Albert Camus, por Yousuf Karsh
Albert
Camus (1913-1960), Prémio Nobel da Literatura de 1957, representa uma
das referências fundamentais do existencialismo. Com uma obra rica e
multifacetada, o escritor franco-argelino foi, pela liberdade de
espírito e pela orientação libertária, aquele que, na sua geração,
melhor pôde corresponder à superação do espírito do tempo.
Foi profundamente criticado, quando publicou O Homem Revoltado (1951), por não se ter eximido a criticar o que alguns consideravam tabu, no contexto da guerra fria, mas o tempo veio a confirmar plenamente a compreensão que teve em relação ao risco da tentação totalitária, que existia e poderia aparecer onde menos se esperaria…
Foi profundamente criticado, quando publicou O Homem Revoltado (1951), por não se ter eximido a criticar o que alguns consideravam tabu, no contexto da guerra fria, mas o tempo veio a confirmar plenamente a compreensão que teve em relação ao risco da tentação totalitária, que existia e poderia aparecer onde menos se esperaria…
Camus
disse que o império dos homens pode desvirtuar os objetivos justos,
pela cegueira do poder. Todavia, a culpa dos crimes feitos em nome desse
império não é da revolta, mas sim a fuga e o esquecimento relativamente
às razões da rebelião. A evolução da história contemporânea demonstrou
que Camus estava certo, tendo compreendido os riscos da ilusão sobre a
infalibilidade da justiça.
O Arquipélago de Gulag e sobretudo o que se lhe seguiu vieram dar razão
a Camus, não porque ele nos tivesse dado uma chave de interpretação,
mas porque abriu, pela liberdade crítica, perspetivas para uma análise
objetiva dos acontecimentos.
No
ensaio O Mito de Sísifo (1942), escrito em plena grande guerra, o
tema central é o absurdo, considerando o homem em busca de sentido num
mundo ininteligível, na linha do pensamento de Nietzsche. Será que o
absurdo conduz ao suicídio? “Não” - responde o escritor - “Obriga à
revolta”. E compara o absurdo da vida do homem à situação de Sísifo,
figura condenada a repetir eternamente a tarefa de empurrar uma pedra
até o cimo de uma montanha, sendo que, uma vez alcançando o topo, a
pedra rolava montanha abaixo até ao ponto de partida pela força
irresistível da gravidade, destruindo todo o esforço despendido. Sísifo
(como acontecera a Prometeu) desafiou os deuses e foi condenado para
toda eternidade, a empurrar a pedra até o topo; e a ter de começar tudo
de novo, vezes sem conta. Sísifo é, assim, o ser que assume a vida no
máximo das suas possibilidades, odeia a morte e, por isso, é condenado a
uma tarefa sem sentido, como herói absurdo. Camus apresenta, assim, a
grande metáfora da vida moderna, em que “o operário de hoje trabalha
todos os dias na sua vida, repetindo as mesmas tarefas. Esse destino não
é menos absurdo, mas é trágico porque só em raros momentos se torna
consciente".
Contudo,
para Camus, também há o absurdo criador ou do artista. E o absurdo da
arte encontra-se com a experiência do mundo e com a existência de cada
um de nós. “Se o mundo fosse claro, a arte não existiria”. E Camus
lembra Dostoiévski e Os Irmãos Karamazov, no qual os protagonistas se
encontram, ao explorar os limites da existência, num caminho de
esperança e fé, que os leva a não serem criações totalmente absurdas.
Camus sentiu-o quando, em plena guerra da Argélia, invocou os riscos
sofridos por sua mãe quando a violência tomou conta do quotidiano da
vida, apesar da justeza da luta. O seu compromisso pela Resistência, a
sua opção pela liberdade, não impediram que fosse incompreendido e
acusado em nome de uma lógica abstrata e cega.
Também
no ano de 1942, Camus publicou O Estrangeiro, protagonizado por
Mersault, que assassina um homem e é condenado à morte, mas vive a
permanente indiferença em relação a todos os valores morais. Não aceita
as regras do jogo. Contudo está disposto a ir até o fim na defesa da
verdade em que acredita. Mersault desmascara a hipocrisia alimentada
pela sociedade e por cada um – o homem abandona quem ama, mas também é
abandonado, e é impotente perante as desgraças que presencia, e que
finge não ver. O Estrangeiro disseca o que está errado, abre-nos os
olhos para a limitação das falsas regras morais.
Camus
morreu em janeiro de 1960 num brutal acidente de automóvel. O seu amigo
e editor Michel Gallimard também perdeu a vida. Conduzia um Facel Veja e
insistira para que o escritor aceitasse a boleia, ainda que tivesse já
comprado os bilhetes para viajar de comboio com René Char. Consigo tinha
o manuscrito de O Primeiro Homem, romance autobiográfico, que deveria
sempre ficar inacabado.
Como escritor, filósofo, romancista, dramaturgo, jornalista e ensaísta, Albert Camus tornou-se o verdadeiro exemplo de quem sofreu na pele as angústias e incompreensões decorrentes da lógica do absurdo, sem nunca deixar o apego necessário à liberdade.
Como escritor, filósofo, romancista, dramaturgo, jornalista e ensaísta, Albert Camus tornou-se o verdadeiro exemplo de quem sofreu na pele as angústias e incompreensões decorrentes da lógica do absurdo, sem nunca deixar o apego necessário à liberdade.
Agostinho de Morais
Raíz e Utopia, Centro Nacional de Cultura, 19 de agosto de 2019
Raíz e Utopia, Centro Nacional de Cultura, 19 de agosto de 2019
Sem comentários:
Enviar um comentário