sábado, 15 de dezembro de 2018

Gestão Curricular






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O presente texto resulta de uma adaptação, agora em coautoria e integrando desenvolvimentos mais recentes, de uma publicação de Roldão (1999) editada pelo então DEB, Departamento do Ensino Básico, como apoio às escolas envolvidas no processo de flexibilização curricular iniciado em 1996 e que assumiu forma legal no Decreto-Lei 6/2001, de 18 de janeiro. Retomadas hoje nas políticas curriculares portuguesas as tendências internacionais que continuam a recomendar uma orientação para maior autonomia curricular das escolas articulada com a definição mais adequada das aprendizagens comuns essenciais (OCDE, 2016), situa-se este livro na tentativa de retomar essa perspetiva, fornecendo elementos de reflexão e concetualização ao trabalho curricular das escolas. 

Retomando nesta secção, com adaptações da autora, texto recente de Roldão (2017), assume-se que é no difícil reajuste do currículo a uma escolarização universal massificada, mas de cuja qualidade as sociedades não podem prescindir, que os conflitos e tensões curriculares hoje se situam, sendo necessário acentuar que é a garantia das aprendizagens curriculares que legitima a escola como instituição educativa. Contudo, a ideia de currículo que funciona na mentalidade educativa dominante, patente nos níveis de decisão macro, meso e micro, da administração às escolas e professores, privilegia a leitura do currículo como uma mera prescrição, não capturando o seu significado social e político essencial (Gaspar & Roldão, 2007). 

Para assumir decisões quanto à escolha objetiva de conteúdos curriculares, importa ainda considerar a forma que essa seleção adota, tendo em vista as finalidades legitimadoras referidas. A opção mais clássica, porque mais antiga na história da escola, é a versão enciclopedista, que mobilizando uma lógica perpetuamente aditiva, introduz no currículo uma natureza cumulativa e aditiva de todo o saber disponível, em formato forçosamente simplificado, manifestamente ineficaz na produção de verdadeiro conhecimento, além de inviável a termo. A adoção desta visão favoreceu, na escola, uma formatação estéril do conhecimento, encapsulado nas unidades disciplinares repletas de tópicos enumerativos (os programas eternamente extensos e cada vez mais, dado o crescimento dos saberes) e esgotadas no momento da sua avaliação final, com escassa apropriação traduzida em uso ou transferência, geradora de ganhos de saber e competências (Roldão, 2003, 2017). A estruturação de conteúdos nos currículos prescritos, que não se queira enciclopedista e “estéril”: (1) privilegiará a apropriação das dimensões estruturantes de cada disciplina do conhecimento, portadora de uma elaboração histórica significativa, dos seus conceitos e dos respetivos códigos de acesso; (2) promoverá o equilíbrio entre saberes funcionais e saberes científico-culturais; (3) garantirá a apropriação dos processos e metodologias que permitem aceder a e/ou construir conhecimento; e (4) interpretará a aprendizagem curricular (vulgo “resultados”, mas que não são só os das classificações...) por parte dos alunos, que a ação de ensinar deve promover sistematicamente, como apropriação e uso inteligente do conhecimento, em todas as suas dimensões. 

Encontra-se de novo na agenda política em Portugal a discussão sobre a racionalização do currículo, quer pela retoma da lógica de binómio curricular (Roldão & Almeida, 2018) assente num currículo nuclear comum prescrito a nível central – aprendizagens essenciais – e no reconhecimento efetivo de um outro nível de decisão curricular na escola para o operacionalizar de forma contextualizada, quer pela assunção de “emagrecimento curricular”, centrado na substituição do enciclopedismo pelos saberes estruturantes essenciais, como se recomenda em muitos documentos de política curricular internacional das últimas duas décadas, nomeadamente no Projeto Future of Education and Skills 2030 da OCDE (2016). 

Na fase em que este texto foi escrito (março 2018) estava definido no quadro político da atual equipa governativa da Educação, após discussão pública alargada, um Perfil dos Alunos no final dos ensinos básico e secundário, e estava em curso trabalho de equipas, integrando associações de professores e especialistas em currículo, sobre a reconfiguração das prescrições curriculares das diferentes disciplinas no sentido de as reorientar para a formulação de Aprendizagens Essenciais, conceito que o Projeto Future of Education and Skills 2030 (2016) supra também operacionaliza. Simultaneamente, foi lançada a iniciativa de trabalho no terreno para suporte deste debate, com um conjunto de cerca de duas centenas de escolas que voluntariamente participaram no ano letivo de 2017/2018 na discussão e estabilização destas linhas de trabalho, com vista à reconcetualização de um referencial curricular coerente, prevendo-se dispositivos de avaliação e reorientação do processo iniciado. 

Este contexto dá continuidade às preocupações que na década de 1990 e início de 2000 marcaram o currículo, nomeadamente na clarificação do conceito de gestão curricular, que requer um grau mais elevado de deliberação colaborativa dos professores (Sousa, 2010), operacionalizadora da autonomia e flexibilização curriculares pretendidas, visando a melhoria da qualidade das aprendizagens. 

O facto de que o texto que se segue retoma em grande parte o texto de Roldão de 1999 é indicativo da dificuldade do sistema e das escolas se reorientarem, no sentido da efetiva e desde então normativamente proclamada autonomia, o que faz com que os problemas então identificados se mantenham no essencial os mesmos. 

Este livro constitui assim uma retoma adaptada ao contexto atual do essencial do texto produzido em 1999 (Roldão, 1999).

Roldão, Maria do Céu, Almeida, Sílvia de (2018). Autonomia e flexibilização curricular revisitadas, in Gestão Curricular - Para a Autonomia das Escolas e Professores. Lisboa: Ministério da Educação / Direção-Geral da Educação (DGE)



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