segunda-feira, 18 de junho de 2018

Banir o sono



Caravaggio (1571-1610) O sono do Cupido, 1608. Palácio Pitti, Galeria Palatina, Florença.



Pela eficiência permanente, que opera 24 horas por dia, elimine-se o sono. 
O sono é estagnação, inatividade, inércia, ócio, preguiça. 
É antagónico com a vida dos dias de hoje, impedindo-nos de sermos conscientes, racionais e trabalhadores a tempo inteiro. 
O executivo dos nossos dias louva-se de dormir pouco ou quase nada, de passar noites em branco, de trabalhar até à exaustão pela noite dentro, um ser humano máquina, em competição com o computador, fazendo mega horas extraordinárias, que não perde a concentração, nem a missão ou o fim que tem em vista. 
O sono impede o conhecimento, saber, rendimento, produtividade. 
O sono é noite, escuridão, o império das trevas, incompatível com o dia, o empreendedorismo, com uma vida eficiente e de luzes continuamente acesas. 
Para sermos eficientes, empreendedores e racionais a todo o tempo, é preciso abolir o sono, criando sociedades onde o êxito, o ser feliz, o mérito e o reconhecimento são diretamente proporcionais à ausência de sono. Sendo admissível, quando muito, três ou quatro horas bem dormidas, estigmatizando quem não consegue ou dorme o dobro. 
A maximização da eficiência funcional é trabalharmos sem intervalos, dia e noite, porque tudo é importante, menos o sono, tendo como perdedores os que o enaltecem. 
Por confronto com o malefício do sono, exalta-se a vigília, testando-a progressivamente, via ingestão de anfetaminas, ansiolíticos, pastilhas de estimulação cerebral, neuroquímicos, com a ajuda e empenho de Silicon Valley. 
Investiga-se e examina-se o funcionamento do cérebro de animais que conseguem passar vários dias e noites sem dormir. 
Só que o sono é inevitável. Lamentável inevitabilidade, para os opositores. 
Não há melhor cura para curar o cansaço. 
Nem pior padecer que a tortura do sono. 
Por enquanto, enquanto dormimos, o sono não é vendável, expulsando as leis do mercado. 
O sono é pessoal e intransmissível. 
É a afirmação e constatação dos limites do corpo humano, da nossa finitude, mesmo que governados ou dirigidos por pessoas que não querem dormir, que minimizam ou odeiam o sono, que o têm como dispensável e irracional, que o desejariam abolir ou banir, podendo. 
Afinal, toda a gente se cansa e não sobrevive sem sono. 





12.06.2018
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

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