domingo, 27 de dezembro de 2020

2020, o ano da ciência

 





S

téphane Bancel estava na Suíça, em janeiro, quando ouviu falar do novo coronavírus. O engenheiro bioquímico francês de 48 anos foi rápido a ligar para o N.I.H., o instituto público americano com quem a sua empresa, a Moderna, colaborava há anos com o objetivo de desenvolver vacinas com uma tecnologia disruptiva.

Na mesma altura, um casal de investigadores alemães (os dois filhos de imigrantes turcos) discutiam ao pequeno-almoço, num modesto apartamento em Mainz, um artigo saído numa revista científica sobre a covid-19. Ugur Sahin e Ozlem Tureci trabalhavam há anos com RNA mensageiro (mRNA) com o objetivo de combater o cancro. Decidiram que deviam direcionar todos os esforços para uma vacina.

Quase em simultâneo, cientistas que se dedicavam há anos a investigações em que a maioria dos seus pares não acreditava, lançaram-se por caminhos diferentes na descoberta de vacinas. Não só as mais rápidas do mundo — o ‘recorde’ anterior pertencia à da papeira, desenvolvida em quatro anos — como as primeiras da história que não assentam no uso de vírus atenuados ou adormecidos. 

Há poucas dúvidas sobre como 2020 será recordado. Será o ano da pandemia de covid-19. Mas, em rigor, a maior novidade que 2020 nos trouxe não foi um vírus nem uma pandemia, mas a mais espetacular e coordenada resposta científica da história, feita em várias frentes e com pelo menos duas vacinas assentes numa tecnologia que pode mudar a medicina para sempre.

Nada disto teria sido possível se não existisse tecnologia pronta a ser testada, que só se manteve à tona na última década graças a esforços académicos, investimentos estatais, financiamentos de mercado e apostas de capital de risco, sem que houvesse uma perspetiva tangível de obtenção de um remédio ou vacina de mRNA.

As novas vacinas surgiram em poucas semanas, a existência de muitas infeções facilitou a testagem, os governos eliminaram barreiras administrativas e riscos financeiros (fazendo encomendas) à velocidade da luz. A Moderna aproveitou o financiamento do Estado americano, os alemães preferiram dar o braço às “Big Pharma”, via Pfizer. Outros laboratórios seguiram caminhos mais clássicos. Muitos com sucesso.

Para mim, 2020 foi e será o ano da ciência.

Ricardo Costa. E-Revista, Expresso. Semanário#2513, 24 de dezembro 2020

Sem comentários: