quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Martinho Torres/Richard Towers fala dos seus livros-objeto


Um projeto original!

                               




Para promover o livro e a leitura, a Biblioteca da Camilo dinamizou mais um encontro dos alunos da Camilo com um escritor.

Assim, conforme previsto, ontem, dia 21 de janeiro, Richard Towers encontrou-se com alunos do 7º A, 8º B, 10º I e 12º E, acompanhados dos respetivos professores (Álvaro Pinto, Elza Pinto, Paula  Parente e Graça Campolargo), no Auditório 1 da nossa escola.

O escritor, que foi professor de Português e fez a sua licenciatura na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro/UTAD, começou por explicar que abandonou a carreira docente para perseguir um sonho  - a escrita criativa associada a um projeto original que associa a apresentação gráfica dos livros à temática central neles abordada - passando, de seguida, a apresentar cada um dos seus três livros-objetos já publicados. 

Quatro alunos do 7º ano leram extratos dos seus textos, acompanhados à viola pelo escritor.







 
                                                                
 
                                                                  
 



Excerto de Reflexos

 Quando levantou a cabeça, pôde mirar-se no espelho, constatando um novo estado de espírito, uma nova chama brilhando nas íris, qual renascer inspirado. Sorriu. Gotas insubmissas escorriam-lhe pela face, caindo, insonoras, na pia branca. Ficou algum tempo a observar-se. Era por vezes assustador constatar que ele era aquela pessoa. E, se olhasse com atenção, de forma profunda, podia perceber que não se reconhecia, que não se identificava com aquele ser, aquele homem, aquela máscara que transportava todos os dias. Deixou-se levar até ao limiar do desconhecido e desviou a cara irreconhecível do espelho. Usou a toalha castanha como refúgio da alma. Esfregou bem os olhos e toda a face e voltou a colocar a toalha no suporte. Lançou novo olhar para o seu reflexo, usando de uma certa abstracção para não se enredar em pensamentos metafísicos desnecessários, mas não deixou de se sentir algo preso a questões que o atormentavam, de tempos a tempos, e que voltavam a toldá-lo naquele momento. Quantas vezes se detivera, olhando para as formas que assumia diante da superfície espelhada? Quantas vezes se perdera diante de si próprio, tentando encontrar-se num estranho labirinto que se formava nos seus olhos, qual fosso profundo e infindável? Quantas vezes se questionara acerca da verdade escondida por detrás daquele olhar, por detrás da sua máscara? Por mais que se aventurasse, por mais longe que se lançasse à descoberta de si, mais questões surgiam e menos se conhecia. Era um caminho impossível. Teve de abandonar a demanda, mais uma vez.

In Reflexos, Richard Towers, 2011, pp. 7-8


 

Excerto de O Desafio

As crianças brincam. São espíritos felizes. Correm, saltam, gritam. Para lá do vidro, tudo parece mais claro, mais puro, como a neve que cai numa cadência mágica, num silêncio hipnótico. É um dia frio de Inverno, a temperatura ronda os dez graus abaixo de zero, mas há um calor que nasce de dentro e inspira. Sei agora que nunca voltarei a ser o mesmo. Sei que nunca voltarei a olhar para o mundo da mesma forma. Há toda uma verdade escondida para lá do que é óbvio, para lá do espetáculo que a vida e o mundo nos oferecem. Sei, porque o descobri. Descobri que vivemos uma ilusão e que, ao virar da esquina, a sorte ou o azar espreitam para nos derrubar. Não podemos escapar, nem desistir. O nosso destino é ir até ao fim. Olho para lá do vidro e compreendo o significado de uma vida em busca de felicidade. A felicidade está ali, nas crianças que saltam, e correm, e gritam. A felicidade está nessa contemplação, não no tabuleiro que enfeitiça. O objetivo é a vida, não o jogo. Por isso o abandono, por isso viro costas, mesmo sabendo que jogando, poderia tornar-me um deus. O abismo e a luz coabitam no mesmo espaço. Cabe-nos a nós escolher por onde queremos caminhar. Caminho para a saída, para a luz. Abro a porta, miro o espaço uma última vez, numa despedida do passado, no fechar de um capítulo. Todos temos uma segunda oportunidade. Eu sou a segunda oportunidade. Desço as escadas em caracol. Não sinto a náusea do trajeto, nem o agreste corrimão que me arde sob as mãos. Apenas sinto o alívio da escolha. E fecho a porta atrás de mim com um sorriso firme. Porque estou seguro da minha opção.

In O Desafio, Richard Towers, 2012, pp. 297-298








Excerto de Tempo

Imaginemos que alguém consegue descobrir a fórmula para a imortalidade. Que interesse teria a vida sem a morte? Pois uma é indissociável da outra e uma existe na sombra da outra. Neste fio temporal da existência, alterna-se a vida com a morte. Nesta intermitência, consideramos uma o oposto da outra. Mas será assim mesmo? Não será antes uma a continuação da outra? Se assumirmos a perspectiva de uma anulação contínua, concluímos que não faz sentido criar uma solução que não contemple uma alternativa. O conceito de vida não existe sem a morte. É como a folha e o seu verso. São iguais em tudo, porém, num lado, a letras vibrantes e apaixonadas, inscreve-se a vida; no outro, vogando no vazio, repousa a morte. E assim se define a existência. Um equilíbrio entre a luz e a sombra. Entre o vazio e o cheio. O ser e o não-ser. E tão necessária é uma como a outra. É neste contexto que o tempo procura encontrar o seu lugar. A contagem, que se inicia quando nascemos e termina quando morremos, é efectuada de modo incessante por todos nós. Contabilizamos a existência uns dos outros. Dizemos que tal pessoa viveu tantos anos. E só assim conseguimos enquadrá-la no plano existencial; porém, essa pessoa não viveu x anos, mas sim em determinado espaço. Moveu-se, decidiu, agiu, contemporizou, avançou, retrocedeu, fez, desfez, amou, riu, chorou, cresceu, envelheceu. Foi. Existiu. Em suma, pensando ser diferente, não fugiu à linha oblíqua da vida. Só aqueles que conseguem fugir ao rumo provável da existência podem aspirar a quebrar o elo do tempo. Escapar ao destino é uma das nossas incansáveis tarefas.
in Tempo, Richard Towers, 2011, pp. 82-83


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