segunda-feira, 25 de julho de 2022

Cliques+likes+scroll=23 dias

 








CADA PORTUGUÊS TEM EM MÉDIA SEIS REDES SOCIAIS ONDE GASTA DUAS HORAS E MEIA POR DIA. COM MAIS DE METADE DA POPULAÇÃO ONLINE, OS RISCOS NÃO SÃO SÓ PARA OS JOVENS


TEXTO CLÁUDIA MONARCA ALMEIDA INFOGRAFIA JAIME FIGUEIREDO ILUSTRAÇÃO CRISTIANO SALGADO

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esponder a mensagens do WhatsApp. Aceitar um pedido de amizade no Facebook. Fazer uma publicação no Instagram, um retweet no Twitter, scroll no TikTok. Antes de se sentar para ler esta revista, o mais provável é que já tenha feito pelo menos uma destas atividades hoje. E não está sozinho.

Em Portugal, 63% da população utilizam redes sociais (um pouco mais do que a média europeia que fica nos 57%). Cada um destes portugueses tem, de acordo com a edição de 2021 do estudo “Os Portugueses e as Redes Sociais” da Marktest, cerca de seis contas em diferentes plataformas que, na maioria dos casos, visita várias vezes ao longo do dia, pelo menos uma das quais para partilhar conteúdo.

Feitas as contas a todos estes minutos (uns gastos em “vistas de olhos” rápidas, outros em “horas perdidas” de scroll semiconsciente pelos feeds infinitos de publicações), a Data Reportal concluiu que os portugueses dedicam todos os dias uma média de 2h30 às redes sociais. No final de um ano são 32.850 minutos (quase 23 dias!) em likes, partilhas, pedidos de amizade, imagens e textos.

Entre as redes sociais mais populares estão atualmente o WhatsApp (usada por 89% dos utilizadores de internet em Portugal), o Facebook (que, segundo a Marktest, é atualmente a rede social com maior taxa de abandono por parte dos utilizadores) e o Instagram (consolidando o top 3 nacional com plataformas que pertencem todas ao mesmo grupo, a Meta).

Depois do número de utilizadores do TikTok ter disparado durante a pandemia (ganhando um milhão de novos utilizadores portugueses só em 2020), a Marktest indica que as redes que mais cresceram em 2021 foram o Twitch (serviço de streaming de vídeo ao vivo muito utilizado pelos adeptos dos videojogos) e Telegram (serviço de mensagens instantâneas baseado na cloud).

Sem grandes diferenças entre homens e mulheres, os dados da Eurostat revelam contudo uma profunda clivagem geracional. Enquanto 96% dos jovens (16-24 anos) participam nas redes sociais, este só é o caso para apenas 23% dos mais velhos (65-74 anos). As diferenças geracionais são também notórias no número de contas (têm em média nove) e nas redes favoritas.

DADOS DA EUROSTAT REVELAM UMA PROFUNDA CLIVAGEM GERACIONAL. ENQUANTO 96% DOS JOVENS (16-24 ANOS) PARTICIPAM NAS REDES SOCIAIS, ESTE SÓ É O CASO PARA APENAS 23% DOS MAIS VELHOS (65-74 ANOS)

“Os utilizadores do Facebook tendem a ser mais velhos do que, por exemplo, os utilizadores da rede de partilha de vídeo TikTok: 64% dos utilizadores do Facebook em Portugal têm acima de 45 anos sendo que 53% dos portugueses que usam o TikTok têm menos de 44”, concluiu o relatório anual do Reuters Institute for the Study of Journalism. Estes dados sugerem “que está em curso uma lenta, mas consistente reconfiguração do mercado”.

Contudo, “os adultos têm de se consciencializar que tal como as crianças e jovens podem ficar dependentes das plataformas digitais”, sublinha Nelson Carvalho, diretor da Unidade Operacional de Intervenção em Comportamentos Aditivos e Dependências, da Madeira.

“A utilização problemática da internet é um problema a levar a sério. Na minha opinião, não vai demorar muito tempo até ter mais impacto social do que o consumo das drogas. Cada vez mais há procura em consultas de psicologia e psiquiatria de crianças, jovens e adultos devido a estes problemas”, acrescenta.

Por enquanto, esta ainda não faz parte do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria, embora para o psicólogo clínico seja uma questão de tempo. “Temos verificado que há um comportamento aditivo e uma tendência para dependência, porque de facto, com a internet, as pessoas, tal como com uma substância, têm necessidade de ficar mais tempo.”

Assim, defende ser “fundamental haver, da parte das entidades que trabalham nestas áreas, uma literacia cada vez maior e uma consciencialização dos perigos da internet e das redes sociais. Evitar as suas atividades normais sociais para ficar online”, sofrer alterações no padrão de sono, perder rendimento laboral ou escolar e, no caso das crianças e jovens, ter comportamentos agressivos quando lhes é retirado o dispositivo são alguns dos sinais de alerta a que se deve estar atento.

Contudo, salvaguarda Nelson Carvalho, “não podemos diabolizar a internet nem as redes sociais. O importante é as pessoas perceberem que o mundo virtual não é mais que um alargamento do mundo real, com as mesmas regras. É como tudo. Tem de haver bom senso, conta, peso e medida”.




Fisga - Quem sabe tudo é porque anda mal informado, Expresso Semanário#2594, de 15 de julho de 2022

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