sábado, 19 de setembro de 2020

Crónica | EU não sou o cartaz da paragem de autocarro



Imagem: Pixabay


Na atualidade, a pressão social é constante e obriga-nos a seguir certas modas e a cumprir determinados paradigmas que nos colocam numa situação desconfortável e muitas vezes prejudicial para a nossa saúde física e mental. A busca incessante por uma satisfação plena que nunca atingimos condena-nos à compensação temporária da aprovação social, provocando distúrbios e obsessões graves com a gestão de expectativas sempre na corda bamba.

As indústrias do cinema – onde Hollywood é expoente máximo, da música pop, da moda e da publicidade têm nos seus principais protagonistas ícones de beleza, que divulgam para o mundo, alastrando a ideia consumista do corpo e da vida ideal (na sua linguagem: lifestyle). A publicidade que nos consome no dia a dia, seja na rua – nos enormes outdoors – ou em nossas casas – nos intervalos da telenovela – apresentam-nos a imagem daquilo que nós poderíamos ser se adquiríssemos aquele determinado produto: seja aquele creme que nos fará rejuvenescer ou o iogurte que nos fará emagrecer . É um negócio baseado na ideia de querermos sempre aquilo que não temos e invejarmos o outro enquanto símbolo maior.

A “peer pressure” advém dos modelos exibidos pelas grandes marcas, que na adolescência provocam cada vez mais distúrbios físico-psicológicos a estas crianças que vivem com a ideia de que para ser bonitas têm que ser iguais aos famosos da televisão e das redes sociais ou necessitam de determinado telemóvel ou peça de roupa para ter o seu espaço conquistado na sociedade. Os distúrbios alimentares têm aumentado. No início do milénio até 2014, um estudo publicado na revista académica International Journal of Eating Disorders, dizia que os casos de anorexia nervosa e bulimia, tinham duplicado em Portugal.

A busca intensiva por um corpo tonificado leva a obsessões e depressões. A vigorexia e a ortorexia, por exemplo, são perturbações, consequência da pressão da imagem sobre a sociedade, que transforma as pessoas em marionetas obcecadas pela forma física e alimentação aparentemente saudável. A falsa ideia de que um corpo definido representa bem-estar, é um mito que sobrepõe a estética à saúde.

O sistema que cria suplementos para emagrecer, tonificar e publicita a imagem de um corpo ideal, é o mesmo que criou as indústrias do “fast food”. A obesidade, doenças cardiovasculares e o sedentarismo, também são doenças provenientes de obsessões e extremos, que prejudicam o universo psicológico e o físico, provocando em muitos casos depressões graves e inseguranças. A publicidade das grandes cadeias de fast food, exibem sempre imagens apetitosas dos hambúrgueres e pessoas – famílias ou grupos de amigos – felizes a comer. A sensação que transmitem é de que quando estamos a comer naquele local estamos felizes. Nestes casos, o que a publicidade realmente nos está a vender é felicidade pelo preço do produto. 

Posto isto, o suporte destas obsessões é a publicidade, que está implícita em tudo o que vemos. Quando estamos mais insatisfeitos, seja com o nosso corpo, seja com a nossa vida, procuramos sempre aquilo que cubra a nossa insatisfação. A publicidade não é mais do que esse jogo de sombras e, muita das vezes, perfura ainda mais as inseguranças do espectador. Quando vemos um produto a ser publicitado, nunca nos está a ser vendido o produto em si, mas a sensação que aquele produto nos transmite.

A publicidade converteu a nossa participação na polis num passeio pelas montras do consumismo, aliciando-nos com a falsa sensação de liberdade quando escolhemos aquilo que comemos ou aquilo que vestimos, tendo em conta que o capitalismo nos oferece muitas opções. Todavia, estas opções são uma distração em detrimento de significativas decisões políticas. 

A publicidade é parte do sistema e está diretamente relacionada com a indústria do grande capital, que encobre e “age como compensação por tudo o que não é democrático na sociedade”, como escreveu John Berger na sua obra “Modos de Ver”. EU não quero ser o cartaz da paragem de autocarro.

António Soares*. EU não sou o cartaz da paragem de autocarro. Comunidade Cultura e Arte, 19 de setembro de 2020.

*O António é ativista estudantil e estudante universitário.

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