Jonathan
Swift (1667-1745) foi um clérigo e polemista irlandês, Reitor da
Catedral de S. Patrício em Dublin, que se celebrizou ao ter criado a
personagem de Lemuel Gulliver, que está presente na literatura juvenil
dos últimos séculos. No entanto, Swift não escreveu para deleite dos
mais jovens, mas como severo crítico da sociedade em que viveu. À
distância do tempo, não reconhecemos os que severamente procura atingir,
mas fica o carácter irónico de uma sociedade de seres caricatos.
Ora,
são os seus contemporâneos que Swift considera quase desprezíveis,
cheios de si, marcados pela soberba e pela inveja e incapazes de se
aperceberem dos seus defeitos incorrigíveis. Por exemplo, o critério
para dividir as opções políticas tinha a ver não com a razão, mas com o
lado pelo qual cada um deveria partir um ovo… O título por que a obra
ficou mundialmente conhecida é Gulliver's Travels, mas o título
original da edição de 1726, alterada em 1735, é “Travels into Several
Remote Nations of the World. In Four Parts. By Lemuel Gulliver, First a
Surgeon, and then a Captain of Several Ships”.
Trata-se de um romance
satírico, escrito por alguém que esteve na esfera política dos Whigs
(liberais) e depois passou para os Tories (conservadores). As edições
mais popularizadas limitam-se a reproduzir a primeira parte da obra
(sobre 1699), onde se fala de Lilliput, ilha fictícia que faz parte de
um arquipélago algures no Oceano Índico, de que também faz parte a ilha
de Blefuscu, com a qual os liliputianos estão em guerra. Aliás, Lemuel
Gulliver ajuda os Lillipputianos a vencer os seus vizinhos de Blefuscu
ao tomar a sua frota. Contudo, recusa reduzir Blefuscu à condição de
colónia de Lilliput, o que causa profundo desagrado ao rei e à corte.
Tanto basta para que Gulliver caia em desgraça, sendo acusado de alta
traição, pelo que é condenado a perder a visão. Todavia, com a ajuda de
um amigo, dignitário da corte, consegue fugir para Blefuscu, onde
encontra um barco abandonado e consegue ser salvo.
A segunda aventura
(1702-1706) passa-se em Brobdingnag, terra de gigantes, situada na
América do Norte. Lemuel é exibido como um anão em espetáculos, que o
deixam doente, e é vendido à rainha, ficando ao cuidado da filha do
fazendeiro que o explorara. Como Gulliver é pequeno demais, a rainha de
Brobdingnag ordena a construção de uma casa pequena para que ele possa
ser transportado, a que chama "caixa de viagem". Depois de diversas
peripécias, uma águia rouba a caixa e larga-a numa praia o que permite o
retorno a Inglaterra. Entre 1706 e 1710, Gulliver passa por Balnibarbi,
um reino governado por Laputa. A burocracia, a Royal Society e os
excessos da procura científica são severamente criticados. Na Grande
Academia de Lagado, muitos recursos são gastos em procuras absurdas,
como a busca de raios de sol a partir de pepinos ou o desmascaramento de
conspirações políticas pela análise do excremento dos suspeitos.
Enquanto aguarda a partida para o Japão, visita em Glubbdubdrib a casa
de um mago louco que discute história com fantasmas, como Homero,
Aristóteles, Júlio César, Caio Bruto e até Descartes. Na ilha de
Luggnagg, encontra os “struldbrugs”, que são imortais, e já no Japão
consegue do Imperador o privilégio de não ter de abjurar o cristianismo.
Por fim, entre 1710 e 1715, Gulliver volta ao mar, mas é vítima dum
motim a bordo e é abandonado num bote. Encontra uma raça de humanoides
selvagens e depois os Houyhnhnms, uma raça de cavalos falantes, que
governam e subjugam os humanoides Yahoos.
Swift é mestre das distopias e
Gulliver é testemunha privilegiada dos defeitos da humanidade.
Agostinho de Morais
Raíz e Utopia, Centro Nacional de Cultura, 17 de agosto de 2019
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