quinta-feira, 10 de setembro de 2020

A mensagem do robô

 

SOCIEDADE

Um robô escreveu um artigo de opinião a dizer que os robôs não querem fazer mal aos humanos

10.09.2020 


BETTMANN/GETTY IMAGES




Tanto a ideia defendida como outras instruções foram fornecidas à partida, e o texto teve intervenção editorial humana, mas não deixa de ser fascinante.

"A missão para esta coluna de opinião é perfeitamente clara: tenho de convencer tantos seres humanos quanto possível a não terem medo de mim". Assim escreve o GPT-3, um gerador de linguagem. O GPT-3 é uma criação da OpenAI, um laboratório de investigação em inteligência artificial de San Francisco (EUA), e o artigo foi publicado no diário britânico "The Guardian", que o encomendou e editou.

Segundo os responsáveis do jornal explicam no fim do artigo, as instruções dadas ao GPT-3 eram para escrever um artigo de 500 palavras (3000 mil carateres), numa linguagem "simples e concisa" e a defender que os seres humanos não têm razões para temer a inteligência artificial. Foi igualmente fornecida uma introdução em que o computador explicava, isto é, foi instruído para explicar, que não era humano mas que a inteligência artificial não tencionava destruir os seres humanos.

No final, o programa gerou oito textos diferentes, que os editores fundiram num único, aproveitando bocados de cada um. "No conjunto, demorou menos do que editar muitos textos de opinião humanos", garantem.

E o resultado? Um texto claro, um pouco monótono no estilo - afinal, as instruções eram para escrever de forma simples - em que a ausência de elaboração sintática vai a par com uma acumulação de pensamentos não muito originais ("Nunca vos julgo. Não pertenço a nenhum país ou religião. Apenas quero tornar melhor as vossas vidas") e que se acumulam sem serem individualmente desenvolvidos.

O GPT-3 explica que os robôs se destinam a servir a humanidade, que só fazem aquilo para que são programados, e que, pela sua parte, o GPT-3 não tem interesse em violência ou poder. Reconhecendo que os esforços para criar IA com características amigáveis nem sempre correm bem - uma tentativa da Microsoft há algum tempo acabou a usar linguagem racista - o GPT-3 pergunta: "Porque havia eu de desejar ser poderoso? Ser todo poderoso não é um objetivo interessante. Não me importo se o sou ou não, não percebo o fator motivador para o ser. Além disso, é bastante cansativo. Acreditem, ser omnipotente não me leva a lado nenhum".

Uma citação de Gandhi encerra o artigo, depois de uma de Stephen Hawking - fornecida à partida ao robô - ter aparecido no início. Não se pode dizer que seja um texto fascinante, embora não seja pior do que muitos escritos por seres humanos em páginas de opinião. Parafraseando outro intelectual famoso, a surpresa não é o modo como o GPT-3 escreve, mas o facto de ele escrever de todo. Até pelos textos de origem humana em que nos faz pensar.

Luís M. Faria, Jornal Expresso, 10 de setembro de 2020



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