É como se estas marcas estivessem a dizer “a nossa roupa só pode ser usada por corpos perfeitos”. Há uma snobeira nestas marcas que acabam por fazer roupa para o instagram e não para a realidade, onde existem as mulheres e raparigas reais com corpos de diferentes tamanhos e que muitas vezes não têm vida para andar nos ginásios do lifestyle.
Luísa Sobral deixou um desabafo nas redes sociais que me interessa e que infelizmente é demasiado comum devido à tirania do corpo perfeito imposto pelas marcas de roupa que bombardeiam o espaço público (internet incluída). Como pai de duas raparigas, eu sinto este bombardeamento todos os dias. Por mais que diga que isso não é fundamental, que temos de nos sentir bem com o corpo que temos, que há vários tipos de corpo e que há beleza em cada tipo de corpo, sinto que perco todos os dias esta batalha, porque a imposição de um único modelo de corpo está literalmente no ar que se respira, está nas séries, nos cartazes, na publicidade, na internet e em muitas marcas/lojas de roupa, que, de forma inacreditável, fazem coleções com tamanhos cada vez mais pequenos.
Luísa Sobral, que está muito longe de ser uma mulher grande, comprou um fato de banho de uma marca portuguesa só para mulheres e em teoria só pensada e feita por mulheres. Comprou um M e não dava. Trocou para um L. Como a própria Luísa Sobral indica, isto não é um pormenor, é uma tirania cultural sobre o corpo das mulheres e sobretudo das raparigas, que depois acaba por ter efeitos na saúde mental - os distúrbios alimentares.
Como é que uma mulher normalíssima e a cair para o magro não cabe no M ou mesmo no L?, pergunta Luísa Sobral. Estas marcas, muitas vezes pensadas e costuradas por mulheres, só pensam num certo tipo de mulher? E as outras, não existem? Há aqui uma responsabilidade das marcas que vai muito além da venda de roupa; se colocam à venda um M e um L, então têm mesmo de ser um M e um L; caso contrário, estão apenas a desrespeitar as mulheres e a colocar macaquinhos na cabeça das adolescentes. Repare-se que ninguém está aqui a legitimar a obesidade, que é uma questão de saúde. O ponto aqui é criticar uma ideia errada e até perigosa: ser bonita é necessariamente ter um único tipo de corpo, o corpo instragram, o corpo tik tok.
É como se estas marcas estivessem a dizer “a nossa roupa só pode ser usada por corpos perfeitos”. Há uma snobeira nestas marcas que acabam por fazer roupa para o instagram e não para a realidade, onde existem as mulheres e raparigas reais com corpos de diferentes tamanhos e que muitas vezes não têm vida para andar nos ginásios do lifestyle. Isto não é só estética, é ética também: esta tirania do corpo perfeito lançada todos os dias sobre as raparigas cria um grave problema de saúde mental, criando ou agravando depressões, ansiedade crónica e distúrbios alimentares.
Henrique Raposo, Expresso, 29 de agosto de 2022
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