sexta-feira, 27 de março de 2020

Dia Mundial do Teatro



Mensagem da Sociedade Portuguesa de Autores 
por FERNANDA LAPA

"Apostemos na força do Teatro para as transformações que os nossos tempos exigem."







       POR QUE SE ESCOLHE SER DRAMATURGO  

É no Homem, nas suas urgentes e sangrentas ansiedades, que está a raiz da atual criação dramática.
Alguns dramaturgos realizam a descida aos infernos, testemunham o mundo tal como o veem através das grades do seu cárcere de angústia e desespero, despem os homens dos adereços enfeitantes que a prática de normas sociais seculares lhes emprestou, denunciam o desnaturado das relações humanas mais aceites e, em gritos agónicos de linguagem atomizada uivam a sua incapacidade de reajuntarem o que o uso, a mentira, a injustiça e o desamor separaram cruelmente.
Porque se escolhe ser dramaturgo e não romancista ou poeta? Esta opção traz implícitas muitas consequências e uma delas é que o homem de teatro necessita do público de uma maneira carnal, pois o teatro é, em si mesmo, a expressão artística mais carnal de todas, uma expressão em que o verbo ou a sugestão ou a situação emocional elaborada pelo autor, tem de ser encarnada por um actor, que cada vez que a peça está no palco a diz ao vivo para um público vivo. E se há pessoa mais ansiosa desse sentimento de aproximação, de comunicabilidade com o público, de amor, na ideia mais lata do termo, é o dramaturgo, que não prescinde dessa fusão carnal que constituem os elementos do teatro.
(palavras de Bernardo Santareno)


Neste ano em que se comemora o Centenário de um dos grandes dramaturgos portugueses que, pagando muito caro, nos ofereceu as mais ricas e complexas personagens do nosso teatro e os temas mais fracturantes da nossa sociedade do século XX, seria, para mim, impensável não o tornar centro e símbolo da luta constante da gente de teatro por uma Cultura Para Todos, onde o Teatro se inscreva como Serviço Público.

Sensível que sou às questões que afetam as mulheres no seu dia a dia – quer no que diz respeito ao âmbito social e familiar, quer na igualdade de direitos laborais, não posso deixar de referir que o Teatro português, como muito do teatro que se faz lá fora, continua a sofrer de um deficit democrático. As mulheres de teatro continuam em situação de subalternidade e isto apesar de nas Escolas Profissionais ou no Ensino Superior elas serem a maioria. O facto é: que há muito mais desemprego feminino no Teatro português, que a maior parte das Companhias existentes são dirigidas por homens, que as, poucas, que são dirigidas por mulheres, estão na cauda dos apoios estatais e que os apoios que recebem, além de escassos, se inscrevem, sobretudo, nos apoios Pontuais ou Bianuais. 

O medo e a recusa do Outro/Desconhecido, o medo e a recusa de encarar a realidade que nos cerca, onde o preconceito, o racismo, a homofobia, a xenofobia, a guerra e a pobreza, teimam em se instalar, são temáticas a que o Teatro português não pode alhear-se, sob pena de se autodestruir, renegando assim o Teatro dos grandes Mestres, desde os Gregos a Shakespeare, desde Gil Vicente a Brecht ou a Caryl Churchill – em suma todos aqueles que nos continuam a emocionar e a fazer pensar. Amar o Teatro e o Público não é um conceito abstracto. Amar não pode ser uma palavra sem conteúdo e, tal como a palavra Drama, contém o sentido de acção. Porque amo, eu actuo em favor de quem, ou daquilo que eu amo. Muitas vezes para defender esse amor é preciso lutar. E é por isso que nós, homens e mulheres de Teatro, homens e mulheres do Público temos o dever imperioso de continuar a lutar por um Teatro digno do nosso País e por uma classe teatral dignificada.

Aproveitemos este dia 27 de março de 2020, para proclamar que todo o ano terá de ser de Teatro. Exijamos um Plano de Desenvolvimento Teatral com futuro. Apostemos na força do Teatro para as transformações que os nossos tempos exigem. E porque março é o mês das Mulheres procuremos a igualdade nesse Plano. E porque conhecemos as condições miseráveis em que muitos dos nossos reformados vivem considere-se nesse Plano um sistema de remunerações digno.

Viva o Teatro, os seus agentes e o seu público.


Fernanda Lapa
(Actriz, Encenadora e Directora da Escola de Mulheres-Oficina de Teatro)



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