Camões
e Os Lusíadas representam a maturidade da língua portuguesa. Toda a
obra do grande épico constitui oportunidade para lidarmos com uma
riquíssima convergência entre os maravilhosos pagão e cristão, servidos
pelo domínio exemplar da palavra e da imagem. Vasco Graça Moura deu-nos,
aliás, essa demonstração, pondo a obra camoniana ao nosso alcance e
afirmando que estamos na linha dos grandes clássicos, tendo Virgílio,
como referência. Deveremos, por isso, voltar a ler Camões, ao menos nos
seus momentos mais marcantes.
O poema divide-se em 10 cantos, compostos
em oitava rima, totalizando 8.816 versos, na chamada medida nova,
predominando os decassílabos heróicos, com a 6ª e a 10ª sílabas tônicas. Os Lusíadas têm cinco partes, segundo a tradição clássica:
Proposição, Invocação das Tágides, Dedicatória ao Rei D. Sebastião,
Narração e Epílogo. A narração compreende três ações: a
viagem de Vasco da Gama, a narrativa da história de Portugal e as
intervenções dos deuses do Olimpo. Nos Cantos I e II, narra-se a
introdução e o Concílio dos Deuses, para deliberar sobre o destino dos
novos Argonautas. Baco é contrário aos portugueses, Vénus e Marte, tomam
a sua defesa, com a concordâcia de Júpiter. Vasco da Gama está no
Índico, próximo de Moçambique. Baco, inconformado, instiga o governador
de Moçambique contra os portugueses e põe a bordo um falso piloto, mas
graças a Vénus, às nereidas, a Mercúrio e à coragem de Gama, os
portugueses chegam a Melinde. No Canto III, começa o relato ao rei
Melinde da história de Portugal, “onde a terra se acaba e o mar começa” e
das origens, de Viriato, da Reconquista, da Primeira Dinastia, da Casa
de Borgonha, de Ourique até à morte de Inês de Castro. No Canto IV,
prossegue a narrativa, fala-se da revolução de 1383, de Nuno Álvares
Pereira, de Aljubarrota, do Mestre de Avis, de Ceuta. E começam os
episódios do início da viagem. D. Manuel sonha com os rios Indo e
Ganges, a profetizarem sucessos e perigos no Oriente, e pede a Gama que
monte a esquadra para concretizar a visão, mas na partida, o velho
Restelo previne contra a “gloria de mandar e a vã cobiça”. No Canto V,
Gama fala do Cruzeiro do Sul, do fogo-de-santelmo, até ao relato
picaresco do marinheiro Veloso. No Cabo das Tormentas, o Adamastor
simboliza a superação do medo. No Canto VI, Baco desce ao palácio de
Neptuno e incita os deuses marinhos contra Vasco da Gama, mas Vénus
intervém. Veloso entretém os companheiros com a narrativa cavalheiresca
dos Doze de Inglaterra. E os navegadores avistam Calicute. Nos Cantos
VII e VIII, o samorim determina que o governador receba Gama, que o
visita e oferece a amizade dos portugueses. Paulo da Gama esclarece o
governador acerca do significado das figuras desenhadas nas bandeiras e
conta os feitos dos heróis da pátria. Mas os muçulmanos intrigam, Gama é
preso e tem de negociar a liberdade, em troca de mercadoria. Nos Cantos
IX e X, depois de diversos incidentes, o samorim ordena que a armada
possa levantar ferro e iniciar o regresso. E temos o longo episódio da
Ilha dos Amores, já que Vénus decide premiar os navegadores numa ilha
paradisíaca.
O epílogo do poema contém as lamentações, como que um
desabafo de Camões por todas as incompreensões sofridas. Mas fica-nos a
reflexão sobre a exigência de porfia e de trabalho aturado para se
alcançarem os sucessos necessários. Não por acaso, Camões inicia o poema
épico citando o início de A Eneida: “Arma virumque cano, Trojae qui
primus ab oris…”. Como em Dante, é sob a invocação de Virgílio que um
tema sublime é tratado…
Agostinho de Morais
Raíz e Utopia, Centro Nacional de Cultura, 16 de agosto de 21019
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