quarta-feira, 21 de março de 2018

Caso de polícia






Eu disse que gostava de ter sido detective e tu,
de mãos no volante e as perigosas ultrapassagens do costume,
nem hesitaste: Inscreve-te na PJ.

Primeiro pensei que era a forma mais rápida
de me calares, de acabarmos com aquele lamento estúpido
de jornalista desempregada.

Calei-me e tu continuaste (acontecia-me muito):
Deves ficar bem de farda.

Às armas, meu amor, às armas. 

Eu gostava de ter sido uma detective de escritório,
a analisar as pistas do meu pensamento,
de óculos na ponta do nariz, livre de trânsito,
escondida à janela para ver chegar os inimigos. 
Tu gostavas que eu andasse para aí aos tiros, a fazer flexões,
a recolher amostras de coca, a limpar o nariz à camisa,
a encostar a carrinha à porta de tua casa
com as sirenes ligadas. 

Perdoa-me se continuo a fazer
pouca ginástica, se continuo a fazer
coisas como poemas de amor. 

Enquanto tu, de mãos no volante, 
continuas a entrar na minha rua
em sentido contrário. 

Filipa Leal, in Vem à quinta-feira


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