O senhor
Juarroz gostava de organizar a sua biblioteca de maneira secreta. Ninguém gosta
de revelar segredos íntimos.
O senhor
Juarroz primeiro organizara a biblioteca por ordem alfabética do título de cada
livro. Rapidamente, porém, foi descoberto.
O senhor
Juarroz organizou depois a sua biblioteca por ordem alfabética, mas tendo em
conta a primeira palavra de cada livro.
Foi mais
difícil, mas ao fim de algum tempo alguém disse: já sei!
A seguir,
o senhor Juarroz reordenou a biblioteca, mas agora por ordem alfabética da
milésima palavra de cada livro.
Há no
mundo pessoas muito perseverantes, e uma delas, depois de muito investigar,
disse: já sei!
No dia
seguinte, assumindo este jogo como decisivo, o senhor Juarroz decidiu arrumar a
biblioteca a partir de uma progressão matemática complexa que envolvia a ordem
alfabética de uma determinada palavra e o teorema de Gödel.
Assim,
para estranheza de muitos, a biblioteca do senhor Juarroz começou a ser
visitada, não por entusiastas da leitura, mas por matemáticos. Alguns passaram
tardes a abrir os livros e a ler certas palavras, utilizando o computador para
longos cálculos, tentando assim encontrar a todo o custo a equação matemática
capaz de desvendar a organização da biblioteca do senhor Juarroz. Era, no
fundo, um trabalho de descoberta da lógica de uma série semelhante a 2 | 9 | 30
| 93.
Pois bem,
passaram dois, três, quatro meses, mas chegou o dia. Um reputado matemático,
completamente vermelho e eufórico, segurando, na mão direita, um bloco gigante
coberto de números, disse: já sei!, e apresentou depois a fórmula da série em
que se baseava a organização da biblioteca.
O senhor
Juarroz ficou desanimado e decidiu desistir do jogo. Basta!
No dia
seguinte, pediu à sua esposa para organizar a biblioteca como bem entendesse.
Por ele,
estava farto.
Assim
foi. Nunca mais ninguém descobriu a lógica da organização da biblioteca do
senhor Juarroz.
Gonçalo
M. Tavares, O Senhor
Juarroz, série O Bairro, 2.ª ed., Lisboa, Editorial Caminho,
2004 (adaptado)
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