Vargas
Llosa é alguém que, nos seus meneios sociais e serôdia ambição de
carreira política, se sabe fazer detestar. É também um gigante da
literatura, que merece ser lido sempre pelo que escreve. Deu-nos, aos
seus leitores devotos, algumas das grandes obras do nosso tempo. Está
bem, nem sempre é assim: no meu caso, uma vez desiludido, achei o seu
recente “Cinco Esquinas” pretensioso, sem chama, até triste na forma.
Mas quem escreveu “A Guerra do Fim do Mundo”, mesmo que depois de
trabalho com Ruy Guerra, ou antes “A Casa Verde” ou “Conversa na
Catedral”, e mais haveria a citar, é um escritor monumental. O seu
recente “Tiempos Recios” (imagino que se traduza por “Tempos Difíceis”
ou “Tempos Sombrios”) restitui-nos à escrita de fôlego.
Num
livro anterior, “A Festa do Chibo”, Vargas Llosa tinha descrito o
sangrento regime de Trujillo na República Dominicana. Este “Tempos
Difíceis” regressa a um tema próximo, investigando o golpe na Guatemala
contra o Presidente Jacobo Arbenz, em 1954, e o que se seguiu. Em modo
de reportagem, recupera personagens reais, como Sam Zemurray, o dono da
United Fruit, Edward Bernays, o responsável da empresa pela campanha na
opinião pública contra um governo que se limitara a exigir-lhe que
pagasse imposto, o embaixador John Peurifoy, que coordenou a operação de
derrube do regime, o generalíssimo Trujillo e Somoza, os seus aliados,
ou ainda Johnny Abbes García, o chefe dos serviços da informação militar
dominicana que vai assassinar o ditador que substituiu Arbenz, ou ainda
Marta Borrero Parra, chamada Miss Guatemala, que perpassa pela vida de
vários dos personagens desta história verdadeira. Acrescenta-lhes um
agente da CIA a quem chama Mike, esse nome serve, como outro qualquer,
para contar o que se passou antes e depois do golpe e como estes
personagens se envolvem no turbilhão de uma história sangrenta e sem
remissão. São páginas notáveis de um grande escritor.
Vargas
Llosa também regista aqui uma mensagem política. Como explica numa
entrevista, o golpe da United Fruit, da CIA e do Departamento de Estado
contra Arbenz “levou muitos jovens latino-americanos, eu entre eles, a
desacreditar na democracia e a pensar no socialismo”. “Se os Estados
Unidos, em vez de derrubarem Árbenz, tivessem apoiado as suas reformas,
provavelmente a história da América Latina seria outra, provavelmente
Fidel Castro não se teria radicalizado e tornado comunista, nem Che
Guevara, que estava na Guatemala nesse momento”, lamenta. O golpe
“atrasou dezenas de anos a democratização do continente e custou
milhares de mortos, mas contribuiu para popularizar o mito da revolução
armada e do socialismo em toda a América Latina”, escreve na última
página do livro. Há neste drama uma história de vida e ela é
irremediável, o golpe foi o que foi e a lição foi sentida em todo o
continente. Mas o que o livro nos traz de novo é um imponente retrato
das pessoas que foram atropeladas pela história.
Francisco Louçã, Expresso, 7 de dezembro de 2019
Mario Vargas Llosa é jornalista, dramaturgo, ensaísta e crítico literário peruano, e já atuou como professor em diversas instituições de ensino superior nos Estados Unidos e em países europeus. Autor do conhecido “Travessuras da menina má”, o escritor conquistou o Prémio Nobel de Literatura em 2010 e é considerado um dos mais importantes escritores da atualidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário