saída dos presos políticos algumas personalidades que se podem ver no filme entre outras: Jorge Sampaio, Salgado Zenha, Francisco Sousa Tavares, Miguel Sousa Tavares, Rogério Paulo, José Cardoso Pires, João Bénard da Costa e Francisco Pereira de Moura, Manuel João da Palma Carlos.
Ver mais vídeos (cedidos pelos Arquivos da RTP) no Site da Associação 25 de abril
As portas que abril abriu
"De tudo o que Abril abriu/ ainda pouco se disse/e só nos faltava agora/ que este Abril não se cumprisse." - José Carlos Ary dos Santos
As portas que abril abriu
Poema de José Carlos Ary dos Santos
Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.
Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempos do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.
Ali nas vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.
Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.
Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.
Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.
Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.
Não tinham armas é certo
mas tinham toda a razão
quando um homem morre perto
tem de haver distanciação
uma pistola guardada
nas dobras da sua opção
uma bala disparada
contra a sua própria mão
e uma força perseguida
que na escolha do mais forte
faz com que a força da vida
seja maior do que a morte.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.
Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão.
Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa.
Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis.
Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
– pode nascer um país
do ventre duma chaimite.
Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
– é força revolucionária!
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
desceram homens sem medo
marujos soldados «páras»
que não queriam o degredo
dum povo que se separa.
E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam
a hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam.
Em idas vindas esperas
encontros esquinas e praças
não se pouparam as feras
arrancaram-se as mordaças
e o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração.
Dizia soldado amigo
meu camarada e irmão
este povo está contigo
nascemos do mesmo chão
trazemos a mesma chama
temos a mesma ração
dormimos na mesma cama
comendo do mesmo pão.
Camarada e meu amigo
soldadinho ou capitão
este povo está contigo
a malta dá-te razão.
Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver
este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.
Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril f
ez Portugal renascer.
E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.
Mesmo que tenha passado
às vezes por mãos estranhas
o poder que ali foi dado
saiu das nossas entranhas.
Saiu das vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
onde um povo se curvava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe.
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu.
Essas portas que em Caxias
se escancararam de vez
essas janelas vazias
que se encheram outra vez
e essas celas tão frias
tão cheias de sordidez
que espreitavam como espias
todo o povo português.
Agora que já floriu
a esperança na nossa terra
as portas que Abril abriu
nunca mais ninguém as cerra.
Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.
Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.
Mas eram olhos as balas
abraços punhais e lanças
enamoradas as alas
dos soldados e crianças.
E o grito que foi ouvido
tantas vezes repetido
dizia que o povo unido
jamais seria vencido.
Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.
E então operários mineiros
pescadores e ganhões
marçanos e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
souberam que o seu dinheiro
era presa dos patrões.
A seu lado também estavam
jornalistas que escreviam
actores que se desdobravam
cientistas que aprendiam
poetas que estrebuchavam
cantores que não se vendiam
mas enquanto estes lutavam
é certo que não sentiam
a fome com que apertavam
os cintos dos que os ouviam.
Porém cantar é ternura
escrever constrói liberdade
e não há coisa mais pura
do que dizer a verdade.
E uns e outros irmanados
na mesma luta de ideais
ambos sectores explorados
ficaram partes iguais.
Entanto não descansavam
entre pragas e perjúrios
agulhas que se espetavam
silêncios boatos murmúrios
risinhos que se calavam
palácios contra tugúrios
fortunas que levantavam
promessas de maus augúrios
os que em vida se enterravam
por serem falsos e espúrios
maiorais da minoria
que diziam silenciosa
e que em silêncio fazia
a coisa mais horrorosa:
minar como um sinapismo
e com ordenados régios
o alvor do socialismo
e o fim dos privilégios.
Foi então se bem vos lembro
que sucedeu a vindima
quando pisámos Setembro
a verdade veio acima.
E foi um mosto tão forte
que sabia tanto a Abril
que nem o medo da morte
nos fez voltar ao redil.
Ali ficámos de pé
juntos soldados e povo
para mostrarmos como é
que se faz um país novo.
Ali dissemos não passa!
E a reacção não passou.
Quem já viveu a desgraça
odeia a quem desgraçou.
Foi a força do Outono
mais forte que a Primavera
que trouxe os homens sem dono
de que o povo estava à espera.
Foi a força dos mineiros
pescadores e ganhões
operários e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
que deu o poder cimeiro
a quem não queria patrões.
Desde esse dia em que todos
nós repartimos o pão
é que acabaram os bodos
— cumpriu-se a revolução.
Porém em quintas vivendas
palácios e palacetes
os generais com prebendas
caciques e cacetetes
os que montavam cavalos
para caçarem veados
os que davam dois estalos
na cara dos empregados
os que tinham bons amigos
no consórcio dos sabões
e coçavam os umbigos
como quem coça os galões
os generais subalternos
que aceitavam os patrões
os generais inimigos
os generais garanhões
teciam teias de aranha
e eram mais camaleões
que a lombriga que se amanha
com os próprios cagalhões.
Com generais desta apanha
já não há revoluções.
Por isso o onze de Março
foi um baile de Tartufos
uma alternância de terços
entre ricaços e bufos.
E tivemos de pagar
com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.
Fugiram como cobardes
e para terras de Espanha
os que faziam alardes
dos combates em campanha.
E aqui ficaram de pé
capitães de pedra e cal
os homens que na Guiné
aprenderam Portugal.
Os tais homens que sentiram
que um animal racional
opõe àqueles que o firam
consciência nacional.
Os tais homens que souberam
fazer a revolução
porque na guerra entenderam
o que era a libertação.
Os que viram claramente
e com os cinco sentidos
morrer tanta tanta gente
que todos ficaram vivos.
Os tais homens feitos de aço
temperado com a tristeza
que envolveram num abraço
toda a história portuguesa.
Essa história tão bonita
e depois tão maltratada
por quem herdou a desdita
da história colonizada.
Dai ao povo o que é do povo
pois o mar não tem patrões.
– Não havia estado novo
nos poemas de Camões!
Havia sim a lonjura
e uma vela desfraldada
para levar a ternura
à distância imaginada.
Foi este lado da história
que os capitães descobriram
que ficará na memória
das naus que de Abril partiram
das naves que transportaram
o nosso abraço profundo
aos povos que agora deram
novos países ao mundo.
Por saberem como é
ficaram de pedra e cal
capitães que na Guiné
descobriram Portugal.
E em sua pátria fizeram
o que deviam fazer:
ao seu povo devolveram
o que o povo tinha a haver:
Bancos seguros petróleos
que ficarão a render
ao invés dos monopólios
para o trabalho crescer.
Guindastes portos navios
e outras coisas para erguer
antenas centrais e fios
dum país que vai nascer.
Mesmo que seja com frio
é preciso é aquecer
pensar que somos um rio
que vai dar onde quiser
pensar que somos um mar
que nunca mais tem fronteiras
e havemos de navegar
de muitíssimas maneiras.
No Minho com pés de linho
no Alentejo com pão
no Ribatejo com vinho
na Beira com requeijão
e trocando agora as voltas
ao vira da produção
no Alentejo bolotas
no Algarve maçapão
vindimas no Alto Douro
tomates em Azeitão
azeite da cor do ouro
que é verde ao pé do Fundão
e fica amarelo puro
nos campos do Baleizão.
Quando a terra for do povo
o povo deita-lhe a mão!
É isto a reforma agrária
em sua própria expressão:
a maneira mais primária
de que nós temos um quinhão
da semente proletária
da nossa revolução.
Quem a fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que seguiu
o que a história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira em que ondulava
a sua própria grandeza!
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães
viessem ferrar o dente
na carne dos capitães
que se arriscaram na frente.
Na frente de todos nós
povo soberano e total
que ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.
Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!
Lisboa : Ed. Comunicação, 1975
"Pode dizer-se que a poesia de Ary dos Santos foi uma «arma». Esta «arma», pelo seu conteúdo, ao qual Ary conseguiu juntar uma insubstituível forma, com a sua voz, foi também construtora da Revolução de Abril e da libertação de todo um povo. Poderá também dizer-se que continua a ser hoje um grito libertador perante o conformismo e a submissão."
As canções de abril (9)
Uns vão bem e outros mal
"Dedicado sobretudo ao canto de intervenção, Fausto é considerado um dos mais criativos e expressivos criadores e intérpretes da música popular portuguesa."- Infopédia
Uns vão bem e outros mal
Interpretação: Fausto
Interpretação: Fausto
Senhoras e meus senhores, façam roda por favor
Senhoras e meus senhores, façam roda por favor, cada um com o seu par
Aqui não há desamores, se é tudo trabalhador o baile vai começar
Senhoras e meus senhores, batam certos os pézinhos, como bate este tambor
Não queremos cá opressores, se estivermos bem juntinhos, vai-se embora o mandador
Vai-se embora o mandador
Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição
De velhas casas vazias, palácios abandonados, os pobres fizeram lares
Mas agora todos os dias, os polícias bem armados desocupam os andares
Para que servem essas casas, a não ser para o senhorio viver da especulação
Quem governa faz tábua rasa, mas lamenta com fastio a crise da habitação
E assim se faz Portugal, uns vão bem e outros mal
Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição
Tanta gente sem trabalho, não tem pão nem tem sardinha e nem tem onde morar
Do frio faz agasalho, que a gente está tão magrinha da fome que anda a rapar
O governo dá solução, manda os pobres emigrar, e os emigrantes que regressaram
Mas com tanto desemprego, os ricos podem voltar porque nunca trabalharam
E assim se faz Portugal, uns vão bem e outros mal
Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição
E como pode outro alguém, tendo interesses tão diferentes, governar trabalhadores
Se aquele que vive bem, vivendo dos seus serventes, tem diferentes valores
Não nos venham com cantigas, não cantamos para esquecer, nós cantamos para lembrar
Que só muda esta vida, quando tiver o poder o que vive a trabalhar
Segura bem o teu par, que o baile vai terminar
Faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres, faz lá como tu quiseres
Folha seca cai ao chão, folha seca cai ao chão
Eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres, eu não quero o que tu queres,
Que eu sou doutra condição, que eu sou doutra condição
Fausto, Madrugada dos Trapeiros, 1978
As canções de abril (10)
Ao romper da bela aurora
Como se pode ler no blogue do grupo, "A Brigada Vitor Jara nasceu em Coimbra em 1975, após o 25 de abril, para o qual e após o qual, a música popular e a música de intervenção com raízes tradicionais tiveram um papel importante.
A banda chamou-se assim em memória do cantor chileno com o mesmo nome, morto pelos militares após o golpe de Pinochet, no Chile, em 1973.
Ao longo dos anos, os membros da Brigada recolheram músicas de todas as regiões portuguesas e os seus concertos refletem esta diversidade com canções mais ritmadas do norte, belas harmonias do Alentejo e até influências do estrangeiro trazidas por emigrantes de lugares tão contrastantes como o Norte de África e a Escócia.
Hoje a Brigada Vitor Jara é considerada por muitos como o grupo de referência da nova música tradicional."
Ao romper da bela aurora
Gosto de quem canta bem
Que é uma prenda bonita
Não empobrece ninguém
Assim como não enrica
Ao romper da bela aurora
Sai um pastor da choupana
Vem cantando em altas vozes
Muito padece quem ama
Muito padece quem ama
Mais padece quem namora
Sai um pastor da choupana
ao romper da bela aurora
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As canções de abril (8)
Venham mais cinco
Venham mais Cinco é um álbum de canções originais de Zeca Afonso. Foi gravado em Paris com a ajuda de José Mário Branco e editado no Natal de 1973, sendo o último álbum de José Afonso antes da revolução de abril.
Na época em que este álbum foi concebido, Zeca Afonso estava a cantar um pouco por todo o lado como símbolo antifascista de oposição ao Estado Novo Português.
Muitas sessões foram proibidas pela PIDE/DGS e, em abril de 1973, foi detido no Forte-prisão de Caxias onde esteve até finais de maio.
Neste disco o cantautor assina algumas das suas canções clássicas, como "Venham Mais Cinco", "A Formiga no Carreiro" ou "Que Amor Não me Enganas", mas também alguns poemas quase surrealistas como "Rio Largo de Profundis", "Nefretite Não Tinha Papeira" ou o belíssimo (e também clássico) "Era uma Redondo Vocábulo". O poema da canção "Redondo Vocábulo" foi escrito no período de detenção em Caxias.
Venham mais cinco, de José Afonso, ao vivo no Coliseu de Lisboa a 29 de janeiro de 1983.
Tito Paris, Janita Salomé, Vitorino, Luís Pastor e Júlio Pereira, na Gala de Homenagem a Zeca Afonso realizada na Galiza (Pontevedra), por ocasião do 25 de abril de 2007
Venham mais cinco
Composição: José Afonso
Venham mais cinco, duma assentada que eu pago já
Do branco ou tinto, se o velho estica eu fico por cá
Se tem má pinta, dá-lhe um apito e põe-no a andar
De espada à cinta, já crê que é rei d'aquém e além-mar
Não me obriguem a vir para a rua gritar
Que é já tempo d' embalar a trouxa e zarpar
Tiriririri buririririri, Tiriririri paraburibaie, Tiiiiiiiiiiiiii paraburibaie ...
A gente ajuda, havemos de ser mais eu bem sei
Mas há quem queira, deitar abaixo o que eu levantei
A bucha é dura, mais dura é a razão que a sustem
Só nesta rusga, não há lugar prós filhos da mãe
Não me obriguem a vir para a rua gritar
Que é já tempo d' embalar a trouxa e zarpar
Bem me diziam, bem me avisavam como era a lei
Na minha terra, quem trepa no coqueiro é o rei
A bucha é dura, mais dura é a razão que a sustem
Só nesta rusga, não há lugar prós filhos da mãe
Não me obriguem a vir para a rua gritar
Que é já tempo d' embalar a trouxa e zarpar
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