Por Francisco Louçã
Imagem: Pixabay
Já chegámos ao ponto em que quase todos os
negacionistas desistiram de combater a evidência. Há, mas não pagamos, é
o que nos dizem
Nem
vale a pena tentarem esconder a evidência: os dados apresentados em
Madrid sobre o aquecimento global da última década dizem tudo. Mas
quanto é que esse desastre vai custar? Calcular o futuro é tão difícil
quanto parece, e os economistas não se entendem.
Nobel em cheque
Em
2018, o Nobel da Economia foi atribuído a Paul Romer, pela teoria do
crescimento, e a William Nordhaus, pelo trabalho sobre o ambiente. Ao
saber disso, Nordhaus notou que um colega, Martin Weitzman, também devia
ter sido contemplado. Mas tal não aconteceu, para desgosto de Weitzman,
um dos fundadores da economia do clima, que se suicidou um ano depois,
afirmando-se desmotivado para continuar o seu trabalho.
Estes
dois economistas consideram que as alterações climáticas são o tema
fundamental. Mas Weitzman tinha uma visão pessimista sobre a explicação
pelo modelos correntes, notando que dependem de apreciações subjetivas
sobre o risco estrutural e, portanto, podem conduzir a erros.
Desenvolveu por isso o que chamou de “Teorema da Calamidade”,
assinalando que, dada a incerteza das alterações climáticas,
acontecimentos futuros poderão ser catastróficos. Nesse caso, a perda
esperada poderia ser infinita, sendo a economia tradicional incapaz de
lidar com tal caso.
Nordhaus recusou esta visão.
Calculando o custo social das emissões de gases com efeito estufa, o seu
modelo sugere que, se forem adotadas medidas como um preço médio para
as emissões de 40 dólares por tonelada, então “o impacto no bem-estar
social é amplo mas não catastrófico, com um declínio de cerca de 2% do
bem-estar”, embora admita que possa haver um aumento da temperatura
média em 3oC, o que apavora os climatologistas. Ora, o seu cálculo
baseia-se na convicção de que os investimentos de hoje têm um grande
efeito na solução dos problemas do futuro, pelo que bastaria um ligeiro
esforço para compensar os custos das alterações climáticas.
A conta do futuro
Neste
debate entre Nordhaus e Weitzman surge uma divergência que parece
técnica: como se calcula o futuro, ou qual é a taxa de desconto que se
deve usar? Essa taxa é um cálculo sobre quanto deve ser o investimento
de hoje para evitar um euro do custo da alteração climática num certo
futuro. Se se usar uma medida de taxa elevada, é por se admitir que os
investimentos atuais terão um efeito poderoso e que, assim, basta agora
uma pequena correção. Se, pelo contrário, se considerar a incerteza ou
se se presumir que será difícil compensar os efeitos da crise ambiental,
deve-se usar uma taxa de desconto menor.
Imagine,
por exemplo, que se antecipa que os prejuízos provocados por alterações
climáticas numa dada economia venham a ser de um bilião de euros em
2100. Usando o valor da taxa de desconto de 3%, o valor de referência
que a Administração Obama adotou, seria necessário gastar hoje mais de
80 mil milhões para evitar esse efeito em 2100. Se for de 7%, o valor
escolhido por Trump, então bastaria usarmos vinte vezes menos. Nordhaus
aproxima-se da posição de Trump e aqui está um exemplo de como alguns
economistas justificam uma posição hostil ao esforço mundial para
combater as alterações climáticas. Mesmo aceitando que o aquecimento
global tem um risco e um custo, se vai ser barato não temos de nos
preocupar. Já chegamos ao ponto em que quase todos os negacionistas
desistiram de combater a evidência mas, como vê, a imaginação
justificativa não desarma mesmo quando reconhece que há um problema no
planeta Terra. Há, mas não pagamos, é o que nos dizem. Está tudo bem
quando tudo arde, será barato.
Jornal Expresso (caderno principal), 7 de Dezembro 2019
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