terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Crónica | Teorias da Conspiração?

 

Imagem: Pixabay



TIK TOK, 5G, COMPUTADORES QUÂNTICOS, SUPERSOLDADOS... A REALIDADE NÃO PRECISA DE TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO

P

erez Hilton (não confundir com a loura e gostosa Paris) chegou a ser um fulaninho poderoso. Surgiu na época áurea dos blogues, nos idos de 2010, e chegou a fazer frente a Angelina Jolie e outras estrelas de Hollywood com o boataria e dichotes viperinos por si escritos. Era temido. Ele próprio se tornou uma personalidade, vítima de escandaleira, mas seguiu sendo a cruela gay que todos temiam. E chegámos ao agora. Hilton, filho de cubanos e nascido Mario Armando, tinha feito a transição para as várias redes sociais mantendo o sucesso, mas esbarrou no Tik Tok – a rede social de jovens e vídeos curtos e estrelas desconhecidas. Acabou banido sem ter feito nada de infame. Garantiu num vídeo choroso, que se tinha moderado porque sabia que hoje as suscetibilidades eram diferentes. Hilton, à falta de festas para comentar em Hollywood, decidiu analisar as estrelas do Tik Tok, como Charli D’Amelio, uma miúda dos subúrbios de Connecticut que faz vídeos de segundos, a dançar ou a fazer caretas e tem 103 milhões de seguidores. Terá dito que não achava normal que uma miúda de 15 anos se expusesse com tão pouca roupa. Ora o que se decidiu é que quem estava a mais no Tik Tok era um quarentão a fazer este tipo de comentário. “Ele não pertence aqui, que vá para o Facebook.” Charli, a ditadorazinha, atirou a ira dos seus seguidores contra o velhadas Perez em histeria. As denúncias da conta deste foram tantas que o Tik Tok o baniu em definitivo. Assustador. Aquela rede é só deles, de milhões de adolescentes e da sua moral. Assente numa aplicação chinesa. Que sobreviveu nos EUA ao Trump que a queria em mãos americanas e nos últimos meses teve mais adesões do que a afamada Zoom. Isto é um bom arranque para quem queira ligar pontos e fazer uma teoria da conspiração. Os chineses têm na sua posse dados de centenas de milhões de adolescentes. Bravo.

Alguém disse que as guerras do Trump com a China eram as certas. Mas o modo como as fez foram completamente erradas. Houve ali um momento que entre escolher Trump ou a China me deixou confuso. Mas este dezembro tem sido fértil em notícias (ou deliberadamente não noticiados? Alô conspiracionistas, atenção!). Eis o que li sobre a China este mês. Dia 5 calhou uma notícia tipo filme da Marvel. Investigadores de uma universidade chinesa garantem ter construído um computador quântico que consegue fazer cálculos em 200 segundos que demorariam dez mil anos num computador normal. É um trilião de vezes mais rápido que outros supercomputadores já existentes — como o Sycamore da Google. Estou a citar de um jornal português e espero que os “triliões” estejam corretos, mas enfim, se forem biliões também não está mal, não senhor. Não é que este computador possa já ser aplicado a tarefas específicas. Mas mostra onde a China está. E na minha escala, isto é do caraças.

Sigamos as notícias. Há meses que a Huawei clama que é totalmente independente do Governo chinês e que os receios quanto a ser a detentora da rede 5G na Europa são infundados. Também aqui a Administração Trump teve uma aproximação de puto bruto no recreio com ameaças à Europa. Mas parece evidente que entregar o 5G aos chineses é uma ideia triliões de vezes pior do que, sei lá, nós darmos-lhes a REN — a Rede Elétrica. E digo isto não porque a tecnologia não seja bestial (na minha escala), mas porque é uma empresa chinesa e porque o Estado chinês é o Estado chinês. Mandou a Huawei fazer uma tecnologia de Inteligência Artificial (IA) para reconhecimento facial de deteção de Uigures (a minoria muçulmana perseguida) — algo que a empresa sabe que irá ser utilizado contra os Direitos Humanos. E a Huawei fez. Pode ler no “Washington Post” de 8 de dezembro num extenso artigo sobre os “Alarmes Uigures” da Huawei. A Huawei não irá mandar coronavírus pela rede 5G. Acho que podemos estar descansados. Mas quando Xi mandar ajoelhar, quem duvida que a Huawei ajoelhe?

Isto não é uma teoria da conspiração. São notícias. Vou chutar três: “A China está a conduzir testes biológicos para criar supersoldados, garante espião americano” (“The Guardian”, 4 de dezembro). Já vimos filmes mauzitos nos anos 80 de Van Damme com este argumento. Mas 2020 é o ano da cena. No mesmo jornal a 15 de dezembro: “China está a acelerar o seu programa de modificação do tempo — e devemos estar preocupados”, onde se explica como um megaprojeto para fazer chover e nevar e controlar as condições meteorológicas pode levar a devastação nos países vizinhos mas também ser usado de forma militar.

Já sou lelé que baste para embarcar em teses alucinadas. Chega a verdade para me acagaçar. E a verdade é que a China é um hoje um grave problema que deve ser encarado de forma coordenada pelas democracias ocidentais, que ignoraram o que se passou em Hong Kong enquanto estávamos confinados. Só precisei de notícias de dezembro para o demonstrar. Uma superpotência tem os dados pessoais e gostos e ansiedades dos miúdos ocidentais organizados em IA, deseja controlar a net do mundo com o 5G, tem o computador mais rápido de sempre e está a criar supersoldados e controlar a meteorologia. Isto era suposto assustar. Nem precisa de teorias sobre ter criado o coronavírus em laboratório para destruir as economias ocidentais — embora a ser verdade desse um belo toque unificador a esta história — para estar quase a tomar conta disto à frente de todos sem precisar de conspirações ocultas.

Luís Pedro Nunes. Fiem-se na China. E-Revista Expresso, Semanário# 2513, 24 de dezembro de 2020


Sem comentários: