Cadernos IHU ideias
Ano XVIII, Nº 302, V. 18, 2020
ISSN 1679-0316 (impresso)
ISSN 2448-0304 (online)
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Introdução
O filme O capitão fantástico, de 2016, conta a história de uma família que decidiu criar os seis filhos numa floresta, na região montanhosa de Washington, costa oeste dos Estados Unidos, sem depender dos mecanismos políticos, económicos, sociais e culturais vigentes. Eles comem o que plantam e caçam, têm uma rotina dura de exercícios físicos, sabem lutar e usar armas forjadas por eles mesmos, tocam instrumentos e cantam, cuidam uns dos outros e recebem conhecimentos de filosofia, sociologia, história e antropologia por meio de uma literatura clássica. Não celebram o Natal, mas festejam o aniversário de Noam Chomsky, o famoso linguista, filósofo e sociólogo norte americano.
A ideia inicial de crianças e adolescentes que vivem – muito bem por sinal – sem computadores, videojogos, aparelhos de TV, telemóveis, fast food, bullying, consumismo, obesidade ou déficit de atenção soa inicialmente como algo idílico, maravilhoso, fantástico. O roteiro dirigido por Matt Ross, todavia, não apresenta um elogio ao isolamento social. Pelo contrário, revela os conflitos que envolvem as escolhas feitas pelo casal Ben e Leslie, interpretados por Viggo Mortensen e Trin Miller, respetivamente. Mais do que isso, a obra tem o mérito de nos levar a pelo menos um questionamento: que processos de socialização estão a operar nas sociedades contemporâneas? O filme não se propõe responder a tal pergunta, mas interpela-nos sobre os modos mediante os quais crianças e adolescentes estão a ingressar no mundo social.
Neste texto, proponho uma reflexão sobre como os processos comunicacionais, especificamente os mediáticos, participam da socialização dos mais jovens, no contexto brasileiro contemporâneo. Questiono em que medida os usos que os meninos e meninas fazem dos media permitem que eles se constituam como sujeitos. Ou seja, por que dinâmicas o seu consumo mediático engendra processos contemporâneos de socialização? O objetivo é oferecer pelo menos duas perspetivas que possibilitem a compreensão das formas de articulação que emergem da complexa relação entre as crianças e os meios de comunicação, no âmbito da inserção social. Para tal, colocarei em diálogo os resultados de duas pesquisas que realizei com base em objetos teóricos e empíricos distintos, mas que convergem para a compreensão de um meio de comunicação extremamente ativo no reconhecimento das crianças como interlocutores da cultura e, portanto, alvo dos seus discursos e ações.
Renata Tomaz. Mídia, infância e socialização: perspetivas contemporâneas. Cadernos IHU ideias, Instituto Humanitas Unisinos, 2020.
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