domingo, 11 de agosto de 2019

Trinta Clássicos das Letras | 7. Divina Comédia, de Dante Alighieri








Seguindo a palavra de Vasco Graça Moura, que traduziu de modo magnífico para português A Divina Comédia, de Dante Alighieri (1265-1321), que Boccaccio batizou na expressão que imortalizou a obra até aos nossos dias: “um homem desesperado, aos 35 anos, no meio do caminho da vida, seguindo a formulação de Isaías, diz ter empreendido uma jornada singular entre a noite de Quinta-Feira Santa (7 de abril) da Páscoa do ano de 1300 e a quarta-feira seguinte (13 de abril). (…). Esse homem vive numa Itália desnorteadamente perturbada por querelas políticas em que interferem constantemente as ambições do Império, da Coroa francesa e do Papado, para além dos magnates e famílias da Toscana. Nasceu e cresceu numa cidade onde, desde há décadas, duas fações, Gibelinos e Guelfos (estes últimos ainda subdivididos em Brancos e Negros), se digladiam sem quartel (…). Reclama que os abusos e a simonia (tráfico das coisas sagradas) sejam reprimidos. Aspira a uma vida civil regenerada. Dispõe de uma série ilimitada de casos e sucessos, de incidência e repercussão variáveis, que vai utilizar sistematicamente no relato da sua jornada. Vão da mitologia à Bíblia, da história local à história antiga e à contemporânea, da observação da Natureza e da paisagem à notação dos ofícios artesanais e das práticas sociais e faz um juízo crítico da história sangrenta e cruel dos tempos em que vive”… 


A Divina Comédia foi escrita entre 1304 e 1321, no período correspondente ao exílio perpétuo da cidade de Florença a que Dante foi condenado em 1302 pelos guelfos negros – sendo ele um guelfo branco, defensor do Papado, mas próximo dos partidários do Sacro Império. É sob essa condenação que considera injusta que vai escrever a sua obra-prima – guiado pela sombra de Virgílio, primeiro, e pelas presenças de Beatriz e S. Bernardo, acompanhado longamente por Estácio, fazendo a sua “jornada transcendente, da abjeção das trevas à redenção da luz”. 

Assim, Dante e Virgílio atravessam o rio Aqueronte, que separa os mundos dos vivos e dos mortos na barca de Caronte. O barqueiro pede a Dante que se afaste dos mortos, mas Virgílio esclarece que Dante tem uma permissão de Deus para fazer a viagem. 

Começam por avistar o Inferno, com nove círculos concêntricos: onde estão os pagãos virtuosos (limbo) e onde penam a luxúria, a gula, a ganância, a ira, a heresia, a violência, a fraude e a traição. Cada um recebe um tipo diferente de tormento. E há três vales da violência, dez fossos da fraude e quatro esferas da traição, para as diferentes formas do agir licencioso. Nesses mundos perversos os dois visitantes encontram personagens conhecidas como Paris, Helena, Cleópatra e Dido e avistam a cidade de Dite, onde Lucifer é rei, e onde estão as Érinis, deusas da vingança, que têm o corpo coberto de sangue e a cabeça de cobras, e Medusa, que petrifica quem a olha. Dante dialoga com os condenados e compreende o que levou a estarem ali, e encontra o Papa Nicolau III condenado por simonia… 

No Purgatório encontram seis partes (o rio Tibre, o ante-purgatório dos arrependidos, o baixo, o médio e o alto purgatório e, no cimo, o paraíso terrestre). A elevada montanha está dividida em sete degraus, correspondentes ao pecados capitais: orgulho, inveja, ira, preguiça, avareza, gula e luxúria. Tratando-se da preparação para a entrada no Paraíso, os pecadores praticam as virtudes que não cultivaram na vida terrena. 

Ao sair do Purgatório, Dante despede-se de Virgílio, que não viveu a cristandade, não podendo ultrapassar o umbral do Paraíso. É a formosa Matilde que fica com o poeta e começam por presenciar uma procissão onde se representam as virtudes e as glórias da Igreja. Então Dante é acompanhado pela bela Beatriz Portinari, modelo de virtude, na visita das nove esferas celestes do Paraíso – Lua, Mercúrio, Vénus, Sol (como símbolo da prudência e do bom uso da teologia), Marte (sinal de coragem), Júpiter (lugar de justiça, onde, inesperadamente, se encontra o pagão Rifeu de Tróia), Saturno (da contemplação), Estrelas fixas (da Igreja triunfante) e a última esfera do universo físico que antecede o Empíreo, onde se dá a contemplação, o encontro com Deus, olhos nos olhos. Beatriz deixa Dante com S. Bernardo. 

É a teologia que comanda, sobre a essência de Deus – mas Dante, na reflexão mais elevada, confessa: “não é voo para as minhas asas”…

Agostinho de Morais
Raíz e Utopia, Centro Nacional de Cultura, 7 de agosto de 2019


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