Gottfried Wilhelm Leibniz
É
impressionante a pertinência e a atualidade deste que é um dos autores
mais surpreendentes e ricos da história do pensamento de sempre.
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) é um dos mais influentes criadores
da modernidade.
Muitos
dos seus contemporâneos não compreenderam, porém, a complexidade da sua
força inovadora – e daí que tenha prevalecido uma certa leitura
caricatural, de que o paradigma é o Dr. Pangloss no Cândido, de Voltaire. No entanto, a modernidade veio a demonstrar que essa figura não se adequava ao suposto modelo.
Leibniz
deu importantes contribuições para a física e para a tecnologia e
antecipou noções que surgiram muito mais tarde como a teoria das
probabilidades e o cálculo infinitesimal, sem esquecer os seus estudos
sobre filosofia, política, direito, ética, teologia, história e
filologia. Leibniz também contribuiu para o campo da biblioteconomia.
Enquanto
servia como superintendente da biblioteca Wolfenbüttel na Alemanha,
desenvolveu um sistema de catalogação que serviria de guia para muitas
das maiores bibliotecas da Europa. As contribuições de Leibniz para esta
vasta gama de assuntos foram espalhadas em várias revistas científicas,
em dezenas de milhares de cartas e em manuscritos inéditos. Escreveu em
várias línguas, sobretudo em latim, francês e alemão.
Leia-se
Martinho de Mendonça de Pina e Proença (1693-1743), o primeiro autor
português a referir-se ao pensador alemão entre nós. A sua apreciação é
animada pelo espírito do tempo, no entanto será o oratoriano Teodoro de
Almeida (1722-1804) a proceder a uma análise detida e informada sobre a
obra de Leibniz.
Em Recreação Filosófica falou
do princípio da razão suficiente e da teoria da harmonia
pré-estabelecida. Importa, contudo, ter presente que, ao longo da obra,
fica nítido como a harmonia para Leibniz significa “a diversidade
compensada pela identidade”. Não estamos diante de uma identidade
homogénea, mas de uma realidade que se desdobra infinitamente. E assim a
“razão suficiente” leva-nos ao limite da cadeia de razões, já que não
se trata de encontrar a razão da harmonia, mas de chegar à complexidade
das motivações e dos caminhos.
Nesta
compreensão, será Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) o primeiro
português a tratar a obra de Leibniz de um modo aprofundado – falando de
um sistema pluralista de substâncias. E Antero de Quental declarava a
Jaime Batalha Reis ser a sua filosofia “uma fusão do hegelianismo com a
monadologia de Leibniz” (1885), dizendo a Wilhelm Stork que “a
monadologia de Leibniz, convenientemente reformada, presta-se
perfeitamente à interpretação do mundo, ao mesmo tempo naturalista e
espiritualista”. E acrescentava: “o espírito é que é o tipo da
realidade; a natureza não é mais do que uma longínqua imitação, um vago
arremedo, um símbolo obscuro e imperfeito do espírito” (1887). Assim, a
monadologia anteriana era de feição pluralista, distinguindo três
regiões no mundo real – matéria, vida e espírito – ordenadas
hierarquicamente, tendo cada uma por base a anterior. E foi o
entendimento do “espírito” que ocupou essencialmente Antero, enquanto
força consciente, energia simples, autónoma e espontânea – como modo de
explicar “todo o sistema de forças em que consiste a natureza, bem como o
sentido da evolução, como ascensão dos seres à liberdade, como criação
de uma ordem racional, como desdobramento incessante energia moral, uma
ação contínua da vontade impulsionada pelo ideal, a realização final do
bem”.
Pode dizer-se que Antero de Quental foi, entre nós, dos que melhor
compreenderam as virtualidades do pensamento de Leibniz, aplicando-o
numa perspetiva dinâmica à evolução das sociedades humanas. E Leonardo
Coimbra foi o nosso pensador que mais intensamente refletiu sobre a
lição de Leibniz.
O
que caracteriza a monadologia é o acréscimo da vida moral e a tradução
da liberdade em amor – ou seja, quando uma alma se excede, crescendo em
liberdade, adquire maior capacidade de harmonia e beleza. Em suma, o
“labirinto imenso” de Leibniz não nos pode ser indiferente.
Agostinho de Morais
Raíz e Utopia, Centro Nacional de Cultura, 30 de agosto de 2019
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