segunda-feira, 18 de junho de 2018

O escritor escreve para saber que não está louco


Entrevista com Eugenia Rico
- Por José Mário Silva



Uma conversa sobre a infância, a importância dos leitores, Veneza e o compromisso dos artistas com o mundo.
Foto: Nuno Botelho



"Nascida em Oviedo (1972), Eugenia Rico é uma das mais reconhecidas escritoras espanholas da atualidade. Entre outros, ganhou o Prémio Azorín e o Bauer Youth Prize, atribuído pelo Festival Internacional de Literatura de Veneza, a cidade onde vive. Em 2011, participou no prestigiado Programa Internacional de Escritores da Universidade de Iowa. Já com três livros editados em Portugal (“A Idade Secreta”, “Só a Água me Espera” e “No País das Vacas Sem Olhos”, todos pela Casa das Letras), assistiu em Lisboa ao lançamento da tradução do seu primeiro romance, “Os Amantes Tristes”, com chancela da Parsifal. Extrovertida, conversou num castelhano misturado com galego, língua que ouvia na infância, em Lugo, “não tão longe assim de Trás-os-Montes”."

[...]
[...] publicou mais cinco romances, um livro de contos e dois de não-ficção. Quase todos são dedicados, de forma explícita, aos “leitores”.
É verdade. A minha escrita exige um leitor participante. Gosto de pensar o romance como um icebergue. A história existe mais no que ficou por escrever — e que o leitor tem de colocar lá, a partir da sua experiência, da sua sensibilidade — do que no que fica efetivamente escrito. Para mim, a função do escritor é lançar no texto pequenas bombas-relógio que explodirão mais tarde, na memória do leitor, provocando-lhe um prazer inesperado. Ao escrever ponho uma máscara, coloco uns óculos, e o leitor, se espreitar por essas lentes, vê pelos meus olhos. Mas é só uma versão, tão válida como aquela que cada leitor criará na sua cabeça.

Que importância é que a viagem tem para si enquanto escritora?
Ao longo dos anos viajei muito pelo mundo. Até cheguei a ser repórter de guerra. E acho que o escritor deve ter um compromisso com o mundo que o rodeia, mesmo se escreve sem sair de casa. Porque o escritor é sempre um estrangeiro, alguém que olha para as mesmas coisas, mas com olhos novos. Caso contrário, limita-se a repetir o que já foi feito. E isso não interessa. 

Os artistas devem comprometer-se no plano político, ou apenas no plano cívico?
Pessoalmente, espera-se que sejam tão ativos como outro cidadão qualquer, na política ou noutras áreas da sociedade. Mas enquanto artistas, acho que só devem assumir um compromisso: com a beleza e com a verdade das suas criações.

Dezoito anos depois, ainda se reconhece em “Os Amantes Tristes”?
Posso dizer isto: quando o releio, fico muito satisfeita. Francamente, acho que o livro é muito melhor compreendido hoje. Em vez de envelhecer, rejuvenesceu.

Além da amizade e da traição, um dos temas centrais é a loucura, tópico clássico desde “Dom Quixote”. 
Sim. No fundo, o escritor escreve para saber que não está louco. E os bons escritores não enlouquecem porque conseguem meter todos os seus fantasmas, todos os seus demónios, naquilo que escrevem.

A entrevista concedida ao semanário Expresso  - E-Revista de 9 de junho de 2018 - pode ser lida na íntegra AQUI, ou, na versão impressa, na Biblioteca.


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